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Evangelhos 2005 Comentados

de Firmamento Editora

em 21 Set 2006

  (...anterior)

Assim, através de uma fábula simples e imediata, a dos dois filhos, que não apresenta no seu remate qualquer dúvida, Jesus obriga os seus interlocutores a perceberem a distância a que estão de malkut, o Reino dos Céus, e dá a perceber uma doutrina complexa e ousada, em que a negação mostra um valor superior à afirmação. Os excluídos, no caso prostitutas e publicanos, são comparados ao primeiro filho, o que diz não, mas depois reconsidera, enquanto os interlocutores de Jesus, guias espirituais e chefes sociais, são comparados ao segundo filho, o que diz sim, mas depois desampara. Tal como na pequena fábula da parábola se percebe que é preferível dizer não ao pai, também na segunda situação, em que se avalia o avanço espiritual da humanidade, se tira que menos interessa o avanço dos que aparentam obedecer a Deus, ficando-se pelo cumprimento literal dos preceitos, que o atraso dos que parecem desobedecer-lhe, mas dele se aproximam pelo espírito.

Há nesta parábola duas vertentes: a pedagógica e a sófica. A vertente pedagógica é comum a toda a linguagem bíblica das parábolas. Partindo de exemplos factuais e conhecidos, leva-se o interlocutor a perceber o que, se o modo fosse outro, mais espontâneo, não se entenderia. Há, pois, alguma coisa de didáctico nas parábolas a que Jesus recorre nos três evangelhos sinópticos. Nada despropositado aproximar este uso da parábola da argumentação socrática nos diálogos platónicos. Quando Jesus pergunta aos sacerdotes do Templo, depois de contar a história dos dois filhos, qual dos dois cumpriu o pedido do pai, pratica o princípio maiêutico de facultar discretamente ao interlocutor a revelação de um saber que existia nele mas cuja consciência lhe faltava. O parentesco entre o método pedagógico de Sócrates e o método compreensivo de Jesus deixa vislumbrar afinidades estreitas entre o saber hebraico 1e o saber grego, num paralelo que sairia muito enriquecido, caso tentássemos a aproximação dos Evangelhos aos textos platónicos, que têm por tema a morte do Mestre, Apologia de Sócrates, Críton e Fédon.

O aspecto sófico da parábola dos dois filhos merece vastas considerações. A rede de implicações gnosiológicas que se pode tecer a partir dos aspectos mais doutrinários da parábola é demasiado extensa e cerrada para ser aqui reconstituída. Ainda assim, numa abordagem sumária como esta, não podemos deixar de entrar em linha de conta com uma outra passagem de Mateus (9,10-11), em que Jesus e os apóstolos comungam inocentemente com “publicanos e pecadores” o mesmo alimento. É o momento em que Jesus proclama que não veio chamar os justos, mas os pecadores, tópico doutrinário que nos parece de primeira importância na caracterização do cristianismo e que encontra na parábola do fariseu e do publicano (Lucas 13,9-14) um momento altamente esclarecedor, muito afim aliás das predominâncias que orientam em Mateus a parábola dos dois filhos.

Esta linha, que tanto tem de ousada como de inovadora, deixou depois, em termos de pensamento cristão, uma vasta e por vezes contraditória descendência. Trata-se de uma estirpe colossal, que também não é possível restituir aqui, no todo ou na parte. Adiante-se apenas que uma parcela significativa do pensamento ibérico de inspiração cristã ganha raízes no húmus desta linhagem. É o caso de Unamuno quando fala de um Cristo espanhol, bárbaro e agónico, trágico e africano, e sobretudo o de Pascoaes quando adianta que o pecado é mais fecundo que a virtude e que, no campo religioso, a acção dos ateus é mais criadora que a dos crentes (v. São Paulo, 1934). O pensamento deste escritor português, que ele designou de ateoteísmo, pode aparecer na modernidade como a mais séria actualização dos princípios doutrinários mais genuínos do cristianismo evangélico, mesmo que isso passe, como passa no caso de Pascoaes, pela reabilitação em toda a linha da figura do Anti-Cristo. O que importa, do ponto de vista do ateoteísmo, retomando agora a parábola dos dois filhos, não é dogmatizar o momento da revelação, seja o de João Baptista, seja o de Jesus, mas manter vivo o espírito de frescura irreverente que nessa manifestação se faz presente.
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*Professor de literatura e cultura na Universidade de Évora

(1) O texto de Mateus foi escrito originalmente em língua hebraica, aramaico, e só depois foi traduzido para a língua grega.
   
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