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Shakuntala (Śakuntalā)
de Abanindranath Tāgore
em 13 Ago 2018
(...anterior) Mas, como podia ele dizer “não” à ordem do Rei?
Madavyā chamou os servos que se apressavam; num abrir e fechar de olhos, os elefantes foram ajaezados e os cavalos atrelados; os guardas cingiam os cinturões, os caçadores pegavam nas suas lanças, os archeiros nos seus arcos, e os pescadores lançavam as suas redes aos ombros.
Os pesados batentes de oiro maciço abriram-se lentamente, e o Rei, no seu carro resplandecente, partiu para a caça, seguido por uma grande escolta. De cada lado do carro marchavam dois elefantes reais, agitando os enxota-moscas, e os portadores do guarda-sol erguiam bem alto o pálio real; a fechar o cortejo, e escarranchado num cavalo coxo, avançava o Bufão do Rei.
A Caça
Ao som das trombetas e pelos caminhos tortuosos, o Rei chegou enfim ao sítio mais denso da floresta. Imediatamente, os homens prepararam suas armas: os passarinheiros estenderam as armadilhas duma árvore à outra; os pescadores lançaram as redes nos lagos e ribeiras, enquanto que os soldados e vassalos cercavam a floresta.
Por todo o juncal, em sobressalto, ecoaram sons variados e vozes impacientes.
Antes da chegada do Rei todos os animais viviam felizes: as aves agitavam as suas asas delicadas como folhas tenras, e baloiçavam-se sobre os ramos, como frutos vermelhos acariciados pela brisa; as suas crias gorjeando, levantavam os seus primeiros voos. Mas, de súbito, divisaram os passarinheiros... e então abandonaram as árvores, fugiram dos ninhos e voaram, atemorizados, em todas as direcções.
Os búfalos negros que, para se refrescarem, se tinham deitado preguiçosamente na lama húmida, ergueram-se bruscamente, farejaram o perigo, e refugiaram-se na espessura da floresta, olhando para trás e erguendo as suas enormes cabeças cornudas. Antes da chegada do Rei, os elefantes pacíficos aspergiam-se com água fresca com as trombas, roçavam seus corpanzis contra os troncos gigantescos ou enxotavam os mosquitos abanando-se com palmas; ao verem os caçadores, tomados de pânico, fugiram de trombas erguidas, destroçando as armadilhas dos passarinheiros, esmagando os lótus dos lagos, devastando tudo à sua passagem.
A caça começou! Todo o juncal fremiu e todas as feras rugiram. Da floresta subia o bramir terrível dos tigres e os gritos das panteras vinham das montanhas.
Que hecatombe de aves, de javalis e de animais de toda a espécie!... Uns foram apanhados na rede e outros nas armadilhas; outros ainda foram mortos a sabre.
Gritos e lamentos encheram a floresta inteira; os Soberanos da floresta fugiram pelos atalhos através do bosque; os crocodilos dos lagos mergulhavam fundo, todas as aves fugiram e o seu voo escureceu o horizonte como uma nuvem ameaçadora.
Mas os caçadores redobravam de ardor: os passarinheiros corriam atrás dos pássaros; armados de arco, os archeiros perseguiam o tigre, e os pescadores, com as redes ao ombro, espiavam, sem fazer ruído, os peixes.
Sozinho no seu carro, o Rei perseguia uma corça; esta, célere como o vento, fugia desvairada pelo medo; o carro de oiro, rápido como um raio, lançava-se em sua perseguição...
Em breve, o Rei ultrapassou a sua comitiva: vassalos, elefantes, cavalos e bufão, todos ficaram para trás, longe, muito longe...
O carro de oiro e a corça correram, saltaram, perderam-se de vista, tornaram a aparecer para desaparecerem novamente; em desfilada pela margem da ribeira, internavam-se na floresta, atravessavam os campos e chegaram, enfim, ao eremitério...
O Encontro
Enquanto que a caça punha em alvoroço toda a floresta, a calma reinava no eremitério. Nos ramos das árvores, os papagaios verdes trincavam grãos de arroz; na superfície dos lagos de águas claras e límpidas, os cisnes brancos nadavam alegremente e, sobre os tapetes de erva verde, as gazelas, domesticadas, brincavam sem receio.
Aninhadas num berço de verdura, as três amigas, Śakuntalā, Anasuyā e Priyāmbada, conversavam em voz baixa.
(... continua)
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