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As Quatro Nobres Verdades
de Ajahn Sumedho
em 26 Jun 2008
(...anterior) Têm de contemplar a experiência do abandonar e verdadeiramente investigar e examinar, até que a realização venha. Continuem até que o verdadeiro saber chegue: “Ah, o desapego! Sim, agora compreendo! O desejo foi abandonado!”. Isto não significa que se vá abandonar o desejo para sempre, contudo, nesse breve momento, realmente foi abandonado e foi feito com plena atenção consciente. Então surge a realização. É a isto que chamamos sabedoria plena. Em Pāli, chamamo-lo de ñanadāssana ou compreensão profunda.
Eu tive a minha primeira revelação no que respeita ao desapego, no meu primeiro ano de meditação. Eu compreendi intelectualmente que temos de abandonar tudo e depois pensei: “Como é que se abandona?” Parecia impossível abandonar fosse o que fosse. Continuei a contemplar: “Como é que se abandona?” depois dizia, “Abandonas, abandonando”. “Bem, então abandona!” Depois dizia: “Mas será que já abandonei?” e “Como é que podes abandonar?” “Bem, simplesmente abandonando!” E assim continuei tornando-me cada vez mais frustrado. Mas, eventualmente, tornou-se óbvio o que estava a acontecer. Se tentarem analisar como abandonar em pormenor, torna-se tudo muito mais complicado. Já não se tratava de algo que pudesse ser expresso por palavras, mas algo que simplesmente fazia. E assim por um momento eu abandonei tudo, assim simplesmente.
No que respeita a problemas pessoais e obsessões, o método para o desapego é o mesmo. Não se trata de analisar exaustivamente e tornar o problema ainda maior mas, de praticar esse estado de deixar as coisas em paz, de largá-las. De início, põe-se de parte mas depois torna-se a pegar porque o hábito do apego é muito forte. Mas pelo menos fica-se com a ideia. Mesmo após ter tido essa revelação acerca do desapego, eu era capaz de abandonar por uns momentos mas depois voltava a apegar-me, com o pensamento: “Não consigo fazê-lo, tenho tantos maus hábitos!”.
Mas não confiem nesse tipo de constante crítica depreciativa dentro de vós. Não é digno de confiança. É simplesmente uma questão de praticar o desapego. Quanto mais vezes observarem como se faz, mais facilmente conseguirão suster esse estado de desapego.
Realização
É importante saberem quando se deu o desapego do desejo: quando deixaram de fazer juízos de valor ou quando deixaram de tentar livrar-se deles: quando reconheceram que esta é a forma como as coisas são. Quando se está verdadeiramente calmo e em paz, percebe-se que não existe apego a nada. Deixa-se de estar aprisionado, quer tentando ter algo, quer libertando-se de algo. Bem-estar é simplesmente conhecer as coisas como elas realmente são, sem sentir a necessidade de fazer sobre elas qualquer juízo de valor.
Estamos constantemente a dizer, “Isto não devia de ser assim!”, “Eu não devia de ser como sou!” e “Tu não devias de ser assim e tu não devias de fazer isso!” e por aí fora... Tenho a certeza que vos poderia dizer o que deveriam ser e vocês conseguiriam dizer-me o que eu deveria ser. Nós deveríamos ser gentis, carinhosos, generosos, com bom coração, trabalhadores, diligentes, corajosos e compassivos. Eu não tenho sequer que vos conhecer para vos dizer isto! Mas, para realmente vos conhecer, eu teria de me abrir convosco, em vez de começar a partir de um idealismo sobre o que uma mulher ou um homem devem ser, o que um budista deve ser ou, o que um cristão deve ser.
O nosso sofrimento provém do apego que temos para com os nossos ideais e das complexidades que criamos sobre a forma como as coisas são. Nós nunca somos o que deveríamos ser de acordo com os nossos ideais mais altos. A vida, os outros, o país em que estamos, o mundo em que vivemos, as coisas nunca parecem ser aquilo que deveriam ser. Tornamo-nos muito críticos de tudo e de nós mesmos: “Sei que deveria ser mais paciente, mas eu NÃO consigo ser paciente!”... Ouçam bem todos estes “deveria” e “não deveria”, os desejos de querer o que é agradável, querer ser ou querer ver-se livre daquilo que é feio ou do que é doloroso.
(... continua)
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