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Uma conversa com amigos
de Ajahn Sumedho
em 27 Fev 2016
(...anterior) Um dia, Ajahn Chah chamou-me à parte e disse-me: “ Sobre aquele monge…”, eu disse: “Sim, sei, criou uma data de problemas aqui.” ao que Ajahn Chah disse: “Na verdade, ele tem uma boca má, mas um bom coração.”, e imediatamente me apercebi que era verdade. Ele tinha um bom coração, só que tinha uma forma infeliz de falar. Doravante nunca me esqueci disso: não ser apanhado pelo meu conceito de rectidão e pelo meu sentido de que “tenho de pôr este monge na linha.” Subitamente consegui ver que a raiva da rectidão não era o que devia seguir.
Quando me tornei o monge principal de Wat Pah Nanachat, o primeiro ano foi muito difícil – por vezes era mesmo um fardo muito pesado para mim. Fui ver o Ajahn Chah, uma tarde, e era óbvio que me encontrava muito em baixo. Ele estava sentado sob o seu kūti, e antes mesmo que eu falasse, disse:” Oh Sumedho, pensaste que ser monge principal era muito fácil – era só ter uma dessas almofadas triangulares e ter pessoas à tua espera, não era? Ha, ha, ha. Agora sabes como é.” E, de repente apercebi-me como o professor é visto como um ser numa posição privilegiada. De súbito senti mais empatia por ele – porque sabia que ele tinha passado por isso durante anos, no meio dos problemas da vida do Sangha e de todas as recriminações, escândalos e dificuldades – e, contudo, ele possuía aquele tipo de ligeireza e alegria de ser. Isto encorajou-me a prosseguir e a não me levar tão a sério, ou a não ser tão duro comigo mesmo, porque iria cometer erros e desagradar aos outros, mas tal seria uma forma de aprender. Nem sempre o processo de aprendizagem é fazer as coisas correctamente, ou tomar a melhor decisão.
Outra vez, quando fui para Inglaterra, mandou-me um recado através de outro monge. Não sei como, mas acho que ele sabia bem, ou imaginava o que se estava a passar. Deu-me o ensinamento perfeito para esse momento. Era assim:” Sumedho, se não consegues avançar, nem recuar, não consegues subir, nem descer, o que fazes?”
WN: Assim vindo do nada?
AS: Tal e qual. Era como se tivesse estado a falar com ele ao telefone. Já não o via há um ano, mais ou menos. Ainda tenho esse recado no meu kūti em Amaravāti, porque é sempre uma boa lição.
RK: Há algo sobre a mente que ainda o surpreenda?
AS: Bem, agora já não me deixo surpreender por nada que venha à mente. Devido à prática, existe uma confiança na prática que não me deixa surpreender com nada que surja. Mas vocês sabem bem quão estranhas são as coisas que afloram à mente, e que percebemos serem não-eu, porque até há algumas que nem pertencem à esfera pessoal – coisas que surgem inesperadamente. Entretanto a confiança vai-se aprofundando, devido a continuarmos a praticar a partir do ponto que conhecemos bem. É algo em que confiamos, e que depois aplicamos à nossa vida diária. Surgiu-me tanta intuição em situações tão difíceis relacionadas com outras pessoas, problemas com o Sangha, críticas que me foram feitas, pessoas desiludidas comigo, e coisas deste tipo. Aprendi com situações que manifestam um forte sentido do eu e do valor próprio; por consequência, agora já sei como lidar com isso.
WN: Ainda tenho mais uma questão breve. Ajahn Chah ensinou a vastidão do espaço e a pura consciência, não foi? Será isso que está a transmitir?
AS: Sim. Em Tailandês chamam-lhe ”poo roo” – o sabedor – “ o que sabe”, é muito usado. E tal como Jack usou o termo “jit derm”, também “a mente original”. Estes termos são muito usados na Tradição Tailandesa da Floresta. Ser o conhecedor, mais do que o objecto (do conhecimento) – este era o koan de Ajahn Chah a toda a hora: “Não sejam os donos do objecto, sejam antes os conhecedores do objecto.”. Ouvi isto vezes sem conta, “não ser o apropriador, ser o conhecedor”.
(... continua)
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