O venerável Ajahn Chah, um dos mais conhecidos professores do Budismo da Tradição da Floresta da Tailândia, costumava dizer: “A nossa prática é como a minhoca”. O que significa isto?
No mundo moderno queremos ver resultados o mais rapidamente possível, fazendo juízos acerca de quão eficientes as coisas são quão bem-feitas, quão atractivas, etc. Existe uma constante pressão para se estar actualizado com os últimos avanços e temer ser deixado para trás. Mas será que temos real força e confiança em nós próprios? Não será que estamos a perder a nossa confiança e integridade ainda que acreditemos que estamos a controlar o “nosso mundo”? Enquanto o chamado desenvolvimento ao nível material é tão invasivo e amplamente disseminado por toda a parte, o que é que tem vindo a acontecer connosco, o ser mais importante no meio de tudo isto?
O Património Religioso simboliza aquilo que de mais elevado a humanidade pode realizar e concretizar. Muitas vezes caminhamos nas belas cidades europeias, por exemplo, e deslumbramo-nos com as edificações, antigas e modernas, e entre as quais aquelas que servem ou serviram de albergue para práticas espirituais de encontro com o Divino, de transcendência humana, de trabalho interior e de carácter e de expansão da consciência. Talvez esses mesmo edifícios fiquem impregnados da emanação dessa prática espiritual e isso transmita uma atmosfera e vibração muito próprias a quem neles entra, a quem os visita, a quem os contacta. Para além dos belos princípios de arte e arquitetura que os regem, temos de nos lembrar dos princípios e propósitos para a existência de tais edifícios. Se não houvesse uma vontade de transcender os aspectos inferiores da existência humana, um almejar de crescimento espiritual, não haveria tais edificações.
Quando era um jovem monge, por vezes, era difícil arranjar velas. Lembro-me de em certas ocasiões sair para uma clareira iluminada na floresta e ler os suttas à luz da lua. Era difícil de acreditar que alguma dessa incrível luz resplandecente viesse da própria lua, mas, na verdade, refletia o sol oculto. Este é o meu 40º Retiro das Chuvas como monge. Com o passar do tempo, os monges ocidentais tornaram-se mais bem conhecidos na Tailândia e até mesmo vêm a ter reconhecimento oficial. Como isto me aconteceu agora, lembro-me que o meu professor Ajahn Chah foi como um sol a iluminar a minha vida adulta. Se há algo na minha vida de meritório, está naquelas poucas ocasiões em que fui capaz de refletir a luz da sabedoria e de compaixão do meu professor, para benefício de outrem.
Estou a utilizar esta oportunidade em particular pois estou de quarentena em Wat Pah Ratanawan, na Tailândia. Acabo de regressar de Banguecoque e todos temos de observar estas novas regras de ficar duas semanas de quarentena após nos termos deslocado de uma área para a outra e é claro que isto é uma oportunidade de meditar, de reflectir nos ensinamentos do Buddha, de praticar e reconhecer a situação na qual todo o planeta se encontra nesta altura, na qual toda a sociedade se vê rodeada pelo medo da morte, medo da doença; tornamo-nos muito conscientes da realidade do envelhecimento, da doença e da morte. Quando a sociedade está no seu normal funcionamento, quando as coisas não estão a tomar esta viragem tão drástica como tem acontecido nos últimos meses, não temos a tendência para contemplar e reconhecer que esta é a natureza da nossa existência: tudo o que nasce, terá de morrer, tudo o que nasce terá de crescer, envelhecer, adoecer e morrer. Estas são as condições normais estabelecidas na natureza, não impostas por qualquer divindade em particular, por Deus ou por outro ser em particular, é simplesmente a forma como as coisas são.
O ensinamento do Buddha pode apenas dar-nos uma compreensão inicial do Dhamma, mas não pode fazer com que o Dhamma fique nos nossos corações. E porque não? Porque ainda não praticámos, ainda não ensinámos a nós mesmos. O Dhamma emerge com a prática. Conhecem-no através da prática. Se duvidarem do Dhamma, duvidam da prática. Os ensinamentos dos mestres podem ser verdade, mas somente ouvir o Dhamma não é, por si só, suficiente para sermos capazes de o realizar. O ensinamento apenas indica qual o caminho. Para realizar o Dhamma temos de agarrar no ensinamento e trazê-lo para os nossos corações. A parte que é para o corpo, aplicamos ao corpo, a parte que é para a fala aplicamos à fala e a parte que é para a mente, aplicamos à mente. Isto significa que depois de ouvirmos o ensinamento devemos ensinar a nós mesmos.