Os Padres no Tibete
de Estevão Cacela em 08 Jun 2023 “...e chegamos a Pargão depois de quatro jornadas. Começa esta cidade num campo muito formoso, largo, e aprazível entre serras «montanhas do Himālaya» que de uma e outra parte o vão acompanhado. Elas em si alegres à vista, e muito acomodadas as searas de trigo, e arroz de que então estavam cobertas; reparte-se o campo com duas grandes ribeiras que o fazem muito para ver, principalmente com a frescura que tem de grandes sinceiros, e muito levadas de água que das ribeiras saem; com o campo começam os edifícios das casas muito grandes, e altas, que comummente são de três, quatro, cinco sobrados, de paredes muito grossas, com janelas e varandas que as formam; não estão estes edifícios em forma que façam ruas, ficam divididos uns dos outros em todo o campo, e pelos pés das serras em forma que fazem uma cidade, mas tão comprida que só o que andarmos e vimos dela serão três léguas, ficando-nos ainda mais para ver; porque o campo vai continuando na forma que tenho referido até dar em uma serra que o parte pelo meio com o qual veem as duas ribeiras de uma a outra parte que regam o campo, e nesta serra faz a cidade dois grandes braços que pelos lados dela vão pelas ribeiras acima grande espaço.
Cartas dos Padres Missionários Estevão Cacela e João Cabral São aqui transcritas partes das Cartas, tal como os Padres as escreveram. Referem os missionários que em plena jornada pelos Himālayas, encontraram uma comunidade Budista, com a qual conviveram durante dois meses. Ouviram falar de Shambāla e passaram depois pelo deserto de Gobi até Shigatzé. A primeira é a Relação que mandou o Padre Estevão Cacella, da Companhia de Jesus, ao Padre Alberto Laércio Provincial da Província do Malabar da Índia Oriental, da sua viagem para o Catayo, até chegar ao Reino do Potente (Tibete). A gente parece inumerável, e lançada a conta a menos que ali vivera hão-de ser mais de quinhentas mil almas; ao que ajuda muito o modo que comummente tem de morar naquelas casas, porque em cada uma delas há muitos moradores divididos pelos sobrados e repartimentos que para isso fazem; aos 25 de Março, entramos nesta cidade, dia em que o Eterno Verbo vestido de nossa humanidade «nascimento de Jesus» entrou neste mundo, e de sua infinita bondade esperamos que a entrada em tal dia naquela terra seja para todo aquele povo o reconhecer por seu Salvador. Não podemos logo chegar a casa do companheiro que nos guiava, e quando ao dia seguinte entramos nela achamos ter-nos aquela manhã roubado tudo quanto trazíamos para nossa sustentação; meteu-nos numa casa sua tão escura, que ao meio-dia não nos víamos, e mais parecia cárcere que outra coisa. Logo lhe pedimos nos quisesse buscar o que nos faltava, pois para nos trazer com segurança vinha por nosso guarda; mas ele muito seguro de si nos respondia, que descansaria, e depois faria a diligência mostrando em tudo o pouco que se lhe dava de nos ser tão infiel depois de nos fiarmos nele, e assim se enfadava notavelmente de lhe falarmos na matéria dizendo que aquele negócio não era de um dia, mas que havia de durar meses, e que vindo de Runate o homem que lá nos negociara, ele faria o que lhe parecesse. Vista a danada resolução deste homem, e outros sinais que dava de coração infeccionado com ruins traças, de que o Senhor nos livrou, e depois soubemos, nos resolvemos a sair de sua casa, para o que havia grandes dificuldades, mas passados dois dias vendo que ele faltava muito tempo em casa, saímos dela, ao que acudindo logo os parentes nos detiveram e lhe levaram recado do que se passava; era notável a paixão com que este homem veio impedir-nos, e querer outra vez à força meter-nos em casa; valendo-se das armas e de tudo o que pode contra nós; mas foi Deus nosso Senhor servido que com a paciência o vencemos resistindo só com esta, a paixão e cólera de que vinha arrebatado. E como neste tempo acudiu muita gente que viu e sem razão que aquele homem nos fazia, e se compadecia de nós procurando aquietá-lo e recolhê-lo em casa, nos desembaraçamos dele; e recolhendo-nos aquela noite em casa de um bom velho que por amor de Deus nosso Senhor nos fez agasalhado, ao outro dia um Lama autorizado quem o Padre João Cabral primeiro tinha falado, nos mandou cavalos e gente sua que nos levasse a sua casa, que ficava muito longe desta paragem; mas chegando-nos a ele o achamos mudado a respeito de temer brigar com o homem que nos roubara, se em casa nos recolhesse: porém foi nosso Senhor servido que se animasse a não reparar naquele inconveniente, posto que depois de estarmos em sua casa por respeito do mesmo homem nos impedia ir avante em tal forma que querendo outro Lama levar-nos, a gente deste com armas lhe defendeu o não fizesse. Vendo-nos assim, e com outras muitas circunstâncias de dificuldades e impedimentos, que deixo de apontar em terra onde não há quem acuda a nada sendo cada um destes homens em sua casa senhor absoluto sem haver fora dela quem lhe peça razão do que fizeram, encontramos o Lama principal que aqui tem o Rei, o qual sabendo dos impedimentos que tínhamos para chegar ao Rei, nos disse que por sua via iríamos por ser ele o que ali estava para negócios do Rei, e que logo nos passássemos para sua casa; assim o fizemos com beneplácito do Lama com que estávamos agasalhados, antes ele mesmo nos levou, e acompanhou até ao Rei; mas nem aqui deixou o inimigo suas acostumadas diligências para impedirmos, de modo que tratando com o Lama principal de querermos passar avante, nos quis persuadir não fossemos mas esperássemos ali o Rei, que dizia viria dali a um mês (o que era tão falso que são hoje passados seis sem ir lá). Vendo esta mudança nascida também do homem que nos roubara; nos despedimos do Lama, e começamos a caminhar sós determinados levar avante o caminho confiando em nosso Senhor nos guiaria e guardaria, pois tendo feito as diligências possíveis não víamos outro meio para passarmos adiante. O Lama vendo nossa resolução foi obrigado a pedir-nos esperássemos mais algumas horas para nos aviar e fazer suas chapas e irmos por sua via ao Rei, que se lá nos visse sem irmos como convinha, ou se no caminho nos sucedesse alguma coisa o castigaria gravemente. Com isto esperámos aquele dia, ele nos deu gente e cavalos para o restante do caminho, e em companhia do primeiro Lama partimos de Pargão na 2 oitava de Páscoa a cinco de Abril. Ao cabo de três jornadas achamos em uma aldeia um Lama parente do Rei, que de sua parte nos vinha buscar com gente e cavalos, e nos acompanhou: este escreveu logo ao Rei como íamos chegando, o qual mandou outros Lamas que em outra paragem nos esperassem com dois cavalos para nós muito bem ornados; e caminhando assim com toda esta companhia um bom espaço antes de chegarmos mandou outra gente sua convidando-nos com o seu chá, «tsanpa» de que ele e os seus usam muito, e continuando depois o caminho que era por serras bem altas indo já perto do lugar onde estava mandou outros Lamas mancebos «monges» em seus cavalos que nos festejassem com muitas carreiras que deram em uma paragem onde a serra lhe sofria, e logo descobrimos por entre as árvores grande multidão de gente, que nos esperava e soaram as charamelas e trombetas, que com isto tem alguma semelhança os instrumentos de que usam em suas festas. Aqui estavam cem Lamas «monges» todos de pouca idade de doze até vinte anos, que postos em ordem (hierarquia) em duas fileiras nos vinham receber, no meio três Lamas pequenos com cheiro «incenso» que levavam em seus turíbulos, que é honra única do Rei. Assim nos levaram ao lugar que nos tinham aparelhado, que era uma tenda muito bem feita forrada de seda da China com seu dacel e lugar onde descansássemos; e mandando-nos dali a pouco o Rei recado que podíamos ir o achamos em outra tenda vermelha broslada de ouro; à mão direita, e muito junto a ele estava em outro lugar correspondente uma imagem de seu pai com uma lâmpada acesa, que ali sempre ardia; aqui ficavam dois lugares altos para nós, não tendo ali nenhum Lama, por grave que fosse, lugar senão nos esteiros que pelo chão estavam. «Os budistas sentam-se sempre no chão». Recebeu-nos com demonstração de muita benevolência significando-a na alegria que mostrava de nos ver, e saber donde vínhamos, donde éramos, de que Reino e nação com as mais perguntas ordinárias nas primeiras vistas: pudéramos dizer-lhe que éramos portugueses, porque a estas serras, como nunca vem gente estranha, nem se lembram de terem visto, ou ouvido ter por aqui passado semelhante gente, assim não chegou a eles o nome de Franguis que em todo o Oriente têm os portugueses. Não foi para nós pequena desconsolação acharmo-nos aqui quase sem língua (tradutor) porque trazendo nós quem sabia muito bem o Indostão, parseo e cocho, contudo só achamos aqui um Lama de Tsaparang muito querido do Rei, que entendia alguma coisa, mas muito pouco, do Indostão; por este falávamos como podíamos com assaz trabalho e pena nossa e do Rei que desejava muito nos pudéssemos declarar bem para as largas práticas que cada dia connosco tinha; mas sabendo de nós como vínhamos aqui mandados para lhe pregar a fé de Cristo nosso Senhor por termos sabido que antigamente a tiveram e depois com a mudança dos tempos, e falta de mestres foi esquecendo, tendo ainda dela algumas coisas, mostrou estimar nossa vinda, e disse que aprendêssemos bem a língua para nós lhe pudermos falar, e que não poderia deixar de aceitar o que lhe ensinássemos, pois deviam ser coisas muito boas, pelas quais vínhamos de tão longe a buscá-lo e assim mandou logo aquele Lama de Tsaparang continuasse cada dia, em ensinar-nos e ele para isso o desocupou muito. E este Rei que se chama Droma Raja, «Dharmarāja» de idade de 33 anos, el Rei e juntamente Lama - maior deste Reino de Cambirasi primeiro do Potente «Tibete» por esta parte, que é muito grande e povoado; preza-se muito da mansidão que tem, «um preceito fundamental no ensinamento do Buddha é a não-violência» pela qual é muito estimado, mas menos temido, e actualmente tem em sua casa um Lama parente seu, que lhe fez um notável agravo trata o bem e disse-nos que o soltaria logo, e que não tinha coragem para lhe dar outro castigo, posto que soubesse que em saindo da prisão se havia de levantar contra ele, como costumava. E também muito celebrado pela abstinência «vegetariano» que faz não comendo nunca arroz, nem carne, nem peixe, sustentando-se de leite e frutas, e também pelo recolhimento «asceta» que guardou os três anos passados antes de aqui chegarmos, metendo-se em uma casinha que fez muito pequena no meio da serra sobre grande penedia, não vendo nem se deixando ver de pessoa alguma e o comer lhe punha em duas cordas que da sua casinha desciam a outras que lhe ficavam abaixo, e ele o recolhia sem falar em todo este tempo com ninguém; ocupava-se como ele nos disse em orar e no tempo que lhe ficava fez algumas peças que tem e nos mostrou uma delas por melhor que era, uma imagem de vulto de Deus em sândalo branco, «imagem do Buddha» pequena, mas excelentemente feita, e é esta arte a de que ele muito se preza, como também de pintor, que é bom, e nos mostrou algumas pinturas suas, e vendo um Anjo S. Rafael que trazíamos em um painel, quis fazer outro por ele e logo o começou, e foi continuando muito bem, posto que por muitas ocupações o não tenha ainda acabado. Tem também este Rei grande nome de letrado e como a tal o reverenciam todos os outros Lamas maiores e os Reis lhe mandam presentes e é buscado de todas estas partes, tendo consigo Lamas de Reinos bem distantes. A causa de o acharmos alojado em tendas nesta terra; é porque costuma a gente das povoações chamá-lo cada uma para sua, e assim se vai pôr em alguma paragem donde possa ir a muitas, dando-lhe então largos presentes de cavalos, gado, arroz, panos e outras coisas, que a sua principal renda e os que por ficarem longe o não convidam, o vêm buscar também com suas ofertas. Por este respeito estava nesta serra com a escola dos seus Lamas, porque não casam, e não comem mais que uma vez antes do meio-dia, depois do qual não podem comer arroz, nem carne, nem peixe, nem bebem vinho nunca, e nisto se distinguem de outros Lamas, que não são tão apertados «austeros»; estão todo o dia recolhidos na escola, na qual comem, e dormem, saindo todos juntos duas vezes no dia, uma pela manhã, outra à tarde, e recolhendo-se logo todos em ordem uns após outros com muita composição e modéstia, tão bem ensinados e acostumados, e faz magna grande vê-los por outra parte tão ocupados nos erros que lhe ensinam, «notória falta de conhecimento do Padre Cacela acerca da doutrina budista» que grande parte do dia gastam em suas rezas, e de noite se levantam todos a um sinal que lhe dão, e rezam como por espaço de meia hora e outra vez de madrugada, cantando «os sūtras» a modo dos clérigos em coro. Nestas serras e noutras o acompanhamos dois meses até chegar a sua casa que está naquela serra onde teve seu recolhimento sem ter consigo mais que os seus Lamas, nem o sítio é capaz de se povoar, porque para se fazer uma casa é necessário quebrar muita penedia e aplainar com muito trabalho algum espaço da serra, que é muito alcantilada; e é sítio que ele escolheu para se defender de um Rei que lhe fica daqui a oito dias de caminho e é o maior do Potente que se chama Demba Cemba, e lhe fez guerra os anos passados por não lhe querer dar, como ele nos disse, um osso de seu pai defunto que o Rei lhe pedia, deixando a este respeito de habitar em uma cidade sua, grande e boa que se chama Ralum e fica daqui a cinco dias de caminho; nestas suas casas nos acomodou muito bem em uma parte delas, onde podemos fazer, e ornar bem uma capela para a qual o convidamos dia de nosso Santo P. Inácio e foi o Senhor servido, que depois de dois roubos nos achássemos ainda com todo o aparelho que trouxemos para o altar, e com todas as imagens, que posto que no primeiro me levassem uma lâmina da Virgem Senhora nossa, com tudo um Lama que a achou na mão dos que nos roubaram a trouxe aqui com mais uma bíblia que também a tinham; veio o Rei ver a capela com o seu mestre que é um Lama muito velho a quem ele tem grande respeito, e com os demais Lamas, que ficaram todos muito satisfeitos do que viam, gastando algumas horas em ver, e perguntar por tudo. Em estes meses procuramos com toda a diligência aprender a língua, e posto que andávamos por tendas e caminhos e casas estranhas que tudo nos tirava o tempo, com tudo nos fez Deus nosso Senhor nesta matéria como em todas as mais muitas mercês; o maior trabalho de todas era a falta do mestre, porque com o que tínhamos nos entendíamos muito dificultosamente; e por não ser deste Reino, mas de Chaparangue «Tsaparang» não sabia a língua desta parte de que ao presente tínhamos mais necessidade porque posto que estes Reinos todos tenham a mesma língua, há muita variedade na pronunciação e nas terminações, e a corrupção dela em algumas partes a faz quase outra particularmente neste reino que por ficar neste canto sem trato, nem muito comércio dos outros Reinos está muito mudada: porém os Lamas todos e comummente a gente entende também a língua dos demais e assim com a que sabemos ficamos aptos para todas estas partes e também fazemos muita diligência para nos formar bem no deste mesmo Reino, em que o Senhor é servido façamos a primeira estância e assim ao presente graças a Deus nosso Senhor nos entendemos muito bastantemente e praticamos as coisas da nossa Santa Fé, e compomos as orações e instruções necessárias nesta língua, e as fazemos escrever nos seus caracteres para que mais facilmente aprendam ajuda-nos também muito sabermos já ler seus livros posto que não os entendamos ainda bem por estarem compostos no melhor e mais polido da língua; eram em todo este tempo muito frequentes as práticas que com o Rei tínhamos acerca das coisas de nosso Senhor, que ele muito folgava de ouvir; mas entendendo também que entre nós e ele havia grande diferença acerca do que criamos em nossa Santa Fé, vimos claramente nele desgosto e frieza para nossas coisas; e assim lhe dissemos depois de lhe agradecer muito o amor que nos tinha mostrado, que o houvesse por bem dar-nos licença e companhia para passar adiante até às partes de Chaparangue, «Tsaparang» pois neste reino não tínhamos que fazer: ficou o Rei muito alcançado com esta petição e deferindo–nos a resposta para alguns dias fez nestes por via doutros Lamas diligências connosco para que desistíssemos de ir avante; mas persistindo nós no que lhe tínhamos pedido nos deu ele mesmo resposta, dizendo que era descrédito seu deixarmo-lo ir avante; que todos estes Reinos sabiam como estavam com ele e que o ter-nos aqui era grande honra sua pelo que para diante não havíamos de passar; particularmente tendo lhe nós dito que estaríamos aqui sempre, nem o deixaríamos. A isto lhe respondemos que o havermos de estar aqui era tendo ele muito gosto de se pregar em seu Reino a verdadeira Lei de Cristo nosso Senhor, e mais particularmente aceitando a ele e fazendo-se cristão, e como víamos nele pouco gosto desta matéria, que é o que somente aqui buscamos, não havia para que fica aqui. A isto nos disse que era verdade mas que ele tinha medo, que se agora tomasse nossa Lei, de morrer logo, que seus antepassados tiveram a lei que ele tinha e que nunca foram cristãos, mas que fossemos lendo os seus livros e praticaríamos mais de raiz sobre a matéria da lei, que por hora começássemos a fazer cristãos e pregar nossa santa Fé, que era muito boa, e ele assim o entendia e que logo teríamos muitos cristãos que era o que desejávamos e que para começarmos nos dava, como logo deu, em sua presença, a um mancebo Lama de vinte anos muito familiar seu e primo co-irmão de outro Lama que é todo o governo do Rei, e que logo nos daria mais dois e que a estes seguiriam muitos e nos faria casa e igreja em Pargão. Vendo a resolução do Rei lhe dissemos que lhe queríamos dar gosto, pois ele o tinha em ficarmos neste Reino com as esperanças que nos dava de nele se haver de estender a Fé do Senhor e lhe agradecemos muito os Lamas que nos dava e se queriam fazer cristãos, e a igreja que em Pargão queria fazer; que no que tocava a haver de morrer logo tornando a Fé do Senhor, ele veria o contrário nos que se fizessem cristãos, porque sendo Cristo nosso Senhor verdadeira vida das almas não matava os corpos antes com ele teria todos os bens do corpo e alma. Do que neste Reino há acerca da Religião direi a V. R. o que colhemos das práticas com este Rei e com o velho mestre seu: dizem primeiramente que nunca foram Cristãos nem acham em seus livros que seus antepassados em todo este Potente conhecessem a Cristo nosso Senhor e tivessem sua Lei, dizem que não são gentios, antes se riem, e zombam das coisas da gentilidade, como de adorar animais «gentios, designação dada aos nativos. Na Índia, a vaca é considerada sagrada e hanuman, o rei dos macacos, tem o seu lugar de culto» e abominam o matar gado a pagodes, e outras cerimónias dos gentios «sacrifícios de animais nos templos» dos mouros dizem muito mal, e é nome que chamam a quem querem chamar homem muito mau. Dizem que adoram a um Só Deus e dele têm imagens bem feitas, uma nos mostrou o Rei muito composta, modesta e autorizada, de metal dourado, que tinha entre as mãos uma vasilha pequena de água, e disse-nos que aquela água era significação de como Deus lavava as almas dos pecados. «Aqui não sei se de facto era para água, pois muitas vezes os monges, e neste caso a imagem seria do Buddha, são apresentados com a vasilha que é o único bem que têm para recolherem a comida; os monges budistas geralmente são mendicantes. Pela falta de entendimento na língua é possível haver engano na interpretação» Também nos mostrou outra pintura de Deus «as thangkas, que geralmente têm um Buddha no centro, ou a representação do Guru, tradição vinda da Índia para o Tibete com Padma Sambhava, no séc. VII d.C.» em pano toda de um azul escuro, e estranhando-lhe nós a cor nos disse que pintavam assim a Deus não porque nele houvesse cor, mas porque sua morada era o céu por isso o pintavam com aquela cor de céu: mostrando-nos também outro painel em que estavam pintados os céus, e no meio deles uma casa quadrada, «mandala» em que dizia morava Deus, posto que conforme seu ordinário falar conhecem a Deus por imenso e que como tal está em toda a parte; dizem que em Deus há três, que são um Deus, e que dois deles não têm corpo, e um tem corpo, ao que tem corpo chamam Togu, «A Joia Tríplice; o Buddha, o Dharma e o Sangha ou os três corpos do Buddha; Dharmakāya; corpo da Lei, Saobhogakāya; corpo de Beatitude e Nirmanakāya; corpo de transformação ou da iluminação. Togu, ou Tulkul, que quer dizer Filho, iluminado, ou ainda os Buddhas vivos, que são reincarnações especiais de seres, geralmente Lamas», e no modo com que falam de seu nascimento dão a entender quererem dizer que nasceu ficando a mãe virgem, «a mãe do Buddha» e nos mostraram a imagem de uma mulher que dizem ser a mãe de Deus, «provavelmente a Tara Branca». Tem notícia da bem-aventurança aonde vão os bons e do inferno onde são castigados os maus, no qual dizem haver grandes tormentos de fogo e frio. Bem se vê nestas coisas ter aqui chegado dalgum modo a luz do Santo Evangelho e outras cerimónias e bênçãos de que usam mostram muita semelhança com as coisas da cristandade; «há certos arquétipos que são comuns a todos os povos como os conceitos de bem e de mal, que os Padres têm dificuldade em reconhecer noutras religiões» mas tem também outras muito desbaratadas; dizem que há seiscentos anos não havia neste Potente gente nenhuma, que tudo era água, mas secando se ficou a terra com árvores e só com dois búzios, «mitologia» dos quais dizem descende toda a gente do Potente, e que estes búzios foram depois para o céu; e que logo no princípio destes Reinos ouve um Rei que tinha doze cabeças. E rindo-nos nós a isto e dizendo-lhe que tudo era falsidade e zombaria, nos respondeu muito firme no que tinha dito, que assim o diziam seus livros. «Uma parte considerável da mitologia indiana; lendas, ensinamentos esotéricos e religiosos foram levados, por sucessivos reformadores indianos para o Tibete, tal por exemplo Atisha que era budista e Padma Sambhava que levou o conhecimento sobre o Tantra». Também fingem uns três paraísos donde os bons passam de um para outro até ficarem espiritualizados de todo, e os que vão ao céu dizem que entram no mesmo Deus e ficando Deuses; e assim adoram os seus mestres «influência da Índia da tradição bramânica» e Reis que tem por Santos como o Deus depois que morrem; donde vem que este Rei toda a sua arte e curiosidade emprega em fazer imagens de seu pai «do Buddha?» e orna-as muito bem, e fazer-lhes festas e esta tem em uma casa, que aqui fez de sua oração na qual só está imagem de vulto em um sepulcro bom e formosos de prata. Em ouvindo-nos dizer que só na Lei de Cristo Senhor nosso há salvação, nos afirmaram que muitos antepassados deste Reino subiram ao céu em corpo e alma à vista de muita gente e que não era isto coisa muito antiga, mas de poucos anos a esta parte e que o pai de Droma Raja era tão santo que onde punha o pé em pedra se imprimiu algumas vezes a pegada, contando juntamente outras coisas de seus antepassados com que o demónio as traz cegos, e enganados. Acerca do Filho de Deus que dizem nasceu afirmam ser o seu Chescamoni «Śākyamuni, nome dado ao Buddha» que é um pagode muito famoso nestas partes, e fica daqui a doze dias de caminho, e dizem que nasceu, há dois mil anos e que andou doze meses no ventre da mãe: isto nos disse aquele Lama principal, que é o que governa a casa do Rei, tendo-nos o Rei dito primeiro que Chescamoni «Śākyamuni» não era Deus e que os Lamas letrados não o adoravam, mas só a gente comum e que não sabia; e o Rei ouvindo agora isto ao Lama o não contradisse, ambos estavam como embaraçados e confusos, não sabendo quem era este Deus filho que parece conheciam e não sabem nada dele, de que nós lhe dávamos muito diferentes novas; nem até agora temos alcançado terem noticia alguma dos mistérios da vida do Senhor, nem da Santa Cruz achamos aqui mais sinais, que alguma semelhança no nome; porque o que nós chamamos cruz ele chamam cruca, mas não conhecem este santo sinal por causa sagrada. «Gautama, o Buddha, foi considerado um filósofo e um ser iluminado, que atingiu a perfeição ao compreender que são os desejos que causam sofrimento. Neste aspecto não tem paralelo com o Cristo, considerado no Cristianismo o Filho de Deus. No Budismo não se fala em Deus, mas todos podem atingir o Nirvāna, estado que sem dúvida é a integração em Deus». A este Rei e Lama maior estimam todos muito, e dão do que têm para quando morrerem, ele os mandar ao céu; e a cerimónia é que quando estão vizinhos da morte já arrancando é chamado o Rei e assiste à morte com suas rezas e em expirando lhe puxa o Rei pelos cabelos da cabeça, e então lhe faz aquela que eles chamam grande obra de misericórdia de mandar-lhe a alma para o céu. E perguntando eu a um destes Lamas em uma morte doutro que aqui morreu, se lhe puxava pelos cabelos antes de morrer se depois; se espantou muito da pergunta dizendo que puxar-lhe antes de morrer seria gravíssimo pecado. Depois de morto o homem repartem o que lhe acham pela mais gente, para que vá bem a alma na outra vida, e os que estão ausentes em a morte dos parentes trazem ao Rei as principais coisas do defunto, e o levam a fazer sobre ele suas deprecações. «O Bardo Thodol é o livro sagrado que se destina a ajudar aqueles que no curso das suas vidas terrenas não atingiram a salvação e desempenha um papel de guia após a morte, na viagem para o além. Estas passagens do Bardo Thodol são lidas pelo Lama com autoridade espiritual para ajudar o moribundo a libertar-se da terra ou já o defunto». Deste modo pouco mais ou menos é o culto do Deus que adoram todos estes Reinos do Potente como entendemos do mesmo Rei e dos Lamas que aqui estão de todos estes Reinos. Fizemos todas as diligências de perguntas acerca do Reino do Catayo, e não temos dele notícia alguma por este nome, que é aqui totalmente não sabido; é porém aqui muito célebre um Reino que dizem ser muito grande, e se chama Xembala «Shambāla», e fica junto a outro que chamam Sopo, daquele Reino de Xembala não sabe este Rei que lei tenham e no-lo tem perguntado por muitas vezes. Deste Reino cuidamos poder ser o Catayo, porque o de Sopo é o dos Tártaros como entendemos pela guerra, que este Reino nos diz tem aquele Reino de contínuo com a China, acrescentando que o Rei da China tem mais gente: porém que a do Sopo é mais esforçada, e assim comummente esta vence os Chinas, o que tudo diz com o que é sabido da guerra dos Tártaros com as Chinas, e como Reino do Catayo seja muito grande e o único que fica por esta banda junto dos Tártaros conforme as descrições dos Mapas, parece podemos com alguma probabilidade cuidar ser o que aqui chamam Xembala. «Contudo, Shambāla é um reino apenas espiritual que se encontra designado na tradição religiosa tibetana, e embora localizem uma região, não é manifestada ao nível físico, e por isso nunca encontrada. Alguns designam a região etérica de Shambāla no deserto de Gobi». Nem faz contra isto não haver aqui notícia do outro nome, pois nem a China nem a Tartária, nem o Tibete são conhecidos por estes nomes, dos quais não tem notícia; e a China chamam Guena, a Tartária Sopo e ao Tibete Potente; do caminho para o Reino de Xembala dizem muitas dificuldades; confio porém em o Senhor, que pois até aqui nos trouxe com os olhos naquele Reino, nos leve onde o vejamos demais perto, de modo que o ano que vem possa mandar a V.R. novas dele; não poderá ser irmos ambos o Padre João Cabral e eu, vista a resolução deste homem com que não passemos avante; e assim sendo Deus nosso senhor servido ficará aqui o Padre João Cabral nesta casa e igreja que o Rei nos faz, pregando o Santo Evangelho a esta gente com ajuda destes três que o Rei nos deu, e vendo juntamente o fruto que neste Reino se poderá fazer em as almas, para conforme a isto tratarmos do assento desta missão, e eu com a ajuda do Senhor procurarei passar ao Reino de Xembala, que pode ser ou nele, ou em algum dos que neste meio ficam nos tenha Deus nosso Senhor aparelhado ocasiões de maiores serviços seus avisando o ano que vem a V. R. de tudo o de que pudermos ter notícia. Deu-nos este Rei os dois Lamas mais, que nos prometeu, um deles é de doze anos menino ingénuo, e de habilidade, e outro de dezanove, que tem particular aplicação em aprender o que se lhe ensina: a todos três vamos catequizando e instruindo nas coisas da nossa Santa Fé. Também outro Lama de 27 anos muito importante e de muitos parentes, que todos estes meses esteve aqui com o Rei ajudando-o nas obras de sua curiosidade de pintura, escultura e marcenaria em que sempre está ocupado para ornato da imagem de seu pai, me tem prometido de se fazer cristão por muitas vezes, como acabar estas obras do Rei, que será daqui a mês e meio, deste me ajudo para me escrever e pôr em boa linguagem as orações e doutrina cristã; e escrevendo um dia destes o capítulo da cartilha sobre a Santa Cruz ser sinal do Cristão, e outras coisas acerca do nascimento de Cristo nosso Senhor, e da pureza da imaculada Virgem Senhora nossa, ficou muito satisfeito e me disse depois que o tinha no coração e lhe contentava muito. Também outro homem, que de outra aldeia veio aqui, vendo a capela que tínhamos e ouvindo algumas coisas de nosso Senhor, nos disse que queria ficar connosco, e que indo para nossa casa estaria connosco para nosso Senhor lhe perdoar um pecado que o trazia muito desconsolado, e era que por desastre com uma frecha matara um homem; este tornou outra vez e persiste nos mesmos propósitos. Também outros afeiçoados a nossas coisas nos têm prometido de nos trazer seus filhos para os ensinarmos, e um destes está mais em particular agradecido pela mercê que diz nosso Senhor lhe fez de dar saúde a um filho, que nos trouxe doente estando nós com o Rei nas tendas, ao qual pedindo alguma coisa santa para remédio, deu o Padre João Cabral uma relíquia, a qual o homem atribui a saúde do filho e outros pedem muitas vezes a água benta com que dizem se acham bem dos seus achaques. E os Lamas e a mais gente que vem aqui a ver-nos também com as suas ofertas de leite e frutas, vendo as imagens e ornada da capelinha ficam pasmados e se prostram muitas vezes diante da imagem da Virgem Senhora nossa, e de Cristo nosso Senhor beijando com muita devoção o pé do altar. Tendo isto é dentro desta casa do Rei, junto a esta do seu pagode, que temos vizinha onde é contínua a guerra que o demónio faz às almas com o cantar e rezar dos Lamas da escola do Rei e o som de vários instrumentos com que sempre estão ocupados em seu culto, e com a presença do mesmo Rei que sabe de tudo quanto aqui passa, e a gente tudo o nosso compara com o seu, e lho antepõem do que bem se vê no Rei o pouco que gosta: e assim de aqui haver estes princípios podemos conjecturar progressos melhorados no bem das almas, confiando em Deus nosso senhor, que saindo deste forte que aqui tem o demónio nos dê muitas vitórias dele, «os sūtras são cantados em coro; são louvores aos Buddhas, bem diferente de demónios, mas a mentalidade católica da época tinha dificuldade em aceitar e respeitar outras religiões» desapossando das almas que aqui tem sujeito: porque fora deste não há outros pagodes, senão raríssimos e andando por estas serras as primeiras dezasseis jornadas não encontramos nenhum, mais do que no alto de uma serra um alpendre de pedras umas sobre as outras «stupa» bem mal feito com algumas pinturas do demónio e alguns ídolos; e em Pargão com ser a cidade que disse não vimos mais que uma casinha pequenina de um Lama particular, que lhe servia de pagode, e assim fazendo-se igrejas a que a gente venha e concorra se pode esperar com o favor do Senhor fruto em o bem das almas, nas quais se vê bem a sede que lhe causa a propensão que tem ao conhecimento de seu criador na vontade, e gosto que mostram de ouvir as coisas do Senhor que lhe praticamos, e na piedade e reverência que mostram a qualquer imagem que lhes dizemos ser de Deus e as coisas de seu divino serviço e ajudara muito a este bem à liberdade que neste Reino há, que é assaz grande, e estendido e muito povoado, tendo a este Rei uma sujeição muito voluntária sem obrigação de lhe haverem de diferir nem sequer sua doutrina, nem ele ter poder de gente para constranger ninguém a nada; antes como sua principal renda está no que lhe dão voluntariamente, a ninguém quer ter descontente, e cada um é muito livre para fazer o que quiser, como o mesmo Rei por muitas vezes nos disse falando-nos ainda acerca dos seus Lamas que são os mais sujeitos. «Não reconheceram aqui a passividade de seres que os acolheu em fraternidade e respeitaram sua religião». «Mais adiante»: Tenho faltado até agora em dar a V. R. nesta, algumas novas particulares da terra em si e do clima dela; é ele muito sadio, e depois que entramos nestas serras sempre tivemos muito boa saúde, e eu a não tive nunca na Índia tão boa; e é isto geral em todos, porque raramente encontramos aqui algum doente, e são muitos os que sendo muito velhos tem saúde e vigor; alguns moços que trouxemos vindo assaz indispostos, e sendo dantes doentes, aqui têm cobrado perfeita saúde: já temos destas serras passando de sete meses, em todos eles foi sempre o tempo muito temperado sem frio, nem calma de momento; nestes quatro meses que se seguem de Novembro até Fevereiro há mais frio, mas há para eles muitos bons panos de lã de que todos estão vestidos. É a terra muito abundante de trigo, arroz, carnes, que tudo vale muito barato, de frutas que são muitas e boas, pêras de muitas castas, algumas bem grandes, todas boas, pêssegos muito bons, maçãs, nozes, marmelos tudo em muita abundância, e não faltam também os jambolões da Índia, há também ervilhas e nabos muito bons, afora outras coisas, e frutas mais próprias da terra. Peixe não tem aqui mas vem lhe muito bom seco do Lago Salgado, donde também lhe vem o sal, que fica daqui perto, ou do Reino do Cocho, donde o trazem também; e algumas coisas que nesta terra não há, se acham em outros lugares que não distam muito daqui, como uvas que aqui não há, e se dão em uma cidade chamada Compo, que fica daqui a vinte dias de caminho, e dele se faz lá vinho. É esta terra provida das coisas da China, como de seda, ouro porcelanas, que tudo vem daquela cidade de Compo, e dali desce para estas partes, e também de Kaśmir por via de Chaparangue «Tsaparang» há comércio com as terras que ficam vizinhas a este Reino, e vêm muitos estrangeiros a Guiance, que é a Corte de Demba Cemba, Rei mais poderoso deste Potente, e fica daqui a oito dias de caminho e a Laça «Lhasa», que é a cidade onde está o pagode Chescamoni «de Śākyamuni, o Buddha» muito frequentada de jogues «yogīs» e de mercadores de outras partes; porém as estas serras em que estamos não vem pessoa estrangeira e só se lembram de algum jogue «yogī» ter por aqui passado, mas muito raramente, e nem do Cocho aqui vem ninguém mais que os cativos que de lá trazem os que deste Reino descem àquele; e um tio do Rei de Cocho, que há poucos anos por curiosidade e desejo de ver terras, entrou por estas serras e poucas jornadas o cativaram e puseram ao arado, do que tendo notícia o Rei do Cocho mandou prender toda a gente destes Reinos que estava no seu e tratando de fazer justiça deles, senão lhe entregassem o tio, se obrigaram a lho trazer, como trouxeram. Fica esta terra pouco mais de um mês de caminho do Reino de Chaparangue e assim depois que aqui estamos tivemos algumas vezes novas dos Padres que lá estão, não por sua via, que parece não sabem ainda da nossa chegada a estas serras, mas por via de Lamas, que de lá vieram, e por outros que para lá foram escrevemos já aos Padres três vezes e juntamente lhe mandei cartas para por via de Goa as mandarem a V. R.. É a gente destes Reinos branca, ainda que a pouca limpeza com que se tratam faz que o não pareçam tanto; todos trazem o cabelo da cabeça crescido em forma que lhes cobre as orelhas e parte da testa, no rosto de ordinário não consente cabelo algum, e trazem ao peito umas tenazes muito bem feitas que só servem de arrancar todo o que aponta; os braços trazem despidos, e do pescoço até aos joelhos se cobrem com um pano de lã, trazendo mais outro pano grande por capa; cingem-se com cintos de couro, com chapas de muito bom lavor, como também são muito bem feitos, e lavrados os braceletes, que comummente trazem nos braços e os relicários com que andam lançados a tiracolo; de ordinário andam descalços, mas também usam botas de couro, ou meias destes seus panos particularmente por caminhos; suas armas são arco e flecha terçados e adagas de ferro excelente, aos quais ornam com muita curiosidade e obra muito bem feita. Os Lamas não trazem armas, «não-violência» cortam o cabelo da cabeça «rapam o cabelo em sinal de renúncia» alguns, mas poucos, deixam crescer a barba; o Rei a tem grande, e alguns cabelos dela lhe chegam à cintura, os quais, comummente traz envolto em alguma seda, e por festa os tira e aparecem, como fez no nosso recebimento; os da cabeça tem tão cumpridos, «típicos dos yogīs» que tem quase dois côvados; deles parece se preza muito, e os tem por insígnia de grandeza: porém disse-nos que tinha propósitos de os cortar como tivesse filho, que lhe sucedesse no Reino e que então se havia de recolher e deixar o mundo porque não queria que a morte o tomasse com eles, como morreu outro Rei seu antepassado e foi matéria de escândalo não cortar até àquele tempo os cabelos. Vestem-se todos os Lamas de umas meias cabaias que lhe cobrem o peito, deixando os braços descobertos, e o mais corpo até os pés trazem bem coberto com outro pano grande, servindo-lhe outro de capa; a qual nunca largam, nem andam em corpo. Queira Deus nosso Senhor pôr em todos os olhos de sua divina misericórdia, e trazê-los a seu divino conhecimento, fazendo que se aproveitem da mercê que lhe faz em lhe bater as portas com as novas do Santo Evangelho, para o que peço a V. R. outra vez a continuação das orações e sacrifícios de toda essa Província; e na bênção de V. R. muito me encomendo”. “Deste Reino de Cambirasi, e casa deste Reino em 4 de Outubro de 1627. Filho em Cristo de V. R.”. Padre Estevão Cacela. |
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