Fundação Maitreya
 
Mirra Alfassa – A Mãe

de Vasco Gonçalves

em 08 Abr 2006

  Existem épocas em que criaturas extraordinárias descem à terra com uma missão a cumprir, contribuindo com seu esforço para divulgar ensinamentos mais elevados e ajudar aqueles que tacteiam na escuridão do mundo.

Mirra - a MãeMirra Alfassa nasceu em 21 de Fevereiro de 1878 em Paris, filha de um banqueiro turco e de mãe egípcia, cujas famílias eram de descendência aristocrática.
Toda a família havia adquirido nacionalidade francesa e Mirra cresceu em Paris onde passou a primeira parte da sua vida sendo já desde a sua tenra infância uma criança acima do nível humano e dotada de grande força e determinação. Possuía uma predisposição natural para experiências ocultas e aos doze anos já praticava o ocultismo como uma disciplina consciente.

Entre os 12 e os 13 anos teve uma série de experiências psíquicas e espirituais que lhe revelaram não apenas a existência de Deus, mas a possibilidade de encontrá-lo e revelá-lo integralmente em consciência e acção, e de manifestá-Lo na terra em uma vida divina. Isso, e uma prática para a sua realização foi-lhe dado durante o sono, por vários mestres, alguns dos quais veio a encontrar posteriormente no plano físico. Mais tarde o contacto com um desses mestres tornou-se cada vez mais claro e significativo e apesar do escasso conhecimento das filosofias indianas e religiões que tinha na altura, Mirra foi impelida a chamá-lo de Kṛṣṇa. Desde então tomou consciência que seria com ele que ela deveria realizar o seu trabalho.
Mirra estudou pintura e desenho e tornou-se uma pintora de talento tendo exposto ao lado de grandes artistas como Renoir, Cézanne e outros.

Em Outubro de 1897 casou-se com Henri Morisset (discípulo do pintor Gustav Moreau), de quem teve um filho. A pintura possibilitou-lhe grandes vislumbres no seu processo criativo. Era também uma leitora assídua e conhecia profundamente os museus e castelos de França e de Itália. Sua cultura foi-se expandindo muito, tornando-se vasta, profunda e refinada.
Ela nunca fez a usual distinção entre o espiritual e o mundano. Tal como disse Śrī Aurobindo “ Toda a vida é Yoga” e Mirra assim a considerava apesar de não conhecer este dizer enquanto dito de Śrī Aurobindo.

Foi então que leu a Bhagavad-Gītā e apesar de ter lido uma tradução muito pobre foi capaz de intuitivamente entrar no seu propósito. Contudo, não era nos livros que ela confiava para se guiar, mas sim em suas próprias experiências que infalivelmente a conduziam a seu caminho.
Mirra nunca acreditou no Deus convencional das religiões; o Deus interno era o que ela sempre procurava.
Por volta de 1906 conheceu Max Théon, um exilado polonês que era um grande ocultista, e sua esposa Alma, também altamente dotada espiritualmente. Eles moravam em Tlémsem, na Algéria, às margens do deserto do Saara. Esse encontro fortaleceu em Mirra a decisão de estudar o ocultismo em profundidade e os dois anos seguintes passou-os em Tlémsem.
As suas experiências foram muitas nesse tempo, que lhe revelaram a existência de níveis de consciência, de seres e forças que normalmente não podemos conceber e também a possibilidade de controlar essas forças.
Contudo sempre afirmava que o conhecimento oculto sem disciplina espiritual era um instrumento perigoso.

Voltou a Paris onde o seu casamento se desfez. Era o começo de uma nova etapa na sua vida na qual se encontrava com pessoas e grupos que estavam à procura da verdadeira espiritualidade, ela os ajudava a enfrentar os problemas da vida e do trabalho.
Em 1910 casou-se com Paul Richard, um brilhante intelectual profundamente interessado na espiritualidade oriental e ocidental. Quando Richard voltou de uma viagem à Índia, Mirra soube da existência de Śrī Aurobindo através dele e sentiu-se irresistivelmente atraída por aquele país.
Participou em trabalhos de grupo sobre auto-conhecimento participando mesmo em palestras e discursos. A visão de Mirra projectava-se no futuro do destino do homem e no papel que desempenharia para apressar esse destino. Falava sobre vários temas não como divagações intelectuais mas como verdadeira busca espiritual.

Em 1912 Mirra, já em avançada realização espiritual, começou a escrever suas preces e meditações de cada dia, constituindo estas verdadeiras jóias de espiritualidade dirigida directamente a Deus como se com ele conversasse face a face e fossem íntimos amigos.
Em 1914 teve finalmente a oportunidade de visitar a Índia quando seu marido resolveu candidatar-se ao parlamento francês em Pondicherry.
No mesmo dia em que chegou a Pondicherry, Mirra encontrou-se com Śrī Aurobindo reconhecendo-o imediatamente como o Mestre (Kṛṣṇa) que lhe aparecia em seus sonhos e com o qual sabia ter forte ligação. Aceitou-o como guru e seguiu a sua disciplina, permanecendo e trabalhando a seu lado.

A gratidão de Mirra ao Divino foi expressa em seu diário pelas seguintes palavras:
«Não importa que milhares de seres estejam mergulhados na mais profunda ignorância. Aquele a quem viPondicherrymos está na terra. Sua presença é suficiente para provar que a escuridão será transformada em luz, quando Teu reino for na verdade estabelecido sobre a terra».
Quando perguntaram A Śrī Aurobindo o que sentiu nesse primeiro encontro ele disse:
«Foi a primeira vez que soube que a entrega perfeita até à última célula física era humanamente possível; foi quando a Mãe veio e se prostrou que vi essa entrega perfeita em acção».
Em Pondicherry ela ficou quase um ano e foi graças à sua colaboração e à de seu marido que o periódico “Arya”, no qual Śrī Aurobindo escreveu a maior parte dos seus trabalhos, os mais notáveis, como a “Vida Divina”, “Síntesis do Yoga”, etc., começou a circular. Ao fim desse tempo o casal francês viu-se obrigado a voltar a Paris dada a eclosão da I Guerra Mundial. Depois de passar os anos de guerra em França e no Japão, Mirra retornou à Índia em 1920, definitivamente, encontrando sérias dificuldades para reiniciar o seu trabalho no āśram de Śrī Aurobindo uma vez que havia muita pobreza. Mas com a continuidade da edição do jornal “Arya” e pela personalidade do autor dos seus artigos o número de discípulos foram aumentando e foi tomando forma uma vida colectiva. Nos primeiros tempos e apesar de supervisionar tudo, Mirra, vivia recolhida, dedicada à séria disciplina espiritual.
Tudo foi melhorando e em 1926, quando Śrī Aurobindo se retirou do convívio com os seus discípulos para se dedicar por completo à sua prática de Yoga, Mirra assumiu a inteira responsabilidade de dirigir a comunidade, coordenando e orientando os discípulos com grande carinho e dedicação.

Com o contínuo influxo de discípulos e muitos visitantes de toda a parte, outras casas tiveram de ser alugadas e adquiridas e providências tomadas para conseguir uma organização elaborada que cuidasse tanto da saúde material como espiritual da comunidade.
No princípio apenas os discípulos eram admitidos mas depois muitas famílias e mesmo os filhos dos discípulos começaram a mudar-se para o āśram e aos poucos a atmosfera de austeridade que prevalecia foi-se transformando e velhas barreiras foram cedendo ante esse novo influxo. Mirra tinha agora mais esse desafio: cuidar da saúde mental, vital e física das crianças.
Grande era a importância que Śrī Aurobindo e a Mãe davam à educação e para tornarem concreta essa visão e atendendo às necessidades, a Mãe resolveu abrir uma escola para crianças em 1943 e em 1945 acrescentou o departamento de educação física que mantinha os alunos em actividade após o término das aulas.
Não demorou muito para que Mirra se misturasse com as crianças, contando-lhes histórias e dispensando boa parte do seu tempo entre elas.

A escola cresceu, vários sistemas educativos foram experimentados e em 1952 foi inaugurado o “Centro Universitário Internacional de Śrī Aurobindo” que em 1959 se passou a chamar “Centro Internacional de Educação Śrī Aurobindo” ficando assim conhecido pelo mundo inteiro.
Pela sua experiência e génio de organização, o Āśram de Śrī Aurobindo foi se expandindo e o trabalho desenvolvido pela Mãe cresceu cada vez mais em volume e complexidade. Para ela não havia tarefa insignificante ou sem importância e tudo o que fazia era permeado de beleza e significação espiritual. Suas “conversas” com os discípulos tornaram-se famosas e mais tarde foram traduzidas e espalhadas pelo mundo. Originalmente em inglês, depois foi em francês, língua que a Mãe começou a ensinar aos discípulos. Ela versava sobre os mais variados tópicos que seriam praticamente a introdução ao “Yoga Integral” de Śrī Aurobindo.

Ainda hoje é de admirar como foi possível a essa criatura tão frágil, que se alimentava tão pouco e dormia ainda menos, conservar tantas e delicadas engrenagens movendo-se sem atrito ou fricção e conseguir conciliar tantos temperamentos, raças e idades variadas, vindos de todos os recantos do mundo, com tanta eficiência e harmonia. A Mãe não era apenas uma admirável e competente organizadora, não meramente uma grande líder espiritual que, com seu exemplo guiava os discípulos, mas acima de tudo era a Mãe que conservava juntas todas as pessoas e coisas do āśram, como por laços invisíveis, com o poder de transformar a vida em alegria de viver e com sua ilimitada ternura, de fazer as pessoas felizes, contentes, fiéis e obedientes.
Śrī Aurobindo disse uma vez: «O Āśram é criação da Mãe, sem ela, não teria existido».
No dia 17 de Novembro de 1973, a Mãe deixou o seu corpo físico, com a idade avançada de 95 anos. A notícia espalhou-se célere e dos quatro cantos do mundo acorreram seus admiradores e discípulos para prestar a última homenagem àquela que ficou conhecida como a Mãe, do Āśram de Śrī Aurobindo.
«... e eu Te vejo em todo ser, em cada coisa, desde a brisa mais passageira, até o Sol radiante que nos ilumina e é Teu símbolo».
A Mãe

Texto adaptado do livro: A Mãe – Conversas - Editora Shakti
   


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