Fundação Maitreya
 
A Trindade na Arte Indiana

de Utpal K. Banerjee

em 27 Nov 2006

  A tradição visual da Trindade vai para além das fronteiras indianas. Na Birmânia, existe uma relevante imagem de pedra do Buddha, pertencente ao século VII e VIII a.C., com uma longa inscrição em sânscrito, característica do período Gupta, ao lado da escultura de Brahma, Viṣṇu e Śiva sentado nas flores de lótus proveniente do Nārāyaṇa e descansando no Ananta. Na Indonésia, o templo de Prambanan contém um santuário central onde se encontra o Brahma, Viṣṇu e Śiva nos moldes de semelhantes santuários contemporâneos de Pallava na Índia.

A Srishti (criação), Sthiti (conservação) e Samhāra (destruição) são conceitos do ciclo do tempo muito importantes na tradição indiana: na vida, estações, natureza e em todas as expressões rituais. A famosa “Trindade” – Brahma o criador, Viṣṇu o conservador e Śiva o destruidor – regenerador – são divindades manifestadoras associadas ao Avyakta Brahma que não tem manifestação. A nível de Samskāra individual (preferências) eles são deuses pessoais e todas as suas virtudes são exaltadas nas suas respectivas mitologias populares (Purāṇas), isto é, no Brahma Vaivarta Purāṇa, Viṣṇu Purāṇa e Śiva Purāṇa. Evidentemente, não existe uma hierarquia final na divindade.

Dizem que Brahma, o Criador, surgiu da flor de lótus proveniente do umbigo de Viṣṇu, simbolizando o renascimento da semente de manifestações passadas que foram conservadas em Viṣṇu. A origem do Veda é atribuída a Brahma. Ele está intimamente ligado à arquitectura, pintura, dança, música e drama – todos eles são esforços para recriar simbolicamente os reflexos do divino nesta terra. A fim de oferecer um entendimento à verdadeira natureza de alegria, dizem que Brahma escreveu o Natyaveda separando conceitos do Rigveda; música de Sāmaveda; palavras e gestos do Yajurveda; e rāsa de Atharvaveda. Ele ensinou o tratado a Bharata e as apresentações dramáticas – as primeiras de acordo com as legendas – incluíam Samudra Manthana (fazendo um remoinho no mar primitivo para tirar o néctar e oferecer aos deuses) e Tripuradaha (queimando os Três Mundos, tal como foi criado pelo demónio de Tripura, por uma seta só de Śiva). A apresentação encantou os deuses e deusas reunidos. Śiva criou os elementos Taṇḍava (viris), encapsulados em 108 Karaṇas (posições completas), e Pārvatī adicionou Lasya (graça).
A dança nasceu no início da Criação. A dança cósmica de Śiva foi descrita por Ānanda Coomarswamy como Panchakritya (cinco actividades), nomeadamente, Srishti, Sthiti, Samhāra, Tirobhava (incorporamento com véu) e Anugraha (salvação). A imagem poderosa de Śiva dançante como Natarāja foi replicada em ícones e pinturas sem conta em toda a Índia, tendo inspirado muitos dançarinos e coreógrafos.

Existem poucas representações artísticas de Brahma excepto em Puṣkara, no Rājasthan. Em vez de dança, existe apenas um gesto de mão a ele associado – o Brahma Mudrā. Em outra legenda, a busca de Brahma pela cabeça de Śiva e a busca de Viṣṇu pelos seus pés não produziram qualquer resultado, em comparação à exploração científica dos fins do universo-macro no espaço cósmico!

Do triunvirato, Viṣṇu é considerado uma combinação de Vasudeva-Kṛṣṇa (o homem-deus) o deus védico e Nārāyaṇa (o deus cósmico). Identificado como o sol dos quatro Vedas, as qualidades e atributos representam as manifestações de Viṣṇu simbolizadas em várias imagens. Elas têm especialmente três posturas: meio adormecido sobre o oceano primordial (Shayana – murti); e sentado (Āsana-murti). Os quatro braços de Viṣṇu representam as quatro fases de vida; os quatro objectivos da vida (rectidão, riqueza, prazer e libertação); quatro direcções cardinais; quatro castas; e quatro yugas (idades). Segurando nas quatro mãos, respectivamente, encontram-se o Sudarshana Chakra (discussão) simbolizando o poder mental, Sharanga (arco) representando o aspecto destruidor, Shankha (concha) como símbolo do som primevo e Kaumodaki Gada (clava) simbolizando o poder do conhecimento. A maioria das imagens medievais de Viṣṇu, em toda a Índia são encontradas nessas posturas, com o objectivo de yoga (adoração), bhoga (alegria), vira (proeza) e abhicharika (conquista). As imagens de Yogasthanaka Viṣṇu da Escola de Pala (século IX) e Bhogasthanaka (século XII), encontram-se ambas em posição de pé, encontradas em grande número em Jhansi, Devangala, Burhagaon e Gorakhpur, além de Bengala. Yogasana-murti (século X), como figura sentada, é uma especialidade da escola de arte de Mathura. Bhogasana-murti, onde ele está sentado com Lakṣmī e Śridevi, pode também ser encontrado em Mathurā. Garudāsana-murti (século XII), sentado no Garuda, foi encontrado na região de Bhopal. Seshāsana-murti na posição reclinada foi esculpido no período Gupta em Deogarh e Bhitargaon, com Jalasayin mais convencional (deitado sobre a água) imagens extensas até ao século VII e VIII.

Nas artes de apresentação ao público, Kṛṣṇa (como manifestação de Viṣṇu) dança sempre: como uma criança em Kaliya Damana até Rāaslila com gopis, justificando o nome de Natahāra. Doze poetas Alwar (século VII) se aproximaram de Viṣṇu através de Madhura Bhakti (doce devoção), onde Shringara (amor) é a Rāsa (emoção) principal e compuseram muitos Kristis. Andaal (século IX), Meera (século XV) e Madhura Bakti faziam parte da música e dança da Idade Média, no qual Kṛṣṇa era Eka Puruṣa Avinashi (um homem imortal). Os poetas de Ashta-Chhap, seguidores de Vallabhāchārya escreveram muitas letras e músicas sobre Radhā e Vallabha (Kṛṣṇa), unindo a energia masculina e feminina (Yugal Murti). À medida que os anos passaram, Kṛṣnattam foi actuado no sanctum sanctorum do templo de Guruvayur em Kerala, interpretando o décimo Canto de Sṛimad Bhāgavata. O mesmo Canto oferece a base de todas as música de Kṛṣṇa cantadas por Haridās, o guru de Tansen. Uma singular forma de música, Nindastuti, toma muita liberdade com o deus principal em termos de familiarização e intensas orações emocionais. A mesma forma foi usada em muitas músicas de oração para repreender Jaganātha como deus pessoal.
O Rudra do Veda é descrito como Śiva e Śaṅkara nos Grihya Sūtras, a gramática de Ashtādyāya de Pāṇiṇi e Arthashāstra. Rudra-Śiva, como deus benevolente é elogiado nas epopeias e nos Purāṇas. As figuras de Rudra-Śiva nas artes visuais aparecem na forma humana nas antigas moedas de Ujjain (século III e II AC). Figuras importantes da divindade eram muitas no final do milénio nas moedas de Kushana, especialmente aquelas de Kanishka e Huvishka. Śiva é representado nas esculturas em duas formas – liṅga e humano. Os liṅgas Kushanas são simples, ou com uma, quatro ou cinco caras, feitas de barro, madeira, pedra, ferro, cobre, bronze, prata, ouro ou gemas até ao período Gupta. As representações humanas na forma de Umā-Maheśvara e Ardhanarīshvara têm lugar desde os tempos de Kushana, com Nandi tornando-se parte da família. O período pós-Gupta foi representado pelas imagens de Śiva, tais como Yoga-Dakshina, Vinadhara, Lingodbhava, Samhāra e Bhairava murtis. De acordo com os tratados de Āgama, o liṅga pode ser Svayambhu (sempre existente) ou feito pelo homem. Os cinco principais aspectos de Śiva esculpidos são Vāmadeva, Tatpurusha, Aghora, Sadyojata e Ishana.
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Entre as representações antropomórficas, as imagens urdharetas foram esculpidas de forma artística do período de Kushana em diante. Śiva, como um mestre de yoga, música e outras artes, é conhecido por Dakshinamurti e se manifestou como Yoga-Dakshinamurti, encontrado na região de Allahabad e Almora. Vinadhara-Dakshinamurti foi esculpido extensivamente no país, variando na disposição artística. Vyakhyana-Dakshinamurti encontra-se em grande quantidade em Jageshwar e em outros lugares. Natarāja Śiva é o Mestre na arte de dança. O Shaiva Āgams menciona como ele dançou em 108 formas, mas descreve apenas nove. A imagem de Natarāja encontra-se em grande quantidade no período Gupta em diante, artisticamente esculpido com beleza exótica e ternura sublime com um ritmo delicado dos membros, transformando a forma física numa elevação Cósmica através de Ānanda Taṇḍava, Gauri Taṇḍava, Sandya Taṇḍava, etc. Kalyāna-Sundarāmurti origina de Śiva Purāna e Padmā Purāṇa, representando a cerimónia de casamento de Śiva e Pārvatī. Essas esculturas foram feitas seguindo o Āgamas, com plasticidade e carinho. Uma está associada com Śiva, dando origem a imagens de aliṅgana (o abraço) do período Gupta, onde eles se encontram juntos na posição de dvibhanga (genuflectindo duas vezes) ou tribhanga (genuflectindo três vezes). Os ícones de Śiva mais inesquecíveis encontram-se nos templos de Brihadishvara e Gaṅgaikundacholapuram pertencentes ao período Chola e mais tarde no templo de Chidambaram de Natarāja, observado nas magníficas dobras interiores e exteriores.

As artes de apresentação na índia representam variadamente os símbolos com Śiva. Assim, Nandi (o touro) é o animal em nós, como o estado mais reduzido da alma. O controle de Tripura é a submissão de três estados da mente (Sattah, Rājah, Tamah) para alcançar o estado de Śiva. O Terceiro Olho é o olho de Gyan (conhecimento), aberto no sexto chakra, depois do qual não há retorno para a vida material.

Na música, os cem versos de Shivānanda Lahari escritos por Shankarāchārya estimulam Śiva a matar os cinco animais da mente. Vyagrapada e Patañjali tinham visto Śiva dançando no olho da sua mente, na forma de Nadanta Taṇḍava, com Nandi sobre Madalam, Nārada sobre Veena e todas os Ganas dançando em redor. O Ānanda Taṇḍava é outro favorito universal. Śiva Kriti apresentado por Purandāra Dāsa e Śiva Pārvatī Stuti são muito populares nas danças Bhāratanātyam, Kathak, Kuchipudi e Manipuri.

Porém, enquanto os ícones separados da Trindade podiam reflectir a visão sectorial, o espírito de reconciliação e uma nova aproximação entre grupos divergentes criou muitas imagens sincréticas. Sahasraliṅga de Jhansi (século X), por exemplo, é singular pelas figuras de Gaṇeśa dançando, Brahma montado sobre um cisne e Surya saindo da flor de lótus, além de Bhudevi-Mahesveta e Pārvatī. A forma Ardhanarīshvara – que representa Śiva na metade à direita de Pārvatī, de acordo com os Āgamas – significa a união das energias femininas com as masculinas. A imagem vai do período Kushana até ao tempo medieval, tornando-se esbelto e delicado e com muitas representações maravilhosas na dança. Imagens de Hari-Hāra-Pitamaha, uma combinação legendária da Trindade, demonstra-os de pé juntos na posição de Samabhanga (também dispostos). Finalmente, Hari-Hāra-Hiranyagarbha (século X) simboliza os ícones de Brahma, Viṣṇu e Śiva, em raras composições iconográficas. Os filósofos liberais entre vários grupos observaram seus respectivos deuses como formas diferentes de uma Alma Suprema.


   


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Impresso em 19/4/2024 às 17:41

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