Fundação Maitreya
 
Da Via Láctea

de Pedro Teixeira da Mota

em 02 Set 2009

  O Caminho de Santiago é também conhecido como o Caminho das Estrelas ou o Caminho da Via Láctea, pois é considerado como uma réplica, uma correspondência terrestre da via Láctea, a galáxia (de biliões de estrelas e de planetas) mais visível da terra.


Caminho de peregrinação a Santiago de Compostela

Os foros de nobreza desta identificação encontram-se na compilação miraculosa e muito pouco histórica denominada Legenda Áurea, do dominicano Jacques Voragine (séc. XIII), que regista um sonho do imperador Carlos Magno no qual Santiago lhe mostra a Via Láctea aconselhando-o a partir em peregrinação até Compostela à frente de um grande exército para: «libertares o meu sepulcro do domínio sarraceno, e que depois de ti, todos os povos irão ali em peregrinação apregoando as maravilhas de Deus até à consumação dos séculos». A instar da estrela que guiou até Belém os reis magos, os primeiros peregrinos do cristianismo, agora serão milhões os peregrinos guiados pelas milhões de estrelas, procurando alguma realização espiritual através da demanda e viagem iniciática a uma Terra Santa, a do Extremo Ocidental, e a um Ungido, um Christos ocidental, Santiago.

Lembremo-nos porém que já nas mitologias antigas dos povos hiperboréus, e historicamente na Estónia, na Lapónia, no Volga, era a Via Láctea considerada o Caminho das Aves e dos Gansos ou Ocas.
Já no panteão mitológico grego a Via Láctea era considerada o caminho pelo qual os deuses ascendiam e descendiam à Terra, bem como o caminho por onde os heróis ascendiam à sua morada de semi-deuses no Olimpo Celestial. Nada pois de estranhar que nos dois termos da peregrinação do Caminho de Santiago encontramos tanto a Porta do Paraíso a receber os peregrinos à entrada da catedral de Santiago, como os montes finais, junto ao Oceano, serem conhecidos como o Olimpo Grego. Lembremo-nos ainda que é denominada esta Finisterra ibérica por Avieno, na sua Ora Marítima, como Oestrymnis, o País Celeste.

De facto, assim como os islâmicos têm de peregrinar em vida a Meca e a Medina onde o profeta nasceu e morreu, os Hindus têm as suas tīrthayatra, peregrinações aos lugares santos, em especial ligados ao rio Ganges e aos Himālayas, os Budistas aos quatro sítios sagrados do nascimento, em Lubini, o da iluminação, em Bodhi-Gayā, o do 1º sermão, em Sarnath, e onde entrou no Mahanirvāṇa, a grande libertação da morte, em Kusinara, e os Siks a Amritsar, a cidade do seu fundador guru Nanak e onde se encontra o seu livro santo, o Jap Ji, ou os japoneses ao seu santo Fuji, a montanha sagrada, assim os Cristãos tinham de ir a Jerusalém, a Roma ou a Santiago de Compostela.

Algo da importância libertadora ou iniciática desta peregrinação ecoa nas tradições portuguesas ao cantarem (ou fadarem...) o seguinte provérbio-poema: «S. Tiago de Galiza//É um cavaleiro forte, //Quem ali não for em vida,//Há-de ir lá depois da morte».
E de tal modo estava arreigada esta obrigação ou mandamento que se dizia que a Via Láctea era constituída de almas que faziam a peregrinação após a morte, já enquanto estrelas nos seus corpos espirituais.
Era boa esta consciência que quase obrigava e propulsionava os que morriam sem lá ter ido a partirem nos seus corpos espirituais e enquanto almas dos “mortos” peregrinarem na Via Láctea. Mas para muitos povos a tradição é que ele era o caminho das almas para chegarem ao outro mundo, ou mesmo os mundos celestiais.

Que estrondosa iniciação a que terá permitido a alguns crentes lançarem-se mais ou menos conscientes no cosmos estrelado rumo à estrela do mestre, rumo à adoração divina, ou rumo ao Paraíso. Teríamos então aqui a Via Láctea de facto como uma via de ascensional, como um caminho para o céu e para Deus.

Caminhar então de madrugada vendo a Via Láctea, extasiarmo-nos pela beleza das suas miríades de cintilações, aspirarmos a dissolver-nos na sua neblina nívea, fortificar-nos nas suas irradiações e magnitude, são vivências que podem acontecer aos peregrinos e propulsioná-los à desidentificação das limitações corporais, despertando-os para as suas vestimentas de glória, os seus corpos espirituais dotados de asas, propulsionados pela aspiração espiritual.
   


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