Fundação Maitreya
 
O Símbolo da Sabedoria

de Maria

em 11 Mai 2010

  A representação de imagens de Tīrthankaras*, os sábios Jainas, com a serpente* (nāga) por detrás da cabeça, significa simbolicamente “o Desperto”. A posição de cabeça erguida da serpente, elevando o olhar acima do resto do corpo, olhando e observando tudo em redor, encontra-se por analogia com o homem quando iluminado: o absolutamente desperto, inteligente, de mente lúcida. Assim, o homem da sua posição superior (atitude) pode ver e apreender tudo.

Nem uma sombra de um pensamento negativo assola aquele que se iluminou pela inteligência na Unidade, sempre “vendo”.

Associada à serpente erguida está a energia da kuṇḍalinī no ser humano, que jaz enrolada na base da coluna e quando ela “desperta” (energia etérica) é quando o Ser se ergue da vulgaridade do viver pelo despertar das suas próprias forças espirituais, fazendo-a ascender pela coluna vertebral até se alojar no cérebro-mente*. Quando verdadeiramente essa força desperta impulsiona a inteligência, onde a lucidez mental pré-figura o estado de mente iluminada. Iluminada, quer dizer, inteligente, desperta, lúcida, sinal de integração na Inteligência Cósmica o Absoluto. No Jainismo, a iluminação do Tīrthankara é o estado de kaivalya*, o de absoluto desapego terreno, que significa também a realização do Nirvāṇa*. O místico e filósofo jaina Kundakunda (século II) define o Nirvāṇa, como o estado de felicidade transcendente, conhecimento puro e percepção infinita.

No Budismo, o Nirvāṇa é a extinção da Consciência terrena. No Hinduísmo representa a identificação ou união com Brahman; Nirvāṇa é a libertação mukti, a emancipação, mokṣa e o isolamento, kaivalya ou a Mónada na sua pureza inata. Representa a perfeição, a santidade onde se dissolvem todos os karmas e dharmas.

O Nirvāṇa significa o “acabar”, a “extinção” dos desejos ou obstáculos terrenos pela aquisição da sabedoria e inteligência, que engloba tudo aquilo que se conquista pelo caminho ascético da renúncia, como amor, vontade, compaixão, ou seja, todas as virtudes que completam a perfeição humana: a inteligente sublimação…

Esta profundidade espiritual, contudo, não se obtém de forma mental, mas pelo trabalho interior na via da renúncia a si mesmo e às ambições materiais, pela vontade e aspiração na conquista do Amor Incondicional, no qual o Ser se imbui gradualmente; onde e donde vai recebendo conforme progride, a resposta “directa”, ou o “acolher” da Mente Divina. Ao ser integrado, “acolhido” nela, na Absoluta Inteligência vai ficando cada vez mais inteligente e imbuído dessa inteligência maior que é Deus ou o Absoluto – sendo isto, o que faz a iluminação! A integração na Unidade ou Deus! Não há iluminação sem Deus, ou outro nome que lhe queiram chamar. Na realidade podem-lhe dar muitos nomes ou significados para fugir aos conceitos de Deus, hoje tão desacreditados, mas não há outra realização espiritual fora disto. No Jainismo, por exemplo, é chamado de Unidade Cósmica. Quando o iluminado atinge o Nirvāṇa ou o Paranirvāṇa, após a morte é nesta Unidade que se integra.

A serpente, como símbolo de sabedoria passa pela posição erguida da cabeça; é quando ela está “desperta”, pois as demais posições são o dormir e o rastejar… Assim, o homem quando ainda não despertou espiritualmente, não só dorme como “rasteja”: arrasta-se na vida sem um objectivo elevado para viver. Quando começa o despertar é porque recebe um impulso das suas próprias forças espirituais por algum esforço de vontade ou aspiração devocional, que dispara a energia da base da coluna em direcção ao cérebro. Possibilita desobstruir então, gradualmente, os nós mentais que se formaram devido ao embotamento sensual, causa de muita densidade, onde a maior parte dos seres se mantêm num status inferior ou medíocre da vivência humana. O despertar ou a iluminação acaba por ser uma exaltação espiritual que deixa a mente translúcida, viva, atenta e irradiante.

A irradiação é o efeito externo produzido pelo fogo (agni) interno quando a realização espiritual alcança tal grau de actividade vibratória, que os muros que confinam a forma, corpo físico, já não constituem uma prisão, mas permite a evasão da essência subjectiva (subtil) ou energia etérica, que se projecta exteriormente, criando um efeito magnético ao redor do corpo.
O que dificulta ser “desperto” é a falta de resolução dos problemas internos. Um ser “desperto” é um ser “resolvido” interiormente. Foi feito o apaziguamento dos seus quereres que se traduziam por desejos sensuais e sexuais, ambições, carências afectivas e insatisfação consigo mesmo e com os outros. Quando por uma via de transformação se envereda pela prática da Meditação, gradualmente as resoluções internas vão se processando pela compreensão inteligente desses próprios obstáculos. Ao obter-se a compreensão do porquê dos problemas internos e por uma vontade consciente dar-lhe fim, a mente vai ficando cada vez mais lúcida conforme progride na transformação - dando então, lugar ao contentamento que se sente pela mudança operada - onde a prática da Meditação foi fundamental para a purificar. Nunca os obstáculos (problemas) podem ser removidos apenas pensando neles, até porque, geralmente, as pessoas não são capazes de os identificar mentalmente.

1º - Tem de haver uma aceitação de que existem os problemas, mesmo que não haja consciência quais são e o que fazem, pois geralmente ignoram-se os motivos porque este ou aquele mau estar se instala e faz sofrer. A falta de lucidez para discernir sobre determinados estados mentais, é que incomoda e causa infelicidade.
2º - A prática da Meditação é o meio que leva a mente à purificação dos obstáculos mentais, a reconhecer e a aceitar os bloqueios que fomentou a si mesmo, quer tenha sido por traumas de vidas anteriores, medos, frustrações, ambições ou carências da vida presente, que não deixam espaço ao amor no coração.
3º - Gradualmente, praticando Meditação, o ser vai desbloqueando os nós mentais, desanuviando dos problemas pela compreensão, até que começa a obter a clareza mental.
4º - Em simultâneo, a resolução de si próprio de forma consciente e inteligente permite que a própria Meditação para além de purificar a mente no seu aspecto psíquico, desbloqueie as emoções e sentimentos ao nível do coração, permitindo então, que o amor se manifeste mais dentro de si.
5º - Neste processar de transmutações, outros movimentos acontecem aos níveis etéricos e causais, ou psíquicos e espirituais, porque a purificação do corpo físico se repercute nesses planos, e vice-versa, abrindo portas aos planos superiores do Espírito*; gradualmente, então, vai-se ganhando a vivência desses planos numa integração da transcendência na vida humana, até que se toca conscientemente a Mente Divina.
6º - Neste ponto de realização está ganha a batalha. Nunca mais se será o mesmo; é quando na filosofia jaina ou budista se diz “passou para a outra margem”. O caminho da iluminação começou…

Durante o período de evolução para a perfeição ou ascendência nirvânica, realiza-se a unificação de energias ou fogos internos que abrem canais directos através dos chakras superiores ao Fogo eléctrico do Espírito. Novas dimensões se abrem perante o homem. Neste processo se encontra um dos maiores segredos da evolução da mente ou manas, que se desenvolve no cérebro do homem.
É de notar que, para além do corpo físico, ficam os corpos etéricos ou espirituais, ponte de ligação entre o Espírito e a matéria. Assim, há três canais no corpo físico por onde circula o Fogo etérico que anima os três veículos e suas divisões; o físico, o corpo emocional e a envoltura ou estrutura mental. No corpo físico temos, então, os fogos de natureza inferior centrados na base da coluna vertebral, onde jaz concentrada a kuṇḍalinī e a sua função principal, na evolução normal do homem consiste em vitalizar o corpo físico.

1ª- A malha ou corpo etérico actua como protecção e divisória entre o corpo astral e o físico denso, permitindo a circulação ou vitalidade do fluido pránico (prāṇa). O fluido pránico juntamente com a radiação solar circula pelos três canais através da coluna vertebral.
2ª – A circulação dos fluidos pránicos começam a interagir com o fogo da base da coluna vertebral (kuṇḍalinī) e a impulsioná-lo, lentamente, na vertical transferindo o seu calor (tapas), situado nos centros abaixo do plexo solar, para os centros superiores: o cardíaco, o laríngeo e o coronário. Processa-se de forma lenta e longa. Tornar-se-á mais rápida, para quem se consciencializa da necessidade da evolução espiritual de forma mais consciente e inteligente. Quando se empreende um caminho de evolução espiritual consciente, começa-se a “apressar” e a desenvolver os movimentos internos de fusão das energias do prāṇa, da radiação solar e do fogo interno da kuṇḍalinī, naturalmente.
3ª – A partir da fusão da actividade do prāṇa, da radiação solar com o fogo latente da base da coluna ou kuṇḍalinī, a matéria ou corpo físico funciona de forma mais perfeita, produzindo um aceleramento vibratório, que responde com mais rapidez à nota superior do Ego ou o Eu Sou (Espírito), causando por sua vez, uma constante elevação dos fogos vitalizadores através do canal triplo da coluna vertebral: Ida, Piṅgala e Susumṇa. Uma vez que o triplo fogo básico e triplo fogo pránico se unam, a evolução avança mais segura e mais rápida.

Na sequência desta fusão, tem lugar uma mudança na acção dos centros ou plexos nervosos que se encontram no corpo físico, em correspondência com os corpos etéricos, ou chakras (rodas), que impulsionados começam num movimento rotativo, manifestando-se como centros giratórios de fogo vivente e radiante. À medida que o fogo kundalínico e o prāṇa continuam a sua tarefa, os canais vão-se desimpedindo; os centros ou “rodas” fazem-se mais activos e o corpo purifica-se com a “chama” do Espírito ou o fogo proveniente do Eu Sou ou Ego, que desce com mais força, até que emerge da cúspide da cabeça a “chama” resplandecente. Nesta activação simultânea dos fogos do Espírito e da matéria, é activada a mente ou o aspecto manas com maior intensidade, impulsionando o poder da Inteligência – Consciência. Nesta fusão dos fogos internos o poder da mente ou o aspecto Vontade, dirige e regula conscientemente o fogo kundalínico ou a sua própria energia interna e externa. E quando o corpo etérico desempenha a sua função de forma adequada vitalizando os órgãos físicos, protege das enfermidades. Quando o homem absorve e distribui o prāṇa correctamente, sobrepõe-se às doenças do corpo físico.

Esta união dos fogos vai consumindo totalmente as barreiras que impediam a circulação da energia, “queimando-as” pelo poder purificador do fogo, mediante o esforço conscientemente dirigido. O problema é quando, por qualquer fraqueza psíquica, esta força seja mal dirigida, podendo levar ao desequilíbrio ou mesmo à loucura. Por isso as práticas para desenvolver a kuṇḍalinī são desaconselhadas, e todo o processo aqui descrito, faz parte de processos naturais internos da matéria e dos corpos espirituais ou etéricos, operando em simultâneo e de forma consciente num sentido ascendente, espiritual. Se a matéria do corpo físico não está suficientemente purificada para resistir à união das “chamas”, o canal ascendente da coluna vertebral fica bloqueado, actua como barreira e a “chama” ou energia retrocede e, ao ser usada de forma imprópria, perturba os veículos etéricos e os próprios tecidos do cérebro.

As práticas naturais do Yoga têm como objectivo fazer ascender as energias para realizar o samādhi pelo meio de tapas, que significa, fervor, ardor, resplendor (nunca penitência ou expiação) que desenvolve o fogo (agni) ou sol interno que resplandece. Nem tão pouco significa austeridade, mas disciplina nas actividades mentais e devocionais, pelo desenvolvimento interior que vai processando a purificação, no qual é fundamental a prática sistemática da Meditação. Ela faz ascender o fogo interno na base da coluna para a cabeça, que produz calor físico no sentido de despertar forças e energias espontaneamente, pelo poder da aspiração, devoção e apelo à libertação.

Se o homem descuida a sua linha vertical de acção e aspiração espiritual, concentrando as suas forças numa forma intelectual de manipulação da matéria para fins egoístas, pode fomentar a sua própria destruição. Poderá levar várias vidas a reconstruir e a recapitular correctamente, todo o trabalho efectuado anteriormente. Sem dúvida, que isto tem acontecido e acontece ao longo da evolução humana, acarretando graves consequências de sofrimento e, obviamente, estando os seres absolutamente ignorantes da razão porque sofrem.

Quando finalmente, pela fusão e direcção correcta das energias e fogos internos, estão perfeitamente integrados, o fogo que irradia interiormente queima e destrói a malha etérica que servia de ponte entre a matéria e o Espírito abrindo canais directos através da cúspide da cabeça ao fogo do Espírito. A vida do Ser transforma-se exponencialmente.
Ao reunir os fogos e transferi-los para os centros superiores do corpo, cabeça, coração e laringe, estão criadas as condições para a descida do terceiro fogo, o do Espírito, impulsionando uma intensa actividade nos chakras principalmente no das mil pétalas, chakra sahāsrara, situado no centro coronário (alto da cabeça), súmula total de todos os centros.

Ao atingir então, a fusão com o Espírito cessa gradualmente o desejo ou chega ao termo o ciclo perfeito da evolução humana individual. A cessação gradual do ciclo passa pela entrada do Nirvāṇa, onde o ritmo da roda dos renascimentos tem o seu fim. O ciclo chega ao termo, com o objectivo alcançado, relativamente à necessidade de aprendizagem de mais outra vida. Já nada se deseja – o Ego ou ente pensante perde o interesse pela forma, corpo físico – cessa então, a polarização.

Na transferência do fogo concentrado na base da coluna vertebral, onde se aloja a kuṇḍalinī (serpente ígnea), para o centro superior da cabeça (glândula pineal e corpo pituitário) se encontra a redenção do homem.

Notas* - Também na iconografia budista, o Buddha é representado com a serpente por detrás da cabeça, sinal de que as duas religiões compartilham uma tradição comum. No mosteiro budista de Nālanda no norte da Índia, durante escavações arqueológicas, descobriram-se representações do Buddha com cabeças de serpentes, geralmente são sete, formando um capuz ao redor da cabeça, obra de estilo clássico do período Gupta do século V, dC.
Os antigos cultos da Índia encontram-se ligados à serpente pela tradição dos Nāgas considerados como seres supra-humano, dotados de intuição e poderes milagrosos. Popularmente eram considerados génios protectores. No Hinduísmo, a mitologia coloca a serpente cósmica Ananta servindo de encosto a Viṣṇu, o supremo procriador do universo. A serpente de cabeça múltipla Ananta, Infinito, formada das águas cósmicas do abismo, da terra e das regiões superiores e subterrâneas juntamente com todos os seres. Os três mundos estão em equilíbrio sobre as cabeças das serpentes que formam um capuz. Śeṣa, o rei dos nāgas (serpentes) é o antepassado de todas as serpentes que vivem sobre a terra.

* - Tīrthankara, significa no Jainismo o iluminado. Pārśva, o 23º Tīrthankara estava associado à serpente.
* - Nāga, palavra sânscrita para designar serpente.
* – Mente é aquilo que produz coesão.
* - Kaivalya, emancipação. Estado de absoluta independência.
* - Nirvāṇa, palavra sânscrita que significa o estado de iluminação. Nas tradições tanto do Jainismo como do Budismo representa a extinção dos desejos terrenos.
* - O propósito da evolução na matéria é desenvolver uma forma cada vez mais adequada para uso (morada) do Espírito.
* - O centro da laringe (chakra) é o mais importante sobre o ponto de vista do plano mental.
A região do coração, chakra cardíaco, vincula-se ao plano búdico.
A parte superior da cabeça, chakra coronário relaciona-se com o plano átmico (Ātman, Espírito).
O centro da laringe está vinculado à Personalidade - Actividade e Inteligência. O centro cardíaco ao Ego - Amor e Sabedoria.
O centro coronário está ligado à Mónada. Vontade e Poder. Todos estes centros estão relacionados com os corpos etéricos superiores.
   


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Impresso em 18/4/2024 às 12:45

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