Fundação Maitreya
 
Peregrinações em São Miguel

de Ana Maria Cordeiro

em 14 Fev 2016

  Dei hoje comigo a analisar uma bela foto de uma amiga jornalista que conheço desde pequena.
Uma foto muito bela que isolava um conjunto de bordões usados pelos homens da nossa terra para se apoiarem no caminho ao longo da ilha. Agradeci-lhe a memória e lembrei-me do início da Quaresma. Na minha ilha, depois do século XVI e após um grande terramoto, foi prometido pelos homens que, se sobrevivessem às forças da Natureza, dariam a volta à ilha a pé e a rezar o Terço.


Assim é até aos dias de hoje.
Durante uma semana, desde o 1º Sábado da Quaresma e até ao Sábado de Aleluia que todas as freguesias da ilha de São Miguel reúnem um rancho de homens que, preparados física e espiritualmente, percorrem a ilha, cantando o terço sob a orientação do Mestre que os dirige. Abrigam-se com os xailes que eram das mulheres, quase sempre iam descalços e na cabeça ainda usam um lenço de lã que os protege do vento e das chuvas do Inverno. Partem de madrugada depois da primeira missa e levam às costas um pequeno alforge com pão, água e alguns bens essenciais. Pelos caminhos formam procissão e vão cantando, sempre a rezar o Terço. Nos povoados a população vai chegando à janela para fazer a pergunta secular ao Mestre: “Irmão, quantos são?” A resposta equivale ao número de homens.“Uma Avé-Maria pela intenção de... “. E lá vão os homens a rezar cantando.
Deve ser das mais puras peregrinações e o que fazem é nobre, abnegado e solidário à volta da ilha e sempre com o mar à volta, como se enfrentassem ventos, ciclones tempestades e vulcões com a força da oração e da caminhada. Lembro-me de acordar ao som dos seus cânticos, e de a minha avó perguntar quantos eram e nós rezarmos à noite em família por cada um deles todas as Avé-Marias .Eles já o tinham feito por nós! Um espírito de sacrifício de Quaresma que os Tempos Novos não conseguem desmontar. No tempo presente pernoitam nos centros das Paróquias, mas antes ficavam em casa de quem os acolhessem. As mulheres da casa lavavam-lhes os pés e cuidavam das feridas. Depois de uma simples refeição quente, descansavam os corpos em breves vigílias e, na madrugada, juntavam-se no adro da Igreja para a missa e o início da nova caminhada por mais um dia.
Os Romeiros de São Miguel do tempo da Quaresma.
   


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