Fundação Maitreya
 
Trabalhar os obstáculos

de Ajahn Candasiri

em 21 Nov 2017

  Há uns dias, quando fui passear na floresta, estava uma árvore enorme caída no caminho, o que dificultava muito a passagem. Esta manhã fui lá outra vez e fiquei muito contente pois um tractor tinha removido a árvore. Tive a possibilidade de ir até mais longe na floresta. É isto que se passa com as nossas mentes no decurso da prática. Ocasionalmente, existe um obstáculo muito grande, um problema muito grande, e podemos necessitar de recorrer a profissionais - por vezes as pessoas sentem que fazer psicoterapia ou utilizar uma determinada técnica as pode ajudar a enfrentar e trabalhar uma dificuldade específica. Contudo, num retiro, em geral, temos de enfrentar e trabalhar com obstáculos mais pequenos e, alguns deles, desaparecem por si próprios - com atenção benévola, aceitação e muita paciência, as coisas podem mudar. Por vezes as mudanças ocorrem apenas com uma ligeira mudança de atitude. De igual modo, com frequência, existem coisas que podemos fazer como uma estratégia deliberada, de forma que o obstáculo seja completamente removido ou que, pelo menos, possamos trabalhar com ele de uma maneira mais positiva. Gostava de partilhar alguns dos conselhos do Buddha relativos ao trabalho com diferentes tipos de obstáculos.

Se existe uma disposição particularmente negativa relativamente a alguém ou a alguma situação, o Buddha sugeriu que subtituíssemos isso por uma atitude diferente. É muito difícil estarmos zangados com alguém quando paramos para ter em conta a sua situação, qual a intenção que essa pessoa poderia ter tido. Por vezes, o simples acto de nos colocarmos na pele da outra pessoa pode ajudar a largarmos a zanga ou negatividade que temos face a ela. Este é um tipo de metta ou de prática de benquerença, que é igualmente útil quando nos sentimos frustrados ou preocupados com a nossa prática ou com o que está a ocorrer na nossa mente. Talvez tenhamos o hábito de ser muito duros e críticos connosco próprios e portanto podemos em vez disso experimentar ser benevolentes, compreensivos e encorajadores.

Levei muito tempo até perceber quão crítica sou para mim mesma. Por achar esta uma prática muito benéfica decidi, no ano novo, abandonar a auto depreciação, decidi deixar de ser crítica e de pensar mal sobre mim própria. Isto foi muito útil, porque nunca me tinha apercebido o quanto era autocrítica, o quanto me criticava tanto a mim própria. Tive bastante oportunidade para praticar. Logo que me apercebia de um pensamento do género «Não fizeste aquilo muito bem», pensava deliberadamente «Não. Não vás por aí. Não penses assim.» Evidentemente, tive de fazer isto repetidamente, mas foi espantoso como, passadas apenas uma ou duas semanas, comecei a sentir-me muito mais contente e leve.

Desta forma, temos de reconhecer, pacientemente, o pensamento negativo ou hostil. Por vezes as pessoas vêm ter comigo nos retiros e dizem: «É terrível. Nunca me tinha apercebido de como era negativo e hostil.» Então digo-lhes: «Não se preocupe. Na realidade, é muito bom ter reconhecido pois agora tem a possibilidade de fazer algo em relação a isso.» Era isto que o Buddha queria dizer com substituir um pensamento com o pensamento contrário. A parábola que utilizou para isto foi a de um carpinteiro que utiliza uma cavilha mais pequena para extrair outra cavilha maior da madeira. Talvez isto não faça sentido para quem não tenha conhecimentos de carpintaria - a ideia é que as duas cavilhas não conseguem estar no mesmo buraco em simultâneo. Assim, este é o primeiro método que o Buddha recomendou para lidar com um obstáculo e podemos utilizá-lo para qualquer obstáculo.

Outra estratégia sugerida pelo Buddha consiste em sentir verdadeiramente quão desagradável é um estado de espírito negativo. Isto pode ser algo que reconheçamos em nós próprios, se nos encontramos a atravessar uma fase em que estamos mesmo maldispostos e sempre a reclamar; ou pode ser mais fácil de observar noutra pessoa. A maior parte de vocês, provavelmente, conhece alguém que está sempre a queixar-se de tudo, que consegue ver sempre os aspectos negativos ou falhas em qualquer situação. O Buddha encorajou-nos a contemplar o quão desagradável é viver desta forma. Sei por experiência própria que, quando dei ouvidos a estas vozes a reclamarem na minha própria cabeça e experienciei realmente como as sentia, compreendi que não tinha necessidade de pensar desta forma até ao fim da minha vida e também que não preciso de pensar desta forma agora. A parábola que o Buddha utilizou para esta situação é bastante chocante. Ele disse que é como uma pessoa muito bonita a usar um colar feito de cadáveres de cães – completamente desnecessário e verdadeiramente repulsivo. Isto pode ser um pouco forte mas pode alertar a mente para este tipo de estado, e para o facto de termos realmente a possibilidade de escolher se usamos (ou não) esse colar, ou não.

Outra estratégia é, simplesmente, dirigir a mente para algo diferente. Um exemplo muito óbvio é o seguinte: se temos muita coisa na cabeça, dirigimos a nossa atenção para a respiração ou para o corpo. Como sugeri anteriormente, podemos olhar para a mente como um quarto. As coisas e pessoas no quarto são como os pensamentos, os objectos mentais. Podemos pensar: «Gosto deste, não gosto deste, este é bom.» Podemos estar muito ocupados a escolher pensamentos que gostamos e que não gostamos, mas já repararam em mais alguma coisa no quarto? Para além disso o que é que este contém? Espaço… Por isso, em vez de nos centrarmos nos objectos, podemos focar-nos no espaço à volta destes. Por vezes quando pensamos muito, só conseguimos ver esse pensar; é como se ocupasse toda a mente. Mas existe uma forma de reconhecer que a mente é muito maior do que o pensar. Em vez de nos centrarmos no pensamento, podemos focar-nos no espaço em redor do pensamento.

Se temos uma emoção muito forte, como a ira ou o pesar, podemos começar por pensar nisso e interrogarmo-nos o que fazer, pensando que está alguma coisa errada, porque estamos a sentir essa emoção, e interrogarmo-nos como nos iremos ver livres dela. Mas isto aumenta e reforça a emoção. Em vez disso, por vezes é útil simplesmente centrarmo-nos no corpo. Com emoções como a ira, a ansiedade, o medo ou o pesar, existe sempre uma sensação física, que a acompanha, no coração, na barriga ou no plexo solar. Assim, em vez de sermos apanhados na situação, no acontecimento, ou seja o que for que tenha despoletado a reacção emocional, podemos simplesmente trazer a atenção para o corpo e observar as mudanças, à medida que estas ocorrem no corpo. É uma forma de nos libertarmos de tal. Em vez de nos agarrarmos à emoção - sendo levados por ela ou entregando-nos a ela - ou de lutarmos para nos vermos livres dela, em vez disso, abrimos mão. Desta forma podemos observar como se modifica.

A quarta estratégia consiste naquilo que chamamos abrandar o processo mental. Podemos estar a pensar muito, talvez de forma não muito clara e com muitos pensamentos à mistura, mas esta estratégia envolve pensarmos deliberadamente mais ainda; é como trazer os pensamentos para o primeiro plano da mente e olhar cuidadosamente para aquilo que estamos realmente a pensar. Por vezes pode ser útil escrever os pensamentos; outras vezes podemos jogar com eles na nossa mente. Se estivermos zangados ou perturbados, uma das coisas interessantes que, provavelmente, iremos notar são aqueles pensamentos que só são uma espécie de resmungo na mente. Não estão articulados de forma clara. Então, podemos dizer para nós próprios: «Ok, vamos lá a ver o que se está realmente a passar aqui. Quero ouvir o que estás a dizer.» É como uma criança pequena que está aborrecida e grita «Uaaaaaah!» e nós perguntamos: «O que foi?» Por vezes, fazer só isto e dar atenção ao que se diz, é o suficiente para ajudar a criança a largar a birra.
A técnica final, que o Buddha recomendou e apenas para situações notoriamente extremas, é a supressão forçada. Ele disse isto como se existissem dois lutadores, um muito grande e o outro mais pequeno. O maior imobiliza o outro, de forma que não conseguem mover-se de todo. Por vezes podemos precisar de fazer isto, mas apenas o podemos fazer durante pouco tempo, uma vez que requer um grande esforço.

Por exemplo, a emoção da ira pode ser tão forte que sentimos que podemos realmente praticar um acto violento. Evidentemente que estamos todos a praticar de acordo com os preceitos, comprometemo-nos a não agredir ninguém, e assim, quando isto acontece, temos apenas de ficar muito quietos e silenciosos e direccionar fortemente a mente noutra direcção. Mais adiante, estando mais calmos, poderá ser útil darmo-nos algum tempo para considerar por que é que a emoção era tão forte para nos perturbar. Desta forma podemos obter algum discernimento relativamente ao sentimento de vulnerabilidade, de ansiedade ou do que quer que seja que tenha feito emergir uma reacção tão forte e, talvez, encontrar uma forma de evitar que uma situação semelhante surja novamente. Mas, na altura, a emoção pode ser tão forte que tenhamos de recorrer a esta medida extrema de supressão forçada.

Estou certa que todos vocês têm muitas outras formas de trabalhar com a mente. Estas são apenas algumas sugestões dos ensinamentos do Buddha que considero úteis.

Excerto do livro "Pura bondade"
Tradução de Alda Santos
   


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