pág. 2 de 3
Filosofia Árabo-Islâmica
de Adel Sidarus
em 22 Ago 2024
(...anterior) Qual é o tipo de filosofia grega que se transmitia e que serviu de ponto de partida para a reflexão filosófica no Islão?
Com a excepção dos pré-socráticos, a quase totalidade do pensamento grego: platonismo, aristotelismo, estoicismo, neopitagorismo, neoplatonismo. Só que estas doutrinas chegaram em geral através da síntese aristotélica ou reformuladas pelo peripatetismo alexandrino. Já o notámos no relato do sonho do califa, Aristóteles era considerado o corifeu dos pensadores da Antiguidade, e a sua filosofia, o ponto de chegada perfeito do movimento intelectual grego. O próprio neoplatonismo, tão perto da perspectiva e sensibilidade religiosa, não foi apreendido na sua originalidade primeira, mas antes sob o ponto de vista aristotélico. Em sinal contrário, foi atribuída ao Estagirita uma série de textos neoplatónicos que mascararam a real oposição entre o idealismo platónico e o positivismo e naturalismo aristotélicos: caberá a Averróis (§) de Córdova, já no declínio da sociedade islâmica, dissipar o mal-entendido.
Em tudo isto se nota bem a mão dos compiladores e grandes comentadores da Baixa Antiguidade, como Alexandre de Afrodísias, Proclo ou Temístio. Lembremos também a figura de Galeno, o expoente máximo do eclectismo e da fusão entre filosofia e ciências naturais, conduzindo a um profundo humanismo (o corpus árabe das suas obras integra textos perdidos no original grego!). Também a tradição gnóstica, carregada das ideias herméticas nascidas no Egipto (§) e das concepções místicas do Irão e da Índia, era conhecida e apreciada pelos muçulmanos dos séculos VIII-X.
A referência às grandes civilizações da Antiguidade leva-nos a lembrar uma verdade histórica. Na senda das conquistas de Alexandre Magno (mais de três séculos antes da nossa era) criara-se uma cultura comum a toda essa zona e na qual se fundiram os vários legados existentes. A cultura científico-filosófica grega, ou melhor “helenística”, que foi transmitida ao Mundo islâmico, era já fruto desta simbiose...
Correntes do pensamento filosófico
Agora, como é que os pensadores muçulmanos assimilaram, adaptaram e desenvolveram tudo isso? Quais eram as suas escolas e doutrinas? O que trouxeram de novo ou de original para a filosofia universal?
Podemos distinguir, esquematicamente, três grandes escolas ou, antes, correntes filosóficas no Islão.
A primeira, e sem dúvida a mais bem elaborada e a que teve maior impacto nas gerações futuras – tanto islâmicas, como cristãs ou judias... – foi o neoplatonismo. Segue-se à época das grandes traduções em Bagdade e tem o seu expoente máximo na figura multifacetada de Avicena (Ibn Sînâ). Desenvolveu-se, em especial, no Oriente islâmico (Irão, Mesopotâmia, Síria), sem nunca deixar de estar subjacente a todo o pensamento filosófico árabe. Não esqueçamos também o seu impacto na primeira escolástica europeia cristã (séc. XII).
Tendo em conta o que se disse acerca das origens imediatas do movimento filosófico na sociedade islâmica, pode-se adivinhar os contornos desse neoplatonismo islâmico: uma síntese harmoniosa e integrada (ou seja, não se trata de mero sincretismo), uma síntese de metafísica neoplatónica greco-alexandrina, de ciência da natureza, de raiz também grega, e de misticismo oriental – o todo fecundado por uma lógica aristotélica de par com uma revelação religiosa caracterizada por um monoteísmo absoluto e transcendental.
Os seus grandes mentores – como já referimos – foram Abû Yûsuf al- Kindî (ca. 796-873), Abû Nasr al-Farâbî (870?-950) e Abû ‛Alî Ibn Sînâ (980-1037). Se o primeiro pertenceu à aristocracia árabe de Bagdade – e é dum certo modo o único filósofo muçulmano plenamente árabe! – os dois outros foram persas ou, pelo menos, de língua e cultura persa. Al-Farâbî nasceu no Turquestão, mas veio estudar e ensinar em Bagdade e transferiu-se, nos últimos anos da sua longa vida, para Alepo, no Norte da Síria. Ibn Sînâ nasceu na Transoxiana e nunca deixou os confins do Irão Oriental.
Al-Kindî (lat.
(... continua)
|