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As Quatro Nobres Verdades
de Ajahn Sumedho
em 26 Jun 2008
(...anterior) Mas algo em mim começou a reconhecer que tinha de suportar tudo isto e assim o fiz. Todo o ódio e raiva que tinham sido suprimidos durante trinta anos de vida vieram em força, mas através da meditação extinguiram-se e desapareceram. Foi um processo de purificação.
Para permitirmos que este processo de cessação se dê, temos de estar dispostos a sofrer. É por essa razão que eu reforço a importância de se ser paciente. Temos de abrir as nossas mentes ao sofrimento porque é no acolher do sofrimento que o mesmo cessa. Quando sentimos que estamos a sofrer, física ou mentalmente, temos de ir ao encontro desse sofrimento. Abrimo-nos para ele completamente, damos-lhe as boas vindas e concentramo-nos nele, permitindo-o ser aquilo que é. Isso significa que temos de ser pacientes e suportar as condições menos agradáveis, em vez de fugirmos, temos de suportar o tédio, desespero, dúvida e medo para podermos compreender que os mesmos cessam.
Enquanto não permitirmos que as coisas cessem, continuamos a criar novo kamma que só ajuda a fortalecer os nossos hábitos. Quando algo surge, agarramo-lo e insistimos nisso, o que torna tudo ainda mais complicado e assim, repetimos e tornamos a repetir o mesmo padrão durante a nossa vida - não podemos continuar a seguir os nossos desejos e medos esperando algum dia realizar paz. Observamos o medo e o desejo para que estes deixem de nos iludir: temos de conhecer aquilo que nos ilude antes que nos possamos libertar. Desejo e medo devem ser reconhecidos como impermanentes, insatisfatórios e como “não-eu”. Eles são observados e compreendidos para que o sofrimento se possa extinguir.
É importante aqui diferenciar entre cessação, o fim natural de qualquer condição que tenha surgido e aniquilação - o desejo que surge na mente para nos vermos livres de algo. Daí a cessação não ser desejo! Não é algo que criamos na mente, mas sim o fim daquilo que começou, a morte daquilo que nasceu. Daí cessação não ser um eu, não se manifesta a partir do ponto em que “Eu tenho de me ver livre destas coisas”, mas somente quando permitimos que aquilo que surgiu cesse. Para conseguir isso, o desejo tem de ser abandonado - deixa-o ir. Isto não significa rejeitar ou deitar fora, mas sim largá-lo.
Então, quando ele cessar temos a experiência de nirodha, cessação, vazio, desapego. Nirodha é outra palavra para Nibbāna. Quando se abre mão de algo e se permite que ele cesse, o que resta é paz.
Podemos viver essa paz através da própria meditação, quando na nossa mente deixarmos o desejo terminar: aquilo que resta é muito sereno. Isso é paz verdadeira, deathless (sem-morte). Quando conhecemos isso, tal como é verdadeiramente, realizamos nirodha sacca, a Verdade da Cessação, na qual deixa de existir o eu, mas, ainda existe vigilância e claridade. O verdadeiro significado da felicidade é essa serenidade, consciência transcendente.
Se não permitirmos a cessação, então a tendência é para operarmos a partir das suposições que fazemos acerca de nós mesmos, sem sequer sabermos o que estamos a fazer. Às vezes, só quando começamos a meditar é que nos apercebemos o quanto o medo e a falta de confiança que sentimos, na nossa vida, provêm das experiências da nossa infância. Lembro-me de quando era miúdo ter um grande amigo que um dia se voltou contra mim e me rejeitou. Durante meses andei desesperado e isto deixou uma marca indelével na minha mente. Então, realizei através da meditação, o quanto um pequeno incidente como esse, veio a afectar as minhas futuras relações com os outros. Sempre tive um medo tremendo da rejeição. Nunca tinha pensado nisso até essa memória continuar a surgir no meu consciente durante a meditação. A mente racional sabe que é ridículo continuar a pensar nas tragédias de infância mas, se as mesmas continuam a surgir no consciente, quando se chega à meia-idade, talvez estejam a querer dizer algo sobre os conceitos que formamos quando crianças.
(... continua)
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