Ateado o fogo na lareira queimei, uma a uma, as trinta páginas escritas. Cada qual continha apenas uma ideia, recriada em cada um dos dias do mês que findara. A chama elevou-se tripartida, por entre o lenho e os toros secos. Três vezes parei, para intercalar a queima do papel com folhas e raminhos sobrantes do Outono anterior, que esperavam pacientemente a sua vez. Cada uma das páginas registava um conceito ou uma ideia de paz. Este exercício foi-me sugerido por alguém, que igualmente me instruiu para que, depois de terminada a tarefa, lesse tudo o que tinha escrito e, em seguida, fizesse desaparecer todos os registos. “Porquê?” – perguntei. “Para que não sobreviva qualquer intenção de ego” - respondeu. Acrescentou que, depois disso, qualquer coisa se alteraria em mim de forma qualitativa, e que eu não voltaria a ser a mesma.
Se existe uma força que congrega os seres humanos num objectivo comum para se harmonizarem num ideal é sem dúvida a religião. Seja ela qual for, desde a cristã, à budista, à islâmica, a religião tem a força da união. Os budistas reúnem-se religiosamente no Vesak, a festa que celebra o nascimento, a iluminação e a morte do Buddha. Os muçulmanos numa grande peregrinação religiosa dirigem-se a Meca para homenagear o profeta Maomé e, os cristãos de todo o mundo unem-se em pensamento, portanto em fé, para comemorar o nascimento de Cristo.
Ao observar a natureza, facilmente damos conta do sol e da lua, do dia e da noite, do claro e o do escuro. Estas duas polaridades também se manifestam em nós sob muitas formas, como alegria e tristeza, energia e cansaço, luz e sombra etc. Vivemos portanto num mundo de polaridades, dualidade ou opostos, num movimento que busca equilíbrio. No fundo, sob muitas e variadas formas, é este o trabalho que consciente ou inconscientemente iremos fazer, durante o tempo das nossas vidas.
Antigamente escrevíamos cartas à mão. Podemos dizer que era uma manufactura, desenvolvida nas várias fases de fabrico artesanal .Evocávamos o destinatário mentalmente antes de começar, permitindo-nos vê-lo, ouvi-lo, cheirá-lo, tocá-lo e por vezes saboreá-lo. Começávamos depois a construir ideias sobre o que lhe queríamos dizer ou transmitir, num processo em que uma ideia desfiava um sentimento, seguia-se outra ideia que desfiava outro, dava-se uma laçada e tínhamos um ponto. Seguia-se outro ponto e outro e, sucessivamente, o nosso tricô era elaborado com princípio, meio e fim.
Ainda hoje há quem sinta falta de liberdade, no entanto, esse sentir depende, da forma e da direcção que cada um dá à sua própria liberdade. Uma coisa é a liberdade de expressão verbal e de acção como indivíduo na sociedade e outra são os condicionamentos sentidos em relação à própria liberdade interior. Para ambas as situações e, primeiro que tudo, convém saber o significado da palavra liberdade.