Fundação Maitreya
 
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de Ajahn Jayasaro

em 28 Dez 2020

  Quando era um jovem monge, por vezes, era difícil arranjar velas. Lembro-me de em certas ocasiões sair para uma clareira iluminada na floresta e ler os suttas à luz da lua. Era difícil de acreditar que alguma dessa incrível luz resplandecente viesse da própria lua, mas, na verdade, refletia o sol oculto. Este é o meu 40º Retiro das Chuvas como monge. Com o passar do tempo, os monges ocidentais tornaram-se mais bem conhecidos na Tailândia e até mesmo vêm a ter reconhecimento oficial. Como isto me aconteceu agora, lembro-me que o meu professor Ajahn Chah foi como um sol a iluminar a minha vida adulta. Se há algo na minha vida de meritório, está naquelas poucas ocasiões em que fui capaz de refletir a luz da sabedoria e de compaixão do meu professor, para benefício de outrem.

3/8/2019
Na vida diária os princípios chave com que nos comprometemos – começando com os cinco preceitos – têm de ficar acessíveis à mente. Isto significa que temos de nos familiarizar tanto com eles que veem à mente sem qualquer esforço. Não chega simplesmente estar consciente do que fazemos ou dizemos, mas temos de estar cônscios do que fazemos e dizemos relativamente aos nossos valores. Quanto mais refletimos nos preceitos, mais fluentes ficamos na sua aplicação.
Podemos criar as nossas próprias ‘cavilhas’ para a concentração. Por exemplo, podemos decidir não nos gabarmos, não nos queixarmos, não sermos sarcásticos. Podemos determinarmo-nos a nunca obter prazer no sofrimento de qualquer ser humano, independentemente do quanto achamos que possa merecer. Podemos fazer uma lista baseada nos nossos maus hábitos, memorizá-los e, a cada noite, verificar os sucessos e fracassos. Desta forma podemos desgastar gradualmente as faltas.

7/8/2019
O impulso para dar, partilhar e ajudar os outros é uma joia maravilhosa da mente humana. Mas este impulso tem de ser fortificado com a sabedoria para conduzir ao verdadeiro e sustentável bem-estar social daqueles que buscam ajuda.
Quando o professor da M.I.T Timothy Presto visitou um hospital na Indonésia rural, descobriu que oito incubadoras para recém-nascidos, doadas por organizações humanitárias, estavam desarranjadas, e o pessoal não sabia como as reparar. Dr. Presto e a sua equipe começaram a trabalhar num novo design que usasse partes de carro disponíveis localmente: luzes para aquecimento, para-brisas para ventilação, e baterias de motas para gerar energia. Se qualquer destas incubadoras se avariasse, o pessoal do hospital só precisaria de encontrar alguém que soubesse de carros para os arranjar – os princípios eram os mesmos.

10/8/2019
No outro dia recebi a visita de uma senhora idosa, que conheço há mais de trinta anos. Ela ronda os 85 anos, mas a mente ainda é viva e acutilante e tem a atitude calma e o bom humor de quem pratica o Dhamma há muitos anos.
Quando jovem teve uma brilhante carreira e era uma figura proeminente da alta sociedade. A sua vida teve uma volta radical e inesperada depois de ter conhecido Ajahn Fan, um dos grandes discípulos de Ajahn Man. Um certo dia foi continuar a sua prática meditativa num mosteiro da floresta, numa parte remota do nordeste da Tailândia e nunca mais voltou. Assim, passados quarenta e sete anos sente-se muito feliz com a viragem da sua vida.
Recordando, ela lembra-se como se sentiu, quando começou a ouvir os ensinamentos de Ajahn Fan – durante o dia, enquanto trabalhava, no que quer que fosse, sentia o seu coração a sorrir. Ao ouvi-la, pensava “Sim, é isso. É precisamente assim”. Esta alegria do Dhamma é uma coisa preciosa. Reconheçam-na e alimentem-na. É um verdadeiro refúgio.

13/8/2019
Ao confrontarmo-nos com a separação de algo ou alguém de que gostamos, a tendência natural é de consentirmos o lamento, ou de tentarmos vermo-nos livres dele. Ambas as reacções só pioram, tal como quando expomos uma ferida aberta à infecção. O caminho do meio entre os extremos da indulgência e da supressão permitem simplesmente reconhecer o sentimento de tristeza e perda como resultados normais da separação. Ao suportar com calma esses sentimentos desagradáveis, permitimos que cessem, sem interferências. Ao fazê-lo repetidamente, a frequência e a intensidade dos sentimentos diminuem. Por fim, tal como uma ferida que se manteve limpa, dá-se a cura.

17/8/2019
Em dada ocasião, no tempo do Buda, a monja Soma foi assediada por Māra, o próprio diabo. Quando ele tentou minar a prática, declarando que a iluminação era demasiado profunda para ser realizada por mulheres insignificantes, ela não se desconcentrou, replicando-lhe:
“Que diferença faz ser mulher, quando a mente está bem concentrada, quando o conhecimento flui firmemente por se ver com clareza e de forma correcta o Dhamma?”
Ela continuou, para que Māra soubesse que ela o reconhecia, e, como não se identificava com o género, era imune às suas artimanhas.

20/8/2019
As técnicas da meditação podem-se dividir em dois tipos: as que usam o pensamento, e as que não o fazem. Exemplos de meditações que não pensam são a concentração na respiração, e a observação das sensações físicas ao longo do corpo. As meditações que usam o pensamento incluem reflexões sobre a morte, sobre a bondade amorosa, e sobre os aspetos pouco agradáveis do corpo humano. Estas últimas podem ser muito úteis quando a mente se encontra num estado muito agitado.
As meditações que usam o pensamento requerem que se use a mente de forma sistemática. Os assuntos a refletir devem ser decididos antes de começar a meditação. Não é raro as pessoas sentirem que, passado algum tempo, o pensamento se sinta pesado e cansado – isto é um sinal de que a mente já está preparada para se ligar a uma meditação sem pensamento, tal como usar o foco na respiração. Noutros casos, a reflexão leva a uma intensa sensação de bem-estar, ou felicidade. Quando tal ocorre, as pessoas podem então focar-se nessa sensação como um objeto não-pensante para, de forma mais profunda, levar a mente ao samādhi.

24/8/2019
Uma característica chave dos ensinamentos de Buda é o facto de serem verificáveis. Numa certa ocasião, perguntaram ao Buda em que é que se baseava para declarar o Dhamma como sendo ‘evidente’ aqui e agora, intemporal, encorajando à investigação, conducente à interiorização, a ser experimentado individualmente pelos sábios.
O Buda respondeu que, quando a mente está soterrada em imperfeições, somos incapazes de compreender o nosso verdadeiro bem-estar, ou o dos outros. Como resultado disso, passamos à ação física, verbal e mental que nos arrasta, tanto para a nossa aflição, quanto para a aflição alheia. Consequentemente, daí resulta sofrimento mental e depressão.
Contudo, quando a mente se libertou das faltas, estamos capazes de compreender o nosso verdadeiro bem-estar, e o dos outros. Como resultado disso, já não somos levados à prática de ações físicas, verbais, ou mentais, que nos perturbam e aos demais. Consequentemente, já não sofremos.
Por outras palavras, tal acontece, porque ao conseguirmos observar o efeito das imperfeições, o treino para eliminar essas imperfeições, e o resultado da eliminação das imperfeições, o Dhamma é ‘evidente’ aqui e agora, intemporal, encorajando à investigação, conducente à interiorização, a ser experimentado individualmente pelos sábios.

27/8/2019
Quando brahmas eruditos ouviram o Buda ensinar pela primeira vez, muitos ficaram inspirados; imediatamente pediram refúgio no Buda, no Sanga e no Dhamma, e pediram que fossem considerados discípulos leigos do Buda desse dia em diante. As exclamações de louvor:” Ele tornou o Dhamma claro, como se pusesse no sítio o que tinha sido revirado, revelando o que estava escondido, mostrando o caminho a quem estava perdido, ou segurando uma lâmpada na escuridão para aqueles de boa visão poderem ver o que lá se encontrava.”
Esta frase capta bem a compreensão de que, embora as verdades importantes da vida estejam sempre à nossa volta, com a nossa ignorância, temos permitido que se virem do avesso, ou se escondam. O caminho tem estado sempre presente, mas nós temos rejeitado os ramais sem nos apercebermos disso. A falta de visão não acontece por defeito nos olhos, mas porque vagueamos por locais sem iluminação. O Buda não pergunta”, “Acreditas nisto?”, mas “Consegues ver isto, agora?”

31/8/2019
O Buda ensinou por passos. Não partilhava os ensinamentos mais profundos, sem estar seguro que a audiência estava devidamente fundamentada na visão correta, para conseguir beneficiar deles. Dirigia-se às preocupações imediatas da audiência, e, de forma gradual, seguia a partir daí. Num discurso para chefes de família, mencionou quatro tipos de felicidade com que se viver no mundo.
Primeiro, a felicidade de quem trabalha muito e com honestidade, com consciência de que ‘riqueza certa ganha corretamente ‘, traz alegria à mente.
Segundo, o conhecimento usado para produzir adequadamente riqueza, alcançando felicidade e bem-estar a cada um e respetivas famílias, bem como saber que a realização de actos meritórios, traz alegria à mente.
Terceiro, o conhecimento liberto de dúvidas, grandes ou pequenas, traz alegria à mente.
Quarto, o conhecimento de que as ações, físicas, de discurso ou de mente de cada um, são inculpáveis e sem culpa, traz alegria à mente.
O Buda disse que os chefes de família deveriam aspirar a todos os quatro tipos de felicidade, mas que deveriam saber que a felicidade das três primeiras combinadas não conseguiriam fornecer, nem sequer uma pequena fracção, de felicidade que se conseguiria obter com a quarta.

3/9/2019
Ajahn Chah ensinou os seus discípulos a criar um tipo de conhecimento na mente e tentar mantê-lo ao longo da meditação. Para explicar esta ideia, deu a analogia de uma sala com seis portas e uma única cadeira, colocada ao centro. Dizia que se o dono da sala se sentasse na cadeira e não se levantasse, então, mesmo que houvesse convidados a entrar e sair pelas diversas portas, não permaneceriam muito tempo na sala por não haver cadeiras onde sentar. Neste caso, a mente é como a sala e as portas são como os órgãos dos sentidos. Se a atenção plena e o estado de alerta estiverem perfeitamente estabelecidos, é como se ocupassem o espaço central na mente. Outros estados mentais podem vaguear na mente, mas não há onde se sentirem confortáveis, e em breve partirão.

7/9/2019
Praticar o Dhamma não é fácil. Temos de lutar contra imensos hábitos que acumulámos durante muitas vidas. A resistência que sentimos neste processo pode ser muito sólida, as dúvidas bastante razoáveis e inteligentes.
Mas pergunte-se: se este trabalho tem de ser feito – caso não exista qualquer esperança de verdadeira felicidade sem remover as causas internas do sofrimento – então, porque não? Quem sabe o que o futuro reserva? Quanto tempo resta para estas condições de apoio favoráveis?
Temos um corpo humano e uma mente preciosos, acesso aos ensinamentos do Senhor Buda, e um professor que se preocupa com o nosso bem-estar seriamente. Que mais precisamos?

10/9/2019
O princípio básico com que o professor tenta impressionar o aluno, é que o sofrimento surge e se mantém pelo apego, que é reduzido pela diminuição do apego, e que desaparece pelo abandono do apego, conseguido com a prática do Óctuplo Caminho. Esta compreensão constitui o pilar básico da Visão Correta.
O professor deve encorajar os estudantes a observarem vezes sem conta, o quanto os apegos envenenam as mentes, e o quanto a capacidade de os largar, as libertam. Os estudantes precisam de ver por si próprios, o quanto os fogosos desejos de ter, tornar-se, livrar-se, sempre pioram tudo. Situações difíceis, pessoas difíceis, são a causa das dificuldades. Em si, não são a causa do sofrimento. Existem tantas coisas na vida que não conseguimos controlar. A esperança não reside na manipulação das condições externas, mas na prática do Óctuplo Caminho. Quanto mais nos alicerçarmos no Dhamma, mais sábias serão as respostas aos desafios que enfrentamos.

14/9/2019
Não tenho a certeza sobre o que pensar sobre Chang’e. Numa versão popular da lenda, diz que ela bebe o elixir do marido para evitar que caia nas mãos do vilão Fengmeng. Numa outra versão, ela rouba o elixir, e é transformada num sapo como punição. Noutra, diz-se que o marido, Hou yi, lhe deu o elixir como prenda. E outra versão diz que Chang’e pegou no elixir e desapareceu na lua, por raiva, quando soube que o marido estava a ter um caso.
Com a expansão da internet, passámos a viver num mundo de coscuvilhice (frequentemente mascarado como ‘notícias’), um mundo no qual não temos, nem o tempo, nem os recursos para saber quem é que diz a verdade. Mas isto sempre aconteceu, de alguma forma. No mínimo, podemos lembrar-nos de não cair na ratoeira de assumir que os rumores que estão de acordo com os nossos preconceitos sejam provavelmente verdade, e que os rumores que contradigam os nossos preconceitos sejam provavelmente mentira. Mais importante é, ao estarmos rodeados por tantas coisas que nos atraem, estarmos focados e sermos sábios nas escolhas que fazemos sobre aquilo a que prestar atenção. Muitos dos assuntos que põem as cabeças às voltas são tão importantes como um debate sobre as virtudes de Chang’e.

17/9/2019
A mente pode mudar tão facilmente. Pode, num momento, refletir sobre um ponto profundo do Dhammma e logo a seguir mudar para a divagação sobre o que fazer para o almoço. Pode mudar do elevado para o insignificante e o inverso, à velocidade de uma respiração. O corpo, contudo, não consegue mudar de forma tão extrema, num período curto de tempo. Há que ter isto em conta, sempre que a mente e o corpo se combinam para produzir uma emoção forte, o medo, por exemplo. A resposta mais vulgar ao medo é apenas dar atenção ao aspeto mental, com, por exemplo, de forma lógica, ou reconfortando-se. Esta estratégia pode-nos permitir libertar os pensamentos assustadores por algum momento. O problema está em que os fenómenos físicos que advêm do susto - batimentos cardíacos acelerados, a subida da adrenalina, etc. – ainda persistem e podem facilmente estimular uma nova rodada de pensamentos receosos. Assim sendo, o melhor é focarmo-nos na concentração da sensação física provocada pelo medo, no corpo todo. Com a mente centrada nesta tarefa, o corpo relaxa e os pensamentos receosos vulgarmente desaparecem por si só.

21/9/2019
As cerimónias são feitas com o fim de nos afetar emocionalmente. Os movimentos rituais, os cânticos podem provocar sentimentos inesperados de fé e inspiração num novo participante, e subsequentemente, desde o primeiro momento até se chegar ao Dhamma. As cerimónias fornecem um ponto de focagem que leva as pessoas a juntarem-se e obterem mérito. São o marco de acontecimentos importantes, sob formas memoráveis. As cerimónias formam uma ligação palpável a outras comunidades budistas, bem como a budistas de gerações anteriores. Contribuem para um sentido inspirador de tradição e cultura. As cerimónias dos Preceitos tanto formalizam como aprofundam o compromisso de levar uma vida social boa e preocupada. As cerimónias fúnebres podem providenciar um espaço de cura, onde se manifesta a dor e a separação, ou ainda para se entender profundamente as verdades da vida e da morte.
Há muitos mais resultados positivos que se podem obter das cerimónias budistas, mas não se garantem estes resultados como sendo obtidos pelas cerimónias em si. As cerimónias e os rituais podem apoiar as condições para o crescimento no Dhamma, mas podem também, caso não estejamos atentos, levar à superstição e ao apego. Compete-nos a nós cuidar das tradições com amor e sabedoria.

24/9/2019
Meditar sobre a lembrança das virtudes do Buda pode ser uma medida muito poderosa para purificar a mente dos seus obstáculos. Existem vários textos devocionais que fornecem temas inspiradores para esta contemplação. O meu favorito é Stapañcasalka: o ‘Hino ao Buda’ de Mātrceta, traduzido pelo Venerável Dhammiko. Eis aqui uma breve seleção de versos:
“Quando se compara com a Vossa calma equanimidade, a firmeza da terra parece o estremecimento da pétala de uma flor”
“Comparado com a radiância da Vossa sabedoria, que destrói a escuridão da ignorância, o sol não consegue sequer alcançar a luz de um pirilampo”
“Amoroso, mas tranquilo, brilhante sem cegar, gentil, mas forte. Quem não se sentirá inspirado só por Vos ver?”
“A alegria que se sente ao Vos contemplarmos pela primeira vez não diminui nem depois de Vos vermos centenas de vezes.”
“Embora tenhais preferido as delícias da solidão, a compaixão levou-vos a passar o Vosso tempo no meio das multidões.”
“Da Vossa boca, aprazível à vista, jorraram palavras aprazíveis ao ouvido, como néctar da lua.”
“Aqueles que trabalham para o bem-estar do mundo, e aqueles de coração compassivo, o que poderiam eles fazer, caso Vós não tenhais mostrado o caminho antes?

28/9/2019
As novas pesquisas científicas concordam com os ensinamentos budistas. A dor não é apenas um fenómeno físico.
As perceções da dor, a compreensão do seu significado e as reações emocionais à dor, por exemplo, oferecem consideráveis contributos para a severidade dessa experiência. A dor extrema pode ser mais viável, se se mudar o enquadramento em que é sentida. O atleta e autor Christopher Bergland contou a sua experiência da corrida de 135 milhas (217km), na Badwater Ultramarathon, a temperaturas de 49º graus. Disse que às 100 milhas, a planta dos pés era uma enorme e dolorosa camada de bolhas, desde o calcanhar até aos dedos. Era como se corresse em cima de carvão em chama. Lidou com isso, imaginando que cada arrancada de dor que sentia, sempre que o pé tocava o chão, era na verdade a sensação de uma corrente positiva de energia que entrava no seu corpo. Visualizava-se a absorver a energia do centro da terra, transferindo-a para o sistema nervoso, e para os músculos.
“Em vez de pisar com leveza, ou pensar a dor de forma negativa, na verdade batia os pés com mais força e acolhia a dor como um símbolo da fonte externa de poder, vinda do centro da terra para o meu corpo, através dos pés…e entretanto cantava em silêncio “Bring it on!”( tragam mais disto!), enquanto investia para a frente.

1/9/2019
Constantemente esquecemos coisas importantes. Não me estou a referir a nomes, caras ou onde pus as chaves, por muito importantes que possam ser na vida diária. Estou-me a referir às verdades fundamentais da existência, tais como a impermanência e a frágil incerteza da nossa vida. Tanto das nossas ações e palavras mais disparatadas se fundamentam na sensação instintiva de que nunca morreremos. A imortalidade física é tão obviamente impossível, que não precisa de qualquer debate. Mas esquecemo-nos da nossa mortalidade, vezes e vezes sem fim. Raramente as nossas ações são a expressão da consciência de como as coisas são. É mais frequente sermos levados pela corrente da ignorância. Por vezes viramos as costas deliberadamente às verdades desconfortáveis. Mas o mais frequente é esquecermo-nos simplesmente. E é por isso que a prática budista enfatiza tanto o mindfullness.
A prática de mindfullness é uma prática para lembrar. Implica desenvolver a capacidade de manter em mente as simples verdades da vida, e consentir que elas informem a maneira como vivemos. Isto quer dizer, relembrar o contexto mais alargado da nossa experiência vivida sob as pressões, expectativas e tentações da vida diária.

5/9/2019
Na Tailândia é muito comum, para os mosteiros da tradição de Ajahn Chah, fazer um acordo com os hospitais locais para grupos de monges poderem assistir a autópsias. A experiência é muito forte, e pode ter um efeito galvanizador na prática de meditação dos monges, especialmente na contemplação do corpo. As visões e os cheiros deixam impressões prolongadas. Muitos médicos são praticantes apurados do Budismo. Mas muitos não o são. Na verdade, são muito poucos os patologistas que conseguem, pelo seu trabalho com os corpos, buscar um significado mais profundo na vida e na morte. É evidente que a proximidade com a velhice, doença e morte não desperta, só por si, a mente. Tem de existir uma disponibilidade e uma abertura para aprender com a experiência. Muita gente bloqueia as mentes e adormecem-nas no sentido de evitar verdades difíceis. Muitas outras adotam crenças confortáveis; outras – e isto tem sido sempre uma verdade para os soldados e estudantes de medicina – usam o humor para disfarçar a verdade. Como estudantes do Budismo temos de ser suficientemente corajosos, para abrir os olhos e permitirmo-nos tirar uma lição profunda daquilo que vemos.

Ensinamentos de Ajahn Jayasaro, monge budista da tradição Theravada, através do WhatsApp, traduzidos por Helena Gallis.





   


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