Fundação Maitreya
 
O Rosto e a Obra

de Maria Ferreira da Silva

em 31 Jan 2021

  "O Rosto e a Obra", que consta de entrevistas a vários autores realizadas por António Paiva, inserem-se agora em livro e dada à estampa pela Espiral. Realizadas em 2014 foram revistas e actualizadas para esta obra, da qual destaco alguns autores: Maria J. Costa Félix, Manuel J. Gandra. José Manuel Anes, Vera Faria Leal e Pedro Teixeira da Mota. No Prefácio de António Paiva pode-se ler: Com este projecto pretendemos divulgar a obra de autores nacionais na área da espiritualidade e, também, trazer à luz aspectos menos conhecidos dos seus percursos individuais. Dúvidas, inquietações e anseios. Pessoas e movimentos que conheceram e marcaram. Outros países que os acolheram e influenciaram. Propósitos e missões a que se entregaram de corpo e alma. Reflexões sobre a vivência da espiritualidade nos tempos que decorrem e no país que habitam. Enfim, de que forma os seus destinos forma sendo construídos.

AP – António Paiva
MFS – Maria Ferreira Silva

AP – Boa tarde Maria muito obrigado por ter acedido ao nosso convite para participar nesta série de Entrevistas, O Rosto e a Obra.
A Maria está desde cedo ligada à espiritualidade e é autora de um conjunto vasto de obras sobre esta temática em geral e nalguns casos sobre a espiritualidade em Portugal. Temos aqui exemplares e já é um número considerável de obras. Um esforço também considerável de escrita e, com certeza, um labor profundo de trabalho interior.
Como é que tudo isto começou. Começou cedo e com que idade?
Posso falar de si como uma mística ou uma esotérica?

MFS – Não tanto esotérica, mais uma espiritualista, uma mística também.

AP – Faz sentido afirmar através num contacto directo com o Divino?

MFS – Sim foi essa a busca e o encontro.

AP – E foi assim que as coisas começaram na sua vida. Com um contacto directo?

MFS – Sim, prematuramente. E em relação à leitura também. Não na escrita, porque não tive qualquer inspiração, nem intuição de que algum dia fosse escrever.
Mas a sede de conhecimento começou muito cedo. Lembro-me que, e talvez fosse este o meu primeiro êxtase, quando percebi que sabia ler. Recordo que fui de noite à festa de S. João com os meus pais. Estava a começar a soletrar as palavras, e quando vi os letreiros luminosos soletrei e consegui ler a palavra toda. Fiquei feliz. Eu já sei ler!
A minha sede de conhecimento manifestou-se na leitura. Não parei mais e já na minha adolescência lia Eça de Queiroz e Júlio Dinis. Enfim, alguns autores que só mais tarde os adolescentes habitualmente liam, por imposição escolar.

AP – E houve algum autor que a tenha marcado nessa época?

MFS – Talvez o Júlio Dinis. Também gostava do Bocage. Mas o relevante era a sensação de uma busca. Mas essa busca manifestava-se na leitura e não na escrita. Curiosamente, não tive apelo para a escrita a não ser por volta dos meus dezasseis anos, em que comecei a escrever poesia, mas só poesia, de resto não tinha mais inspiração.

Na realidade não tinha ainda despertado para uma espiritualidade consciente, mas desde os meus seis anos de idade, lembro-me de quando ia para a escola, tinha experiências, realmente transcendentes com Jesus. Por isso não me importo que me chame mística.

AP – Desde tão cedo!

MFS – Sim, com seis anos. Eu ia muitas vezes sozinha para escola, porque naquela época podíamos andar sozinhos e, recordo-me dessas fortes experiências espirituais e de me sentir acompanhada

AP – E sempre as identificou como sendo Jesus?

MFS – Sempre. Houve uma altura em que fui a um sítio no Gerês e fui espreitar uma das várias capelas, dedicadas à vida de Jesus na sua ida para o Calvário.

AP – Deve ter sido na Peneda, perto de Castro Laboreiro. Eles têm os Passos do Senhor?

MFS – Talvez e então quando espreitei, do coração de Jesus saiu uma bola direita ao meu coração e senti uma expansão de amor indescritível. Ficou presente na minha infância toda. E quando me lembrava voltava a ter esse mesmo êxtase.
Só mais tarde vim a perceber o que se passava quando, já numa espiritualidade consciente começo a ter novamente esses estados. Só então é que percebi o que me tinha acontecido em criança e os identifiquei com o samadhi, das filosofias da Índia. Convém explicar que as experiências de que falo, não são emoções, são ligações espirituais da Alma ou Consciência a planos superiores e marcam, obviamente, o caminho de quem as realiza. São impulsos para expansões de Consciência, que gradualmente, levam à integração no Divino.
Por conseguinte eu já vinha nesse estado místico de ligação com o Divino. Considerava esses estados normais e nunca falava deles porque pensava que toda a gente os tinha. Isso marcou-me bastante. Eu era muito, muito feliz!
Tive uma infância muito feliz, também com os meus seis irmãos e os meus pais, que eram bons educadores. Eramos uma família unida e muito harmoniosa no viver, todavia essa minha experiência espiritual também me preenchia bastante. Não era só a família onde eu estava inserida.
Entretanto começo a crescer, entro no liceu e esfumam-se um pouco essas experiências. Dilui-se, nesse sentido o contacto mais directo com Jesus. Até porque havia mais coisas para ocupar o meu tempo. Também começaram os namoricos aos catorze anos e acabo por me desligar um pouco dessa espiritualidade, no fundo tão nato que estava em mim
E acabo por casar e ter filhos.

AP – Casa com que idade?

MFS – Dezanove.

AP – Bastante cedo!

MFS – Na verdade, tudo muito cedo. Nessa altura, para mim, a felicidade era de facto a família e a minha espiritualidade era essa. Dedicar-me o mais que pudesse à família e dar o máximo que podia de mim. É depois mais tarde, que eu entro de novo para a espiritualidade, então de uma forma consciente

AP – Mais ou menos com que idade?

MFS – Aos vinte e nove anos. Já tinha três filhos. O mais novo tinha talvez uns cinco anos. Mas há um chamado nítido que até é em sonho, onde eu vou à Não Existência e volto dessa vivência completamente surpreendida com o que me aconteceu do outro lado, porque de facto eu não existia. Tinha estado numa união tal, que eu não era eu, era essa união e nessa união eu não existia como ser.
E quando acordo tenho dificuldade em me situar no mundo quotidiano, na família. E questiono-me, se eu sou feliz com a minha família, porque é que isto me acontece? Porque é que eu desejava ter ficado lá e não ter voltado? Estive num sítio fabuloso onde eu não existia? Se isso era a felicidade suprema porque é que voltei?
E, nessa altura, durante uma semana estive a tentar situar-me, no sentido de compreender a experiência. E esse foi o chamado, pois a partir daí senti que algo faltava. Até ali não, mas esse chamado da não existência começou a trabalhar... Ficou, assim, marcada na minha vida esta viragem para a espiritualidade mais consciente.
Porque na espiritualidade estamos todos!
Contudo, o caminho espiritual faz-se sendo consciente dele. Quando nós agarramos na vida e queremos essa independência para fazer um percurso pessoal e, no fundo único. Cada pessoa um dia o fará.
Não sou eu que decido que as coisas têm de acabar, mas esta experiência vai lentamente, trabalhando no meu interior. Há um processo que se vai fazendo, sendo eu ainda um pouco inconsciente de que ele estava a processar-se. A certa altura, até sinto que precisava duma ajuda e vou a um Centro Espírita. Aí é-me fornecida muita leitura. Foi lá que conheci a Blavatsky, o Hinduísmo, o Budismo e tudo me faz sentido.
A leitura que eu sempre precisei em criança, nunca a tive. Lia porque tinha sede de conhecimento, mas no fundo essa leitura mais espiritual não a tinha e quando a encontrei, disse, é isto que eu quero. É aqui onde estou bem situada.
E ao estudar o Budismo e o Hinduísmo, por exemplo, achei tão lógica e tão natural a reencarnação. Mas porque não! Isto deve ser mesmo assim. E a partir daí nunca mais deixei de ler, estudar e praticar.
Foi no Centro Espírita, que, curiosamente, aprendi a meditar. Eles tinham uma secção esotérica onde, um dia por semana, algumas pessoas se reuniam para meditar.
Foi aí também que conheci algumas pessoas interessantes. Os meus valores e ideais alteraram-se e mudou também a minha vida em família.
O casamento acabou por se desfazer. Mas ainda durante o casamento, comecei a estudar. Interessei-me pela astrologia, principiei a pintar e encetei também essa comunicação com os Mestres de que tanto falo nos meus livros. No fundo é a Sociedade Teosófica que nos fala deles, que nos traz esse conhecimento.

AP – Os Mestres mostraram-se no início da sua vida, provavelmente na relação mística com Jesus aos seis anos. E depois, quando é que voltaram a manifestar-se e a proporcionarem-lhe um ensinamento directo?

MFS – Foi quando comecei a meditar, a ler e a ter conhecimento de que eles existiam. Sentia que existia algo ou alguém para além de mim, uma energia que me estava a ajudar.

AP – Mas que falava consigo em particular, individualmente?

MFS – De forma individual sim, mas telepaticamente. A única comunicação que tenho com eles é uma comunicação telepática.
Eu nunca fui médium. No Centro Espírita ajudava os médiuns a perceberem que havia entidades que precisavam de ajuda, mas nunca fui médium, portanto ajudava-os

AP – E onírica também, pelo que já referiu?

MFS – Em sonhos também. Eles davam-me muitas directrizes dessa forma.
Mas como tomaram conta de mim durante muitos anos, protegendo-me e ensinando-me na própria caminhada espiritual, desenvolvi com eles uma forma telepática, cada vez mais perfeita, no sentido de perceber o que me queriam comunicar.
Porque eu não recebia mensagens para transmitir, recebia-as para mim, para o meu próprio caminho. Até mesmo algumas mensagens que eu tenho deles nos livros foram sempre no sentido de eu ir pesquisar e trabalhar o tema transmitido.
Houve também todo um trabalho intelectual e de inteligência da minha parte. Eles não davam tudo de mão beijada.
Eu dei-lhes muito trabalho, porque tive muitas dúvidas sobre se estava a ser bem conduzida e a receber corretamente. Se era lógico e positivo ter algumas pessoas ou seres do outro lado a comunicar connosco. Só em determinada altura comecei a perceber que nós temos uma vida para além da vida física e que podemos comunicar com esses planos.

AP – Isso tem sido uma realidade constante na sua vida?

MFS – Sim, sim, sim. Começou a ser uma coisa normal na minha vida comunicar com os Mestres e ter as suas inspirações a minha vida. Porque eram eles que de facto me ajudavam.

AP – E teve algum Mestre em particular que a tenha acompanhado mais, ou tem sido um conjunto de hierarquias?

MFS – Por fases, tem sido por fases.
A Hierarquia no fundo manifestava-se quando eu estava a fazer determinado trabalho ou por etapas. Se eu precisava de passar por uma determinada iniciação, pequenas iniciações, ou pequenas etapas de caminho, podia ser acompanhada pelo Mestre Jesus, o Mestre Morya ou o Senhor Maitreya.
Por exemplo, quando estava para separar-me, não tinha muita força para o realizar, porque, embora percebe-se que havia um abismo no meu casamento, tinha pena de me desligar de uma relação de vinte anos de felicidade. O que é que eu ia fazer em relação às pessoas que sofreriam com isso, não só os meus filhos, embora eu fosse ficar com eles, mas o meu ex-marido. Isso era uma coisa que eu ponderava muito.
E nessa altura recebi muita energia dos Mestres, porque eu tinha mesmo de fazer essa separação.

AP – Isso não poderá também ser considerada uma pequenina iniciação?

MFS – Sim, nesse momento foi. No fundo, a vida exige uma superação constante de nós próprios. É tomarmos decisões e depois não olhar para trás para as decisões que tomámos e ter força e coragem para prosseguir.
Não é que me faltasse essa força e coragem, mas faltava-me o momento certo de decidir e aí os Mestres ajudaram-me bastante. Quando fraquejava tinha muitas visões da Estátua da Liberdade, pois a liberdade era necessária para que eu pudesse fazer uma caminhada espiritual mais consciente.
No fundo, fazer aquilo que os Mestres diziam que eu devia fazer, ou queriam que eu fizesse.

AP – E que era?

MFS – Engloba múltiplos aspectos; escrever livros e, já agora, divulgar a espiritualidade em Portugal, não só através da escrita, mas de forma directa com os outros, principalmente em palestras, retiros de Meditação, mas também viajar.

AP – Já voltaremos à espiritualidade em Portugal, que vai ser um tema central nesta nossa conversa.
Mas essa caminhada espiritual interior teve também um reflexo numa caminhada espiritual neste planeta. Percorreu vários sítios. Foi levada até eles. Houve contactos que foram necessariamente feitos nesses locais e que não poderiam ter sido feitos se não fosse lá?

MFS – Sim, porque há mesmo locais especiais.

AP – Com certeza. Quer destacar alguns desses percursos que tenha feito?

MFS – Depois de ter arrumado tudo, estar com uma vida mais independente e os meus filhos também terem feito decisões importantes, os Mestres mostraram-me que poderia ser monja, retirar-me do mundo e que havia um mosteiro em Inglaterra para onde eu poderia ir.
Fiquei contentíssima porque era uma oportunidade única de me dedicar à minha vida espiritual. Os meus filhos compreenderam a minha decisão. Tive sempre a compreensão deles. Com isso nunca tive problemas.
Mas os Mestres não me contaram tudo, disseram apenas que era uma linha do Budismo, em Inglaterra e que era um mosteiro misto. E eu, sem conhecer mais nada e quase sem saber inglês, meti pés ao caminho e fui à Buddhist Society, onde me informaram que existia esse mosteiro e que se chamava Amaravati. Aquilo foi como música no meu coração. Aquele era o nome que eu procurava. E a partir daí fiz um desapego às minhas coisas. Desfiz-me de tudo e fui para Inglaterra. E é daí, que depois nasce o meu primeiro livro, “Maitreya Vem Com A Ordem Espiritual Portuguesa - Ordem de Mariz”. Nele narro o meu começo de vida com os Mestres. Como me apareceram e como me relaciono com eles, numa espiritualidade já mais profunda e consciente e depois porquê que eles me mandam ir para Inglaterra.
E, como em tudo na minha vida, quando decido uma coisa, decido-a profundamente, independentemente, se depois a vida evoluir noutras direcções.
Decidi que me casaria para a vida inteira, o que afinal não foi. E também o ser monja, senti que era uma opção para vida inteira e afinal não foi.
Ainda bem que eu faço isso, porque assim uma pessoa entrega-se totalmente à situação e só a partir daí é que pode viver as coisas intensamente.
Se estamos com um pé em cada lado, a pensar eu estou aqui a fazer o quê, se calhar não é para estar cá, não vamos a lado nenhum.
Eu mergulhei profundamente. E foi muito importante. Foi o princípio de uma missão, de que no fundo, também faz parte o ter estabelecido em Portugal, mais tarde, um Mosteiro Budista Theravada. Na altura não sabia que essa era uma das partes da minha missão.
Amaravati foi uma experiência única e muito boa no Budismo, contudo os Mestres Jesus, Morya e o Senhor Maitreya fazem parte da minha vida no dia-a-dia, todo o tempo, mas em Amaravati eu nunca falei sobre isso porque, naquele momento eu era apenas budista.
Contudo, ao final de meses, eu saio, porque tinha de sair. Os Mestres começaram a dizer-me que eu tinha mesmo de sair.
No entanto eu sentira-me tão bem lá, que achava que em Portugal fazia falta uma instituição destas. Perguntei então ao fundador destes mosteiros, Ajahn Sumedho, se era possível instituir um mosteiro em Portugal. Ele disse-me, que não tinha possibilidades, porque tinham poucos monges e naquele momento estava a designá-los para outros países onde já havia grupos de pessoas interessadas no Budismo.
E eu fiquei à espera, se calhar inconscientemente à espera que um dia isso fosse possível.
E voltei para Portugal para continuar a minha caminhada espiritual, que nesse momento passava por escrever e também divulgar os meus livros e dessa forma ajudar outras pessoas na sua caminhada, porque há vinte anos, pouco se fazia.
Hoje já há muita gente, como sabe. Dá-se aulas de meditação, dá-se aulas de tudo e mais alguma coisa, mas naquela altura não, era muito mais restrito. Portanto as palestras que comecei a dar e a falar sobre meditação, eram de facto quase uma novidade.
Havia já na altura a União Budista, mas à parte disso, poucas pessoas se aventuravam de facto a conhecer as filosofias da Índia ou do Budismo e a transmitir o seu ensinamento.
Havia o Pedro Teixeira da Mota, que já conhecia e que estava nesse percurso e já tinha ido à Índia também. Quando ele voltou começou a dar aulas de Yoga.
Pouco tempo depois da publicação desse primeiro livro, recebo a indicação dos Mestres de que devo ir ao Tibete e dessa viagem nasce o livro “O Avatara”. Que é escrito por várias fases, porque no fundo é um diário que vou fazendo e do que me leva ao Tibete, onde tomei conhecimento de algumas coisas sobre a missão e a espiritualidade portuguesa.

AP – É no Tibete que lhe é revelado algum do sentido oculto de Portugal e da sua espiritualidade?

MFS – É sim e do futuro de Portugal que depois vou contando nos livros. Não está tudo condensado num livro só.

AP – Mas é no Tibete que tem essas primeiras revelações?

MFS – Sim é no Tibete que tenho essas primeiras revelações.

AP – E que depois continuam ao longo da sua vida?

MFS – Sim, sim.

AP – Mas há um núcleo central de comunicação que lhe é dado nessa altura sobre a missão de Portugal?

MFS – Sim, nessa altura há esse núcleo central que constitui o Avatara, onde condensei toda a minha experiência e a vivência que tive nas várias idas à Índia e ao Tibete.
Ele é baseado mais sobre a minha preparação para entender de facto, quem é esse Avatara e o que é a evolução em Portugal, e como as pessoas deviam fazer essa evolução.
Claro que a evolução e a missão de cada um em Portugal é trabalhar interiormente.

AP – Mas essa é a missão em qualquer parte do mundo. Em Portugal ou noutro sítio qualquer?

MFS – Sim, claro.

AP – Então, no seu entender daquilo que lhe foi dito, qual é a especificidade de Portugal?

MFS – Há uma Ordem que eu chamo de Ordem de Mariz e que toda a gente conhece e que acaba por estar por detrás da fundação de Portugal, já com D. Afonso Henriques.
Existe uma ligação espiritual para que Portugal seja fundado. A nossa história está repleta de episódios interessantes e místicos e ao longo dela também há pessoas, personagens que se destacaram, como o Rei D. Diniz e a Rainha D. Isabel, entre outros. Depois a Ínclita Geração e todas essas demandas para a Índia e para o resto do mundo.
Eu já falei tanto sobre a missão de Portugal.
Mas a missão de Portugal é feita por todos, não é feita só por mim. Eu alertei, fiz um alerta. É como se as pessoas estivessem adormecidas e tivessem medo. Percebi que eu tinha de dar a cara e assim o fiz. Fui corajosa, comecei a escrever sobre as minhas experiências há já vinte tal anos. Poucas pessoas o faziam.

AP – Deu a cara, mas tinha sido incumbida também dessa missão e que fazia parte do seu caminho o alertar para estes factos.

MFS – Sim, e também trazer o Oriente para cá. O Hinduísmo, o Budismo, a Meditação. Tudo isso é fundamental, porque os meus estudos são todos baseados nessa temática das filosofias orientais.
Eu não posso afirmar que tenho uma coisa ou um tema, ou algo que seja único duma missão em Portugal.
Fui percebendo o que era essa missão em Portugal, porque conforme fui fazendo o meu percurso, também fui trabalhando o meu interior e fui tendo mais consciência do meu papel aqui. Não do meu papel como ser especial para salvar o mundo inteiro ou salvar Portugal. Não, eu nunca tive essa presunção. Isso nunca fez parte de mim. Até porque falo do Avatara. É ele que vem salvar. Se houvesse alguém que viesse salvar seria ele. Mas também não é isso. Um Avatara vem com um estado de consciência superior que vai ajudar também à evolução portuguesa, mas não quer dizer que ele venha salvar alguém. Todos percebemos que se não nos salvarmos a nós, ninguém se salva. Não temos ninguém que o possa fazer por nós. Portanto, tudo isto é um contexto que é muito lato, muito vasto. Para mim, era necessário e importante, situar-me em Portugal e saber o que é que eu estou a fazer aqui.

AP – E o que é que os portugueses estão a fazer no mundo?

MFS – Poucas pessoas sabem o que estão a fazer no mundo. Há pessoas ainda à procura de algo muito especial para fazer e não é isso. A missão de cada qual não é essa. A missão de cada um é ser cada vez mais consciente e alcançar a unidade. Ter a unidade com o Divino. Esse é o propósito fundamental da nossa existência. Diz-se que todos devem conhecer-se e fazer o seu trabalho interior, mas poucas pessoas o fazem.
Logo, eu não trouxe nada de extraordinário, mas se calhar trouxe algumas coisas importantes, ferramentas que as pessoas pudessem usar, como as filosofias da Índia e a meditação. Mas não tenho nada, algo que diga, é isto que vai fazer mudar os portugueses. Ninguém, ninguém pode fazer isso.

AP – No entanto há momentos históricos e há personagens históricas que são determinantes na vida de uma nação. Nós tivemos vários?

MFS – Mas eu estou a falar a nível espiritual.

AP – Também eu estou a falar a nível espiritual que muitas vezes se manifesta materialmente, dado que a nossa vida é aqui encarnada, é esta a que estamos a dar voz.
E nestes tempos actuais em Portugal, faz falta alguém que nos inspire, alguém que nos catalise, alguém que nos desperte ou que nos ajude, se quiser, enquanto nação a trilhar novo rumo, ou isso foram águas passadas e agora já não há ninguém em especial para vir e será um colectivo que terá de se manifestar?

MFS – Acho que são as duas coisas. Primeiro temos de trabalhar, ser mais conscientes e trabalhar sobre nós e com os outros. Isso é fundamental. E depois, se houver alguém que de facto venha trazer algum sinal…

AP – Como sabe, nós temos muito esse mito, com o D. Sebastião.

MFS – Alguém mais avançado, penso que sim, mas quando houver a preparação interna de cada um para o poder conhecer.
Repare, o Cristo veio há dois mil anos e ninguém o reconheceu. A realidade é esta. Era um Avatara, mas os próprios discípulos não o reconheceram. O povo judeu não o reconheceu, ele foi sacrificado da forma que foi.
Por isso, se de facto vier alguém ajudar, seja aos portugueses, seja ao resto do mundo, se as pessoas não forem conscientes e não reconhecerem esse ser, também ele pouco poderá fazer.
Mas eu não estou muito envolvida com esse tipo de ser que é um Salvador. Para mim, é mais uma pessoa que pode dar um exemplo a seguir.
Agora, o que lhe digo é que nos últimos vinte tal anos, Portugal teve uma abertura imensa. Há muita coisa que já se fez, muita coisa foi feita. E há tanta gente, hoje em dia desperta espiritualmente.
Hoje até os miúdos de vinte e trinta anos, têm muita coisa que nós, eu por exemplo não tinha. Eles hoje encontram muitos apoios, muita leitura. Muitos pais já estão envolvidos numa certa caminhada.
Portanto, Portugal despertou.
Não sou apologista que vai acontecer uma coisa de repente, e que subitamente as consciências se alterem.
Não, não pode ser, porque a evolução é lenta. Mesmo o nosso cérebro tem de ser preparado para determinados eventos, para certas experiências, até espirituais, porque senão o nosso cérebro não aguenta.
Psiquicamente, não iríamos suportar. Cognitivamente também não. Portanto, nós temos de fazer esse trabalho interno de espiritualidade e de interiorização. Utilizando fundamentalmente a grande ferramenta que é a meditação. Então, gradualmente, vamos evoluindo também o cérebro

AP – Para si, uma das ferramentas fundamentais para o trabalho espiritual é a meditação?

MFS – Sim, sem dúvida. É mesmo.

AP – Seja qual for a forma que assuma?

MFS – Hoje em dia a meditação está muito divulgada e está muito em moda.
Mas meditação mesmo é a meditação do Yoga, doutrina inserida no Hinduísmo, ou do sistema do Budismo. Yoga é todo um sistema de práticas, onde a meditação é fundamental
Esta meditação do autoconhecimento e de auto-realização, provém do Hinduísmo. Não é aquela meditação que por vezes as pessoas fazem para relaxar. Isso não leva a nada.
A meditação é uma ferramenta, um meio. Para já, a meditação é uma forma religiosa de o ser humano se entender nas próprias religiões.
Repare, cada ser humano, é no fundo bastante religioso em si.
Mesmo que não pertença a uma religião, tem algo que ele sabe que existe para além dele, nem que seja ateu. Sabe, no seu íntimo, que qualquer coisa superior existe.
A meditação é de facto uma prática religiosa, uma prática que nos leva numa caminhada para o conhecimento do Divino. Se não é feita com esse objectivo, praticada apenas para relaxar, não tem sentido. A pessoa não vai ter benefício algum. Vai andar alguns meses, um ano ou dois e depois percebe que não resultou. Está num vazio, não tem nada.
Há, pois, que pegar na meditação e trabalhar a nossa mente, purificando-a de várias formas, através de variadas práticas, como o autoconhecimento. Consciencializarmo-nos do que temos dentro de nós, se ainda temos algumas coisas para limar, como raiva, frustrações.
Os seres humanos têm muitas emoções e essas emoções podem mesmo afectar o cérebro e, portanto, também nos afectar o coração, bloquear-nos.
Temos de fazer uma caminhada no sentido dessa purificação. Ficarmos com a mente cada vez mais clara, para a conseguirmos dirigir. Educá-la no sentido de a levarmos à mente divina.
É este o sentido da meditação. Infelizmente a maior parte das pessoas não o entende assim. E eu ensinei muito isto.

AP – E nestes últimos tempos, já não tem ensinado assim tanto?

MFS – Não tanto, contudo ainda agora realizei um retiro de meditação de quinze dias. Fiz também workshops e palestras, mas durante sete anos, desde 2007, estive mais dedicada a estabelecer o Mosteiro Theravada, em Portugal.
Até aí fui tendo um trabalho sempre com os Mestres, de interiorização, de isolamento, com muita meditação e estudo, que me permitiu atingir uma certa estrutura espiritual, que me fez sentir mais segura, mais conhecedora daquilo que eu tinha de realizar e surgiu então a oportunidade, que há vinte anos esperava. Fundar em Portugal um Mosteiro Theravada.
Dediquei-me então durante esses anos a esse projecto e foi como se eu me tivesse ocultado. Não me promovia. Fui escrevendo, mas não com a assiduidade com que costumava fazer, fui-me escondendo atrás do projecto. Foi necessário trabalhar muito, mas finalmente eles estão cá. Está estabelecido e agora posso dedicar-me mais à escrita e àquilo que eu quero

AP – Que é?

MFS – A minha criatividade é o mais importante e, portanto, para além da escrita, na expressão do pensamento, a pintura é também um modo de expressar o interior através da beleza das cores. Nesta duas modalidades estou sempre a trabalhar, bem como, dispenso algumas horas por dia à Meditação. Desenvolver outras actividades, naturalmente dependerá das oportunidades que se apresentarem.

AP – Ainda não sabe?

MFS – Não, estou em aberto. Organizo Retiros quando me pedem. Vou escrevendo os livros. Não está ainda nada para sair, embora tenha um livro em preparação sobre Indianismo e, tenho o site que alimento com artigos e crónicas.
Mas acima de tudo, sinto-me livre. Sinto-me bem. Sinto-me realizada no sentido de me conhecer. Estou resolvida comigo própria. Não tenho nada que eu queira. Procurei, e o que procurei alcancei. Foi a minha união com o Divino ou Deus e é onde eu estou e onde sou feliz. Estou feliz onde quer que seja. Se for preciso fazer alguma coisa, o farei.

AP – O advento do Espírito Santo faz sentido para si? Uma comunicação interior de comunhão, embora comunhão de diferenças. Faz sentido trabalharmos nesse sentido? Dado que cada país é uma entidade espiritual com alguma individualidade, terá o Espírito Santo a ver connosco, com a alma portuguesa ou não?

MFS – Mas o Espírito Santo tem a ver com cada qual.
Cada pessoa é que pode sentir se está nessa relação com o Espírito Santo.
O Espírito Santo também tem a ver com aquilo, que no Hinduísmo se fala como Kundalini. A energia que sobe através da coluna vertebral e que pode fluir até à cabeça, deixando também as pessoas mais lúcidas e aptas a realizar essa comunhão
Se uma pessoa está mais aberta, mais sensível, mais lúcida, também pode captar melhor as forças e as energias que vêm de cima, do Espírito Santo, embora haja outras energias também.
Nós estamos muito ligados à tradição do Espírito Santo. Mas não acredito que este desça sobre as pessoas e que as transforme, como disse há bocado, …

AP – Por obra e graça do Espírito Santo…

MFS – Exactamente. Que haja uma iniciação colectiva assim tão contundente, tão forte, tão visível. Acho que não.
A minha caminhada de facto deu-me esse entendimento de que o caminho espiritual é interno, é um esforço de cada um. Se estamos à espera de algo que venha de fora e nos leve para o divino, isso é esperar em vão, porque de facto nós temos de trabalhar e temos de assumir. Assumir a nossa independência e responsabilidade, assumir o nosso caminho de uma forma corajosa.

AP – Essa seria a mensagem que nos deixaria no fim desta entrevista. Que o trabalho é para ser feito por cada um, já, imediata e diariamente.

MFS – Sim, não perder um minuto. Começar já.
Queria agradecer esta oportunidade. Tive muito prazer em estar aqui a conversar embora pouco falássemos sobre os livros.

AP – Mas conversámos muito sobre o caminho, e sobre o fulcro do trabalho espiritual que reside em cada qual e não da espera de uma intervenção divina que nos salve.

MFS – Ela está lá à espera que cada um faça o seu trabalho.



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Esta entrevista foi filmada em 2014. Agora, ao transcrevê-la para livro em 2020, pedimos a todos os entrevistados se gostariam de acrescentar ou de alterar algo

MFS – Na sequência da conversa sobre o futuro, de certo modo, prevalece a ideia de que o importante são as acções para o exterior, mas eu valorizo mais as acções internas. Depois de alguns anos a liderar o Projecto do Mosteiro foi fundamental parar. Contudo, o parar não significa ficar quieta, inactiva, mas foi a oportunidade para me recriar de forma interna, mais profundamente, e isso foi gratificante.
Contudo, o trabalho existiu sempre e o livro sobre Indianismo que preparava, já há anos foi publicado em 2016, com o título, “A Escrita Perfeita” – Pequeno Dicionário de Sânscrito, pela Publicações Maitreya.
Entretanto, preparei a terceira edição, novamente paginado e com correções do “Tratado de Meditação – Os Yoga Sūtras de Patañjali”, que saiu no início de 2020.
Também o livro “O Avatāra”, que foi uma das minhas obras de maior sucesso, mereceu ser traduzido para inglês e editado devido a um patrocínio, mas com a chancela de Publicações Maitreya. Encontra-se, também online na Amazon, bem como outros títulos já traduzidos para inglês, tais como “O Silêncio”, “A Expansão Cósmica da Luz”, e “Maitreya vem com a Ordem Espiritual, de Mariz”.
Fiz algumas palestras e ainda viajei. Não obstante, para quem precisa espiritualmente do meu apoio, estive e estou, sempre disponível.

Esta obra encontra-se disponível na Livraria Espiral

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BIOGRAFIA
Nascida em 1946, no Porto.
Autora da Coleção "Missão Lusa" de Publicações Maitreya.
Tem várias obras literárias publicadas de temáticas que resultam das suas investigações nas áreas das Religiões e Filosofias Ocidentais e Orientais, bem como do estudo científico sobre o efeito benéfico da Meditação no cérebro.
Das longas viagens pelo Nepal e Tibete, permaneceu na Índia de onde resultou uma parte dos seus estudos sobre Indianismo. Orienta Cursos, Retiros de Meditação e Workshops e participa em conferências e palestras sobre Espiritualidade.
Além das obras editadas na Editorial Minerva e na Editora Publicações Maitreya, colaborou noutras publicações, tais como "Os Evangelhos 2005 Comentados" de Edições Firmamento e “O que é para ti o amor", da Editora Pergaminho.
Estabeleceu em Portugal o "Budismo Theravada da Tradição da Floresta", da linha dos Mosteiros de Ajahn Chah da Tailândia. O Mosteiro em Portugal com o nome "Sumedharrama" encontra-se na zona da Ericeira.

OBRAS PUBLICADAS
A Célula Divina - Que contém a memória de Deus
A Escrita Perfeita – Sânscrito
A Eterna Sabedoria
A Meditação e os Benefícios na Saúde
As Iniciações
As Iniciações e a Expansão Portuguesa
Folhas de Luz - Antologia
Guia de Meditação – A Meditação e o Equilíbrio Interior
Maitreya Vem Com A Ordem Espiritual Portuguesa - Ordem de Mariz
O Avatara
O Silêncio
Pétalas – Reflexões Espirituais
Tratado de Meditação - Baseado nos Yoga Sūtras de Patañjali
   


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