Fundação Maitreya
 
Versos de Ouro de Pitágoras

de Pedro Teixeira da Mota

em 02 Abr 2006

  Embora não seja da autoria directa de Pitágoras, que terá vivido entre 580 e 507 a.C., esta espécie de cartilha moral dos pitagóricos, atribuída ao seu discípulo Lísias, mas redigida já perto da época do nascimento de Cristo, atravessou os séculos e foi muito valorizada e comentada não só por reflectir os ensinamentos da escola pitagórica, como por ser uma escritura sagrada da sabedoria antiga.

PitágorasIntrodução

O ensinamento de Pitágoras, embora manifestado na história através de uma comunidade viva, em muitos aspectos continua a ser um mistério, pois tanto muitos dos livros escritos sobre ele desapareceram, como também a regra do silêncio ou do segredo impedia que os não iniciados soubessem o significado de certas injunções, símbolos ou mesmo doutrinas. Assim o que transpirou para fora da vivência e conhecimento dos membros da fraternidade é pouco e reduz-se ao que as biografias tardias de Pitágoras nos dizem ou o que os Versos de Ouro consignaram.
Sabemos que a fortuna viva foi de curta duração e que as comunidades principais no sul da Itália, a Magna Grécia, tal a pioneira de Crotona fundada por Pitágoras e centro do seu magistério após as muitas viagens por ele realizadas, foram arrasadas por um movimento político de revolta contra a sabedoria e modo de vida pitagórico, com a morte mesmo de alguns discípulos e o desaparecimento de Pitágoras.
Mas não só os testemunhos dos filósofos posteriores que referiram ou se dedicaram mesmo a estudar o pitagorismo, ou não fosse Pitágoras o primeiro a inventar tanto a palavra Philosophia, amor da sabedoria, como Kosmos, ordem e ornamento, mas também uma tradição contínua de seres que se consideraram pitagóricos, manteve a chama alumiada pelo mestre, derramando-se mesmo bastante a sua luz em épocas cruciais como em Roma na entrada na era cristã, ou ainda na Europa do Renascimento.
Das teorias e práticas mais espirituais de Pitágoras apenas antevemos aqui algumas, tal a da adoração da Fonte do Universo, a veneração da hierarquia dos grandes seres, mestres, anjos ou deuses, a valorização da bondade e da luz interiores, o cultivo do equilíbrio, da amizade e do discernimento, uma alimentação e modo de vida puros, o domínio das paixões, a existência de entidades e forças adversas subtis, a revisão do dia, a criação dum corpo subtil imortal e a ascensão ao mundo espiritual.
Abramo-nos então à tradição pitagórica, ainda hoje viva, e oiçamos os

VERSOS DE OURO DE PITÁGORAS

«Honra em primeiro os Deuses ou Espíritos imortais, de acordo com o grau que a Lei dá às suas hierarquias.

Respeita com igual observância o Juramento Sagrado; depois venera os Heróis cheios de bondade e de luz.

Honra os Daimons (espíritos) da terra, dando-lhes o culto devido.
Honra com semelhante obséquio a teu Pai, e a tua Mãe, e aos teus parentes mais chegados.

Entre a multidão das outras pessoas, tu com a tua virtude faz-te amigo de todo aquele, que por ela mais se distingue.

Cede sempre às suas brandas advertências e relevantes acções. E não te ponhas logo, por qualquer leve falta, mal com teu amigo, em quanto puderes; porque o poder mora junto da necessidade.

Sabe pois que assim te incumbe observar estes preceitos; mas vai contraindo o hábito de vencer as paixões.

E primeiro que tudo o da gula, e o do sono, e também os da concupiscência,
E da ira. Nem jamais cometas acção alguma torpe, nem com outrem. Nem contigo só em particular; e sobretudo tem pudor de ti mesmo.

Em consequência disto, assim nas tuas acções, como nas tuas palavras, acostuma-te a praticar a justiça, e a não te portares em coisa alguma com imprudência.

Mas faz sempre esta reflexão, que decretado está pelo Fado a todos o morrer; E que os bens da fortuna se costumam efectivamente umas vezes adquirir, outras perder.

No tocante ao grande numero de misérias da vida, que os mortais padecem por Divina fortuna,
Já que é força te caiba deles por sorte alguma parte, sofre-as todas com ânimo resignado, e não te mostres impaciente.

O que porém te importa fazer, é sanear a quebra dessas desventuras, quanto estiver na tua mão; e nestes termos considera,
Que o Fado nem por isso permite que sobre as pessoas de bem venha grande tropel destas calamidades.

Ora ouvem-se fazer entre os homens muitos discursos, uns bons, outros maus;
Por cuja causa, nem te acovardes no exercício da virtude, nem te deixes acaso Apartar do teu modo de viver; mas se porventura for proferida alguma falsa proposição, Arma-te de paciência, usando com todos de brandura.

Cumpre à risca em tudo e por tudo com a máxima que te vou já inculcar: Ninguém te aPitágoras, obra de Rafaelrraste, nem por palavra, nem por obra de modo algum, a fazer, ou dizer o que te não é conveniente.

Consulta e delibera sempre antes de obrar, para que não chegues a pôr em execução algumas acções ineptas e temerárias.

Por quanto é de homem estouvadamente desgraçado não só agir, senão também falar, sem tento nem consideração.

Mas tu efectua sim coisas tais, que ao depois não te sirvam de tormento.
E não te ponhas a fazer coisa alguma das que não sabes; mas aprende tudo quanto cumpre saber, e deste modo passarás uma vida muito alegre e deleitosa.

Não é justo, quanto ao alimento do corpo, haver descuido na conservação da saúde dele; mas importa guardar uma justa mediania, tanto no beber como no comer, e nos exercícios.
Dou pois o nome de mediania a tudo aquilo que te não causar moléstia nem aflição.

Costuma-te por isso a ter um tratamento asseado e decente, mas sem delicadeza nem luxo.
E guarda-te muito de fazer qualquer daquelas acções que trazem consigo a repreensão e vitupério de todos os homens.

Não faças gastos fora de tempo, como quem está muito alheio do decoro; nem tão pouco sejas mesquinho. Por onde o meio termo em todas as coisas é óptimo.

Assim faz só aquelas coisas que te não prejudicarem, e considera-as bem antes de as pores em obra.

Nem dês entrada ao sono em teu lânguidos e cansados olhos,
Senão depois de examinares a consciência, discorrendo por cada uma das acções daquele dia:
Em que matéria transgredi? E que fiz eu? Que obrigação indispensável deixou de ser por mim cumprida?

E, começando desde a primeira, continua com o exame até à última de tuas acções; e depois
No caso que tenhas agido mal, repreende-te; e se bem, regozija-te. Nestas coisas trabalha, nestas medita, nestas convém que empregues o teu amor.

Todas elas te sublimarão a dirigir teus passos pelos sinais da virtude Divina.
Sim, eu to afirmo e juro por Aquele, que deu à nossa alma o conhecimento do Quaternário, Fonte da sucessiva natureza.

Mas põe só mãos a esta grande obra, depois de teres pedido aos Deuses que te ajudem a levar ao fim o que vais empreender. Tendo-te já prevenido e corroborado com estes requisitos,
Conhecerás tanto dos Deuses imortais, como dos homens mortais, a hierarquia, até onde não só cada um dos mencionados Entes se estende, mas ainda até onde se limita.

Conhecerás também, segundo a lei do Deus supremo, ser em tudo análoga a natureza; de maneira que nem tu virás a conceber esperança do que não é para esperar, nem para ti será incógnita coisa alguma deste mundo.

Conhecerás igualmente que os homens padecem os males, a que estão sujeitos, por sua própria escolha,
Desgraçados homens, que não reparam nos bens que têm à mão, nem ouvidos lhes querem dar; e assim poucos chegam a saber livrarem-se de seus males.

Tal é a sorte, que cega os entendimentos dos mortais; que por isso eles à maneira de cilindros rodam de uns para outros vícios, padecendo calamidades sem fim.

Por quanto aquele pernicioso combate, que a todos acompanha, e com todos nasce, é o mesmo que, sem eles por isso atentarem, os traz enfatuados e perdidos; combate que não convém atiçar, mas sim cada um fugir dele, cedendo à razão.

De quantos males por certo livrarias, oh Pai Soberano, a todos os homens, no caso que a todos fizesses conhecer de que entidades inferiores eles se servem!

Tu porém cobra grande ânimo, visto ser divina a prosápia dos mortais, a quem a sagrada Natureza, infundindo-lhas, manifesta cada uma das coisas respectivas ao próprio conhecimento.
Das quais se de algum modo te achas participante, chegarás a conseguir o pretendido fim das máximas que te prescrevo,

Depois de teres curado a indisposição das paixões, livrarás a tua alma de todos os trabalhos e moléstias.

Mas abstém-se dos alimentos, que nós temos proibido nas purificações,
E trabalha pela libertação da alma, discernindo e ponderando bem cada um destes preceitos,
Constituindo a razão mais adequada por cocheiro, para teres do teu nível superior as rédeas à carreira da tua vida.

E se depois de te veres já despojado do corpo, chegares à pura Região do etéreo assento,
Serás um deus (espírito) imortal, incorruptível, e nunca mais sujeito à lei da morte».

Versão de Pedro Teixeira da Mota, a partir dos textos em grego e português apresentados por alguns autores, como os de Luís de Azevedo, impresso em Lisboa, na Regia Oficina Typographica, em 1795.
   


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