Fundação Maitreya
 
Evangelhos 2005 Comentados

de Firmamento Editora

em 16 Jun 2006

  O Livro "OS EVANGELHOS 2005 COMENTADOS", da Firmamento Editora, publicado em Dezembro de 2004 contém os Evangelhos dominicais do ano de 2005, relidos e comentados por 61 pessoas com experiências de fé e de vida. Cada evangelho é comentado por uma pessoa cuja biografia, experiência interior ou religiosa justifique um encontro entre o texto bíblico e a sua experiência pessoal irrepetível e única.
Por amável cedência da Firmamento e a autorização dos respectivos autores, congratulamo-nos por esta possibilidade de editar no Spiritus Site alguns desses comentários, sendo este de José Sousa Machado.


A Ressurreição de Lázaro

Evangelho Jo 11, 3-7.17.20-27.33b-45
Naquele tempo, as irmãs de Lázaro mandaram dizer a Jesus: «Senhor, o teu amigo está doente». Ouvindo isto, Jesus disse: «Essa doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que por ela seja glorificado o Filho do homem».
Jesus era amigo de Marta, de sua irmã e de Lázaro.
Entretanto, depois de ouvir dizer que ele estava doente e ficou ainda dois dias no local onde Se encontrava. Depois disse aos discípulos: «Vamos de novo para a Judeia».
Ao chegar lá, Jesus encontrou o amigo sepultado havia quatro dias. Quando ouviu dizer que Jesus estava a chegar, Marta saiu ao seu encontro, enquanto Maria ficou sentada em casa.
Marta disse a Jesus:
«Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá».
Disse-lhe Jesus: «Teu irmão ressuscitará». Marta respondeu: «Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição do último dia».
Disse-lhe Jesus:
«Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim nunca morrerá. Acreditas nisto?».
Disse-Lhe Marta:
«Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo».
Jesus comoveu-Se profundamente e perturbou-Se. Depois perguntou: «Onde o pusestes?». Responderam-Lhe: «Vem ver, Senhor».
E Jesus chorou.
Diziam então os judeus: «Vede como era seu amigo». Mas alguns deles observaram:
«Então Ele, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito que este homem não morresse?».
Entretanto, Jesus, intimamente comovido, chegou ao túmulo. Era uma gruta, com uma pedra posta à entrada.
Disse Jesus: «Tirai a pedra».
Respondeu Marta, irmã do morto: «Já cheira mal, Senhor, pois morreu há quatro dias».
Disse Jesus:
«Eu não te disse que, se acreditasses, verias a glória de Deus?». Tiraram então a pedra.
Jesus, levantando os olhos ao Céu, disse:
«Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste».
Dito isto, bradou com voz forte:
«Lázaro, sai para fora». O morto saiu, de mãos e pés enfaixados com ligaduras e o rosto envolvido num sudário.
Disse-lhes Jesus: «Desligai-o e deixai-o ir».
Então muitos judeus, que tinham ido visitar Maria, ao verem o que Jesus fizera, acreditaram n’Ele.

Comentário

“Sublimados, referindo à medida do eterno as coisas que são, que serão e que foram, observando nelas a beleza original, seremos postos fora de nós e cheios de Deus, como serafins ardentes, já não seremos mais nós próprios, mas Aquele que nos fez.”
(“Discurso sobre a Dignidade do Homem”, Giovanni Pico della Mirandola)
O episódio da ‘ressurreição’ de Lázaro antecede em pouco tempo a Ressurreição do próprio Senhor Jesus e oferece-nos um guião explícito do caminho que se apresenta a todos aqueles que se propõem construir no seu íntimo um lugar luminoso para o Senhor habitar. Este santuário interior pressupõe, de acordo com este relato, um trabalho de purificação, no qual a humildade ocupa um lugar central (a unção dos pés do Senhor com perfume), que se actualiza depois em espírito de entre-ajuda para com Lázaro doente - para que, então, se manifeste, pela fé em Jesus Cristo, a glória de Deus.
“Senhor, aquele que amas está doente”... Também nós nos sentimos muitas vezes doentes, não só física como também espiritualmente; sobretudo quando falhamos os propósitos que, incautos, imaginamos poderem libertar-nos dos constrangimentos das nossas vidas. É frequente, então, sentirmos um mal-estar que nos encerra numa gruta, isolando-nos dos irmãos e de Deus. Não acreditamos que a nosso respeito se possa também dizer: “Senhor, aquele que amas está doente.”
Esta súplica, todavia, assegura-nos que o Senhor nos ama, apesar dos nossos males; que nos olha carinhosamente, apesar das fragilidades das nossas vidas.
Rezando esta passagem do evangelho de João, procuremos identificar seriamente as nossas doenças. Teremos consciência daquela que hoje nos oprime? Das suas causas?
Apesar de Lázaro ser a personagem central desta leitura, ele está ausente. Em seu redor movimentam-se as suas duas irmãs e o Senhor Jesus; elas numa grande azáfama e Ele com a paz interior que Lhe conhecemos e tanto admiramos.
A construção formal deste primeiro parágrafo do evangelho de João tem o sabor de uma dança, de um poema amoroso, no qual as relações de parentesco e de amizade são exaltadas. Uma delicadeza subtil perpassa nos gestos dos intervenientes.
Maria tinha já ungido os pés do Senhor Jesus com perfume, enxugando-os depois com os seus cabelos. A narrativa foi, portanto, precedida de um ritual de purificação que, naturalmente, reforçou a qualidade da relação.
As nossas relações também começam, quase sempre, pontuadas por rituais de purificação recíprocos. Mas depois, o que sucede? Será que alimentamos regularmente as nossas relações amorosas, sociais, profissionais...? E seremos capazes de quotidianamente nos relacionarmos com o Senhor a partir do lugar poeirento e banal em que nos encontramos? Quando somos confrontados com situações que nos desagradam, onde colocamos o Senhor? Ausentamo-lo temporariamente das nossas vidas?
Quando o diálogo com Deus é efectivo, sabemos que o fardo que transportamos torna-se mais leve, porque Ele o transporta connosco, aliviando o peso omnipresente do nosso ego. Quando agimos em seu nome, um sorriso interior aflora-nos ao espírito, mesmo que não saibamos exactamente onde o Senhor nos conduz.
“Ouvindo isto Jesus disse: Esta doença não é de morte, mas sim para a glória de Deus, manifestando-se por ela a glória do filho de Deus.”
Podemos então inferir que existem doenças de morte e doenças das quais resulta uma vida nova. Ou seja, nem sempre o que nos parece ser um mal, é-o de facto. Qual é, então, a diferença entre as doenças malignas e as que são benignas? A diferença está, em parte, na atitude que adoptamos perante elas. Mas, sobretudo, uma doença torna-se maligna quando não permitimos que o Senhor manifeste, através das nossas fragilidades, a “glória do filho de Deus”. Uma relação amorosa com o Senhor – e, por via dele, com qualquer outro indivíduo – é de tal modo transformadora que todo o mal aparente é transmutado em bem evidente.
Identifiquemos em nós as doenças que são de morte e aquelas em que se manifesta a glória de Deus. Existirão realmente doenças de morte, ou somos nós que nos mortificamos? Teremos consciência de que todas as nossas contrariedades são passíveis – pela fé em Jesus Cristo, que venceu a morte – de se transformarem em instantes de manifestação da glória de Deus?
A morte alastra em nós na proporção do nosso egoísmo, vaidade e apego ao supérfluo, mas, em si mesma, ela apenas denota o nosso fraco empenho em promover gestos que geram vida. A morte é ‘falta’ de vida, não tem substância própria.
Pelo facto de errarmos e pagarmos caro pelos nossos erros, aceitaremos não participar desde já no Reino de Deus? - “Que a nossa alma seja invadida por uma sagrada ambição de não nos contentarmos com as coisas medíocres”, afirmou Pico della Mirandola. Quais são as nossas prioridades? É este mundo com os seus enganos ou o Reino? Na medida em que respondermos interiormente a estas questões, receberemos força e paz suficientes para avançarmos confiantes por entre as brumas deste mundo, conduzidos pela mão do Senhor.
A confiança que o Senhor Jesus tinha no Pai era tão grande que mesmo sabendo que a cura de Lázaro podia implicar a sua morte, decidiu regressar à Judeia. Que grande paradoxo! Em nome de um projecto de Vida para Lázaro, o Senhor Jesus caminhava para a sua própria ‘ruína’. Ele estava consciente do perigo que corria. Mas em nenhum momento exprime as suas apreensões.
“Jesus respondeu: Não tem doze horas o dia? Se alguém anda de dia, não tropeça, porque tem a luz deste mundo. Mas, se andar de noite, tropeça, porque não tem a luz com ele.”
Mais importante do que todos os perigos deste mundo é sabermos se caminhamos na luz ou nas trevas. Se tivermos consciência da luz, muita ou pouca, que nos ilumina o caminho, evitaremos dissabores, pois desse conhecimento advém a paz ou a desordem interiores que depois derramamos em tudo o que nos rodeia. Onde devemos procurar essa luz que não nos pertence? Como fazê-la brilhar no nosso caminho, por vezes tão escuro? Escutemos o Senhor, em oração, e perguntemos-Lhe como encontrar a luz que nos falta.

“Marta disse, então, a Jesus: ‘Senhor, se tu cá estivesses, o meu irmão não teria morrido. Mas, ainda agora, eu sei que tudo o que pedires a Deus, Ele to concederá.’ Disse-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”.
Marta respondeu-lhe: ‘Eu sei que ele há-de ressuscitar na ressurreição do último dia.’ Disse-lhe Jesus: ‘Eu Sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá para sempre. Crês nisto?”
E nós, cremos nisto? Se cremos, que consistência atribuímos à nossa adesão? Ela é apenas circunstancial, motivada por hábitos culturais, ou traduz uma convicção experienciada?
Quando encontrou Jesus, Marta, emocionada, argumentou com o discurso exterior da Lei, mas interiormente tinha dúvidas... Se tivesses chegado a tempo e horas; se a vida não fosse o que é; se as coisas tivessem corrido de outro modo... O condicional interpõe-se quase sempre entre a nossa existência precária e a confiança que depositamos em Deus.
Quando o Senhor Jesus lhe dispara a revelação de que Ele é a Ressurreição e a Vida, ela continua sintonizada no discurso exotérico, repetindo frases que aprendeu, mas ainda não integrou. O que o Senhor Jesus lhe diz é que através Dele tudo é apaziguado, tudo é renovado, até mesmo a morte...”quem vive e crê em mim, não morrerá para sempre”, afirma.
Por fim, o Senhor Jesus dirigiu-se ao túmulo de Lázaro e chamou-o; mas esperou que os presentes removessem a pesada pedra que cobria a entrada. Todos os intervenientes se esforçaram empenhadamente na cura de Lázaro. É também isto que o Senhor Jesus nos propõe agora a cada um de nós: com gestos concretos apliquemo-nos, então, na cura das doenças deste mundo, propiciando assim a Sua intervenção, para que se manifeste, pela fé em Jesus Cristo, a glória de Deus.

José Souda Machado
*Editor de Arte.
   


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Impresso em 29/3/2024 às 11:34

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