Fundação Maitreya
 
Para além de Parangla

de Vikas Kaushal

em 24 Jul 2006

  Começámos a nossa expedição para Parangla de Kibber numa linda manhã de Agosto. Obtivemos as nossas licenças para visitar as zonas fronteiriças do encarregado do distrito e alugámos três mulas, o melhor modo de transporte nesta região devido a sua habilidade em negociar o perigoso terreno coberto de neve. O nosso domador das mulas, que também era o nosso guia, era um velhote experiente com muita paciência tanto para os homens como os animais nas altas altitudes.

Lago Tso- MoririUm Passeio Inesquecível
Kibber, uma aldeia remota no Himālaya no estado de Himachal Pradesh que é isolada durante a maior parte do ano devido à neve, era resplandecente. O céu azul e os campos verdes eram um panorama magnífico. O bem-vindo caloroso dos nativos e os seus gestos acolhedores nunca desaparecem apesar do seco e frígido ambiente. Os seus sorrisos assemelham as flores silvestres ao florescer depois duma longa hibernação.

O quente sol da manhã convidou-nos a continuar até Parangla e mais além... a terra dos lamas! Passamos por uma aglomeração de casas brancas com tectos planos, cobertos de erva seca, e entramos nos campos verdes com a cevada. Descemos um desfiladeiro profundo esculpido pelo rio Rugalugba e subimos até o nosso primeiro acampamento em Thalthakringo (4.850 metros). No horizonte, podíamos ver o longínquo Kibber e o sinuoso rio Spiti atrás da aldeia. O sítio era repleto de flores silvestres. As nossas mulas, todavia, não tinham a mínima vontade de continuar. Durante a noite fugiram e voltaram a Kibber. O velhote foi atrás deles para os buscar e, assim, a nossa partida no segundo dia tornou-se num desafio.

Fizemos uma íngreme descida para o vale cortado pelo rio Rugalugba, e depois disso houve uma contínua e íngreme subida para nosso segundo acampamento. Durante as horas seguintes, caminhámos em silêncio, as nossas cabeças abaixadas como se fosse em reverência às magníficas montanhas. Estávamos longe de civilização humana mas próximos ao céu. Finalmente chegámos ao acampamento Tacthu, um sítio desolado onde os ventos gélidos penetram profundamente no corpo. Tinha uma altura de 5.650 metros. Era o nosso acampamento de base de onde íamos partir cedo na próxima manhã para atravessar o Parangla com uma altura de 6.133 metros.

Acordamos muito cedo para a nossa partida, muito antes do nascer do sol. Durante uma hora e meia caminhámos com passos e respiração calculados. Era uma grande subida onde todas as reservas de coragem e determinação ficam exauridas. Mas o ritmo dos nossos corpos e almas levou-nos ao cume.
Em cima do pico, funde-se com um sonho. Sabe-se que se está lá – as bandeiras tibetanas de orações testemunham o facto. Enchemo-nos de alegria! Os longínquos picos cobertos de neve, brilhantes no sol da manhã, eram esplêndidos. Mas tínhamos que nos despachar para atravessar o Pare-chu antes que as suas águas tornassem altas demais. As águas sobem durante o dia porque o sol derrete a neve e a resultante água alimenta os rios. À noite, quando a água congela, o nível do rio baixa outra vez. A descida era fácil ao início. Excitadamente, estávamos acorrer pelas encostas cobertas de neve do Parangla quando, de repente, a neve fofa deu lugar para uma superfície dura e quebradiça cheia de sincelos. A nossa velocidade abruptamente tornou-se mais lenta. Durante as próximas horas tínhamos que prosseguir à velocidade dum caracol, negociando cautelosamente as fendas na neve e os sincelos agudos como facas. Tínhamos muita dificuldade e foi ainda mais difícil para os animais porque as suas pataMonges em oraçãos sem protecção sangravam. Demorámos quase duas horas para cobrir um quilómetro no glaciar. Não conseguimos atravessar o Pare-chu naquele dia porque as águas eram altas demais para os animais. Tínhamos que fazer um acampamento mais cedo, mesmo à boca do glaciar. Era perigoso, mas não tínhamos alternativa.

No dia seguinte atravessámos o rio antes do nascer do sol. Tudo ainda estava congelado. Os nossos animais eram relutantes como sempre para prosseguir. Em ambos lados do rio havia magnificentes picos cobertos de neve.
Durante os dois dias seguintes caminhámos nas margens do Pare-chu, sete horas por dia, para cima e para baixo do vale, atravessando numerosos pequenos riachos alimentados pela neve - descalços. Ao longo de todo o caminho não vimos ninguém, para além de um corvo das montanhas de bico amarelo, embora se diga que é possível encontrar o leopardo das montanhas e o íbex nesta região. Não há nenhuma vegetação para além da ubíqua erva Kharshu, cujas raízes flutuam em abundância nas águas do rio, fornecendo um excelente combustível para a fogueira do acampamento e para cozinhar. Não há nenhuma falta de água doce para beber porque há uma abundância de fontes naturais.

O acampamento no quinto dia revelou-se um verdadeiro paraíso. As faixas de relva espessa e verde às margens do rio com uma fonte natural ao pé criaram um sítio ideal para acampar.
No sexto dia despedimo-nos do nosso amigo Pare-chu e entrámos no vale maior de Phirsephu - uma entrada para Ladakh desta região. Há uma repentina mudança de paisagem quando se entra no vale de Phirsephu em Nurbo Sumdo (5.075 metros) que significa "a planície de pedras". O mais amplo e mais verde vale de Phirsephu era uma mudança refrescante depois do árido e estreito vale do Pare-chu. Estávamos a caminhar pelo terraço do Phirsephu, esculpido pelo rio quando, no horizonte, vislumbramos um acampamento nómada da tribo dos Changmas. Com muita excitação despachámo-nos na direcção do acampamento o nosso primeiro encontro com humanos em cinco dias.

Os Changmas são nómadas. A língua deles é o bhoti. Não falam nem percebem hindi. A sua vida revolve-se em torno dos iaques, cabras e ovelhas. Vivem em tendas tecidas dos cabelos de iaque. Bebem leite de iaque, comem queijo curado de iaque e durante os Invernos, comem a carne de iaque também. As suas cabras são conhecidas pela sua lã paxmina. Tecem xailes e tapetes da lã de iaque e de ovelha.
Aqui saímos de Himachal Pradesh para entrar na região de Ladakh. As moças de Ladakh são muito tímidas. Mostra-se-lhe uma máquina fotográfica e a cabeça dela desaparece como se fosse um avestruz. Os habitantes de Ladakh são um povo robusto. A sua pele enrugada e escura, bronzeada pelo sol, assemelha-se ao castanho avermelhado dos seus trajes e reflecte o seu ambiente rigoroso numa terra assada pelo sol com ventos frios e secos. O chefe do acampamento ofereceu-nos chá salgado ao modo dos tibetanos e queijo curado, uma cortesia inesquecível numa terra difícil.

Começou a chover enquanto caminhávamos, o mais rapidamente possível, nesta Vale de Suruterra aberta e plana onde é virtualmente impossível medir as distâncias relativamente. Algumas vezes observámos um jumento selvagem, observando-nos curiosamente a certa distância. Mais tarde, podíamos ver os cavaleiros do Ladakh reunindo os seus rebanhos de ovelhas das montanhas. Chegámos ao ponto onde se podia ver as vivazes cores sempre em mudança do lago Tso Morari. Quando chegámos nesse sítio depois de semanas de preparação e dias de caminhar, mal podíamos acreditar que tínhamos chegado. Enquanto o sol se punha, tentámos capturar cada momento como se não houvesse um amanhã. Finalmente montámos as nossas tendas na planície de Changdum- a terra do jumento selvagem! Ao fim de um comprido dia cheio de aventuras enrolámo-nos nos nossos saco camas, para acordar de manhã e ver o Tso-Morari em toda a sua glória de manhã.

O Tso-Morari é um lago alongado na forma de um pé que estende do norte ao sul. As suas águas límpidas da cor de safira revelam diferentes tons de azul e verde às margens. A água é tão cristalina que se pode identificar a cor dos calhaus ao fundo. E um lago de água salobra que uma vez era 22 quilómetros longe com oito quilómetros de largura.
Estávamos na sua extremidade sul naquela manhã. A chuva já tinha parado desde a noite anterior. Mas o céu ainda estava coberto de nuvens. O sol meio coberto por nuvens escuras deu um novo carácter às águas de Tso-Morari. Via-se cores desde o azul-escuro do alto mar à clareza cristalina duma fonte nascente. Mudou a cor das colinas hirtas do preto a um cinzento-escuro, cinzento a castanho e castanho a bege. Encantados pela magia da natureza, tentámos como loucos capturar cada momento com as nossas máquinas fotográficas. Tomámos pequeno-almoço e desmontámos as tendas embora ninguém quisesse partir. Mas sabíamos que íamos voltar. Teve que ser, porque daí uns dias teríamos que passar por esse caminho ao voltar para Kibber.

Havia um céu nublado quando partimos para Karzok, o nosso destino final. Logo, começou a chover. Enquanto continuámos com o nosso passeio ficámos banhados várias vezes apenas para nos secar logo em seguida. Caminhámos pela circunferência do lago durante uns 15 ou 17 quilómetros. Passa-se por um terreno quase plano duma beleza áspera com montanhas multicoloridas aos lados. É um caminho antigo, frequentado principalmente pelos nómadas que fazem o percurso entre Chumar e Karzok com os seus iaques e ovelhas. A zona é árida, com algumas relvas espalhadas por aqui e aí. A rica relva, que fornece comida para o gado, escassamente cobre as encostas das colinas que rodeiam essa terra. Tínhamos caminhado durante quase cinco horas, mas ainda não se podia ver o fim. Algumas muralhas de pedra, esculpidas com inscrições sagradas budistas deu-nos uma indicação que estávamos a aproximar-nos. Finalmente, com cada gota de energia exaurida, diligentemente subimos um pequeno monte e de repente – Karzok – em todo o seu esplendor.
Pode-se ter a melhor vista de karzok desta colina. Uns 70 metros em baixo as águas radiantes e azuis do Tso-Morari formam um arco. Escondido nos campos verdejantes de cevada vê-se um abrigo das montanhas vermelho com tendas em filas ordenadas para os hóspedes. Um pouco mais longe, nas suaves colinas vê-se a aldeia de Karzok. Mais para cima situa-se o Karzok Gompa, onde apenas um punhado de Dropkas moram durante todo o ano para cuidar do mosteiro. Depois de ter descansado durante algum tempo sabíamos que era hora de voltar para trás e relutantemente começámos o nosso caminho de volta para Kibber.

Cortesia da Revista Índia Perspectives
   


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