Fundação Maitreya
 
As Miniaturas Mógois

de Harinder Sekhon

em 18 Set 2006

  A Escola Mogol de pintura representa uma das mais importantes fases da arte indiana. A sua evolução é o resultado duma síntese entre a escola indígena indiana de pintura e a escola persa de pintura dos Safavidas, que se realizou durante a época dos imperadores Mogóis. As miniaturas Mogóis são caracterizadas pelo seu realismo, os seus cuidadosos e finos desenhos, uma mestria de composição e uma rica paleta de cores delicadas.

Síntese dos Estilos Indianos e Persas

Este estilo artístico foi desenvolvido e encorajado sob o patrocínio do imperador Akbar, e atingiu o seu auge durante o reinado do seu filho Jahangir. Ao longo do reinado do seu sucessor, Shāh Jahan, o estilo ficou decadente. Durante o reinado do seu filho, Aurangzeb, que era um monarca puritano, esta escola artística sofreu um revés e continuou a decair durante os reinados dos últimos imperadores Mogóis. Todavia, continuou como escola artística, mas decadente, na corte dos nababos de Oudh até ao fim do século XVIII, e quase cessou de existir com o advento do domínio britânico. Nos seus conceitos e execução, as miniaturas Mogóis revelam características excepcionais, e a escola teve um profundo impacto que reverberou por todo o Decão, Rājasthan, as montanhas de Punjab e o norte da Índia, mesmo depois da queda da dinastia dos “grandes Mogóis”. O imperador Humayun preparou as bases do estilo Mogol de pintura durante os anos em que ficou no exílio na Pérsia e no Meganistão. Enquanto na Pérsia, conheceu dois mestres pintores, Mir Sayyid Ali e Abdus Samad, que foram contratados pelo imperador e acompanharam-no a Delhi quando recuperou o seu trono perdido. Uma vez na Índia, estes organizaram um florescente centro de arte para o filho e sucessor de Humayun, o imperador Akbar, e recrutaram um grande número de pintores talentosos oriundos de todo o império.

A arte de pintura foi aperfeiçoada durante o reinado de Akbar. Mir Sayyid Ali de Tabriz, Khwaja Abdus Samad, Daswanth e Basawan eram os artistas mais famosos da sua corte. Além destes quatro mestres, havia também treze outros mestres pintores na corte de Akbar, que produziam obras de uma qualidade excepcional.
A tradição persa do século XV era notável pelas suas qualidades decorativas e a sua perspicaz percepção das cores. Normalmente, as miniaturas eram ilustrações de livros e eram bidimensionais. A linha era como a caligrafia e a paleta utilizava cores brilhantes e esmaltadas. Os pintores indianos treinados pelos mestres persas rapidamente ultrapassaram a fineza e excelência técnica da pintura persa, tanto na linha como na cor. A escola persa de pintura forneceu um estímulo inicial ao estilo Mogol. Todavia, pouco depois, a escola Mogol começou a desenvolver-se independentemente. Ao longo do tempo a perspectiva diferente dos artistas indianos evidenciou-se nas suas obras. Os artistas representaram as diferentes regiões da Índia e trouxeram com eles não apenas o seu talento artístico, mas também a sua perícia de desenho e técnicas de aplicação de cores e composição. Akbar deu grande liberdade aos seus pintores e à arte de pintura ao desenvolver-se nos ateliers Mogóis, contudo, gradualmente perdeu as suas características persas e tornou-se cada vez mais indiana.

Pelos meados do reinado de Akbar, a qualidade estilizada das pinturas persas foi substituída pelo movimento forte e dinâmico de representar homens e animais. A obra mais importante produzida durante os anos iniciais no estúdio mogol era o manuscrito ilustrado e pouco vulgar Dastan-Amir Hamza, mais conhecido como o Humzanama. Esta obra ilustrada trata-se das aventuras de Amir Humza, um dos tios do profeta Maomé. Akbar gostava particularmente do Amir Humza e encarregou o famosíssimo pintor persa, Mir Sayyid Ali, a compilar esta grande obra. A obra completa consistia em mais de 1200 pinturas realizadas com cores brilhantes e vivas sobre linho coladas num lado de grandes fólios cujas dimensões são de 27x20 polegadas. Estas pinturas foram realizadas entre 1550 e 1560 d.C. Infelizmente, apenas um pequeno fragmento da obra sobreviveu até aos nossos tempos, que se encontra espalhado entre várias colecções na Europa e na América. Apenas três ou quatro fólios se encontram na Índia.

As pinturas do Humzanama foram realizadas no estilo persa. As composições são minuciosas e consistem em pormenores arquitectónicos, os interiores dos palácios, fortalezas ou pavilhões e representam multidões de empregados, soldados e mulheres em realísticas e vivas acções, que demonstram um extraordinário conhecimento de tratamento e técnica. As cores empregadas são brilhantes - sendo vermelho, azul, amarelo e verde as tonalidades predominantes. A utilização de plantas exóticas com flores coloridas e folhagem é outra característica distinta das pinturas do Humzanama. Estes elementos são, todos da Pérsia e os elementos indianos só começaram a aparecer muito mais tarde quando os artistas indianos se juntaram aos mestres pintores persas.

O profundo interesse que Akbar tinha pela religião e o seu desejo insaciável de perceber a essência de várias religiões induziu-lhe aproximar-se às obras clássicas Hindus. Em 1582 d.C. mandou os seus artistas ilustrar os épicos Hindus. Esta encomenda resultou na criação de uma edição do Mahābhārata ilustrada e escrita em persa, conhecida como o Razmnama, que actualmente se encontra no Museu do Palácio em Jaipur. A obra contém 169 ilustrações da dimensão da página inteira e foi acabada em 1589 d.C. O artista principal foi o pintor Daswanath.
Abl Fazl, o cronista de Akbar, enumerou uma lista dos manuscritos importantes que incluía livros sobre história, biografias, obras clássicas persas, poesia, teologia etc., que foram compostos durante o reinado de Akbar pelos mais conhecidos calígrafos e foram ilustrados pelos pintores do atelier imperial.

Alguns dos manuscritos ilustrados da época de Akbar são: o Gulistan de Sadi (1567 d.C.) actualmente guardado no British Museum em Londres; Deval Rani (1568 d.C.); o Anwar-i-Suhayli (um livro de fábulas) de 1570 d.C., que actualmente se encontra no School of Oriental and African Studies da Universidade de Londres. Outro exemplar do Gulistan de Sadi encontra-se no Royal Asiatic Society Library, um exemplar do Diwan pelo poeta Amir Shahi encontra-se na Bibliotheque Nationale de Paris; Diwan-i-Hafiz, o Tutinama, o Tarikh-i-Alfi (uma história do mundo) de cerca de 1590 d.C., o Jami-al-Tawarikh de 1596 d.C. no Gulistan Library em Teerão, alguns exemplares manuscritos do Baburnama realizados na última década do século XVI; o Twarikhe-Khandan-e- Taimuria no Khuda Baksh Library em Patna; um exmplar do Akbarnama de cerca de 1600 d.C. que se encontra no Victoria & Albert Museum em Londres, e o Yog Vashisht de 1602 no Chester Library em Dublin. As obras da literatura clássica persa - o Khamsa por Nizami, o poema romântico de Laila e Majnu, as colecções de contos morais por Sadi e Jami- também foram ilustradas.

Akbar interessou-se pessoalmente pelas obras dos seus artistas, examinava a sua produção semanal, avaliava os seus méritos e conforme isso, premiava-os. Os artistas tinham acesso a caras matérias de pintura e o imperador forneceu cada facilidade possível para lhes oferecer as melhores condições de trabalho. Deste modo, o atelier de Akbar criou um distinto estilo mogol de pintura. As pinturas Mogóis possuem um efeito tridimensional enquanto a arte persa era bidimensional. Estas pinturas são realísticas e autênticas - os retratos são naturais, tal como a minuciosidade dos pormenores arquitectónicos e as representações da flora, fauna e paisagens. As pinturas também revelam uma mistura soberba dos elementos artísticos heterogéneos da Pérsia, do Decão e da Europa tal como elementos indígenas e da arte islâmica pré-Mogol que resultou num estilo tão característico da época de Akbar, onde as artes alcançaram grandes proezas.

Jahangir (1603-1627), o filho e sucessor de Akbar, manifestou um igual interesse pela arte de pintura, tal como o seu pai. Durante o seu reinado, as pinturas Mogóis adquiriram um maior encanto, fineza e dignidade. A beleza da linha e a delicadeza das cores aperfeiçoaram-se como nunca. Muitos dos pintores da corte de Akbar como, por exemplo, Abu Hasan, Bishandas, Farrukh Beg, Daulat, Govardhan, Anand, Manohar e outros continuaram a trabalhar para Jahangir. Gostava particularmente de Abu Hasan, filho do pintor persa Aka Riza, de Herat.
Tal como o seu pai, Jahangir gostava das pinturas europeias com motivos religiosos. Durante este período, a influência europeia manifestou-se cada vez mais nas pinturas. As cores já não eram duras e esmaltadas -como no período precedente mas, em vez disso, suavizaram-se e misturaram-se harmoniosamente. A influência naturalista é mais óbvia nas representações das paisagens. Um maior conhecimento das pinturas ocidentais resultou na aceitação de muitos outros elementos como, por exemplo, os móveis europeus, objectos de acre, trajes e posturas, o tratamento do céu, nuvens, anjos com asas, querubins, tapeçarias e cortinas nas pinturas miniaturas Mogóis.

Alguns dos mais importantes manuscritos ilustrados deste período são: um livro de fábulas de animais intitulado Ayar-i- Danish, cujos fólios estão actualmente guardados na colecção de Cowasji Jahangir em Bombaim e o Chester Beatty Library em Dublin, e o Anwar-i-Suhayli, outro livro de fábulas no British Museum de Londres, ambas obras foram realizadas entre 1605-1610 d.C. As pinturas do manuscrito ilustrado do Tuzuk-i-Jahangiri ou as memórias de Jahangir revelam o talento dos artistas Mogóis no tratamento das composições que representava multidões em situações dramáticas. As cenas naturais, especialmente as cenas de caça e retratos eram as pinturas preferidas de Jahangir. Pintavam-se com um realismo vivaz. Jahangir quis manter um relato autêntico das suas actividades e dos acontecimentos importantes do seu reinado. Por isso, mandou os seus artistas preparar arquivos pictóricos dos festivais importantes e assembleias, tal como da flora e fauna invulgares e interessantes. Produziram-se muitas pinturas encantadoras que representaram a coroação de Jahangir e as assembleias realizadas durante os festivais religiosos importantes como, por exemplo, holi, ab-pashi, recepções formais, viagens, expedições de caça etc. que se encontram em colecções indianas e estrangeiras.

Todavia, com a morte de Jahangir, a essência e o espírito da arte mogol também morreu. Como Percy Brown notou, "com a sua morte (de Jahangir), a alma da pintura Mogol também morreu». As pinturas Mogóis perderam muito da sua grandeza e requinte poucos anos depois da morte de Jahangir. Enquanto príncipe, Shāh Jahan, manifestou um grande interesse pelas miniaturas e pelos manuscritos ilustrados. Manteve este interesse durante algum tempo depois de ascender ao trono, contudo, mais tarde interessou-se mais pela arquitectura e pela joalharia. Aurangzeb, o último dos grandes imperadores Mogóis, era tão ortodoxo e antagónico à pintura e às outras artes que a requintada arte de pintura Mogol acabou por entrar em rápido declínio. Os grandes ateliers de arte Mogol, antigamente tão prolíficos, foram virtualmente apagados e os pintores foram obrigados a cessar de exercer a sua arte ou a emigrar para as novas cortes regionais que tinham surgido, à procura de novos patrocinadores.

Cortesia da Revista India Perspectives
   


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