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Edward Burne-Jones
de Ana Sofia de Carvalho em 29 Fev 2024 ![]() A intensidade e autoridade da visão de Burne-Jones acerca deste mundo alternativo, dá-lhe uma poderosa qualidade própria que parece irrepetível, tal como muitos dos seus imitadores descobriram: «aqui estava um artista cujas estereotipadas expressões de desaprovação ou aprovação não poderiam ser aplicadas», escreveu Malcolm Bell da participação triunfante de Burne-Jones na sua primeira exibição de Aestheticist “Palácio de arte”, na Grosvenor Gallery em New Bond Street, onde a sua reputação foi confirmada. A originalidade do trabalho de Burne-Jones deu-lhe a segurança, pelo menos a partir desse momento em diante, de um lugar inquestionável no panteão dos pintores Britânicos. A arte de Burne-Jones é imediatamente reconhecível. A sua série de pinturas intituladas, “The Days of Creation” (Os Dias da Criação), produzidas entre 10 em 1876, foi exibida em 1877, na 1ª exposição na Grosvenor Gallery e foram proclamados por alguns, como sendo bem representativas do seu período mais forte e característico (acrescentar respectivas fig. 2 e 3 do livro). O assunto edifica a fantasia de faces angélicas e corpos envoltos em sumptuosas vestes, saídos directamente, da criação narrativa do Génesis: cada uma destas sete abstractas figuras sem marcada definição de sexo, à medida que surgem em cena, seguram um globo no qual o processo da criação se desenrola, desde o surgimento dos mares e da terra, emergindo do redemoinho da escuridão inicial até ao aparecimento de Adão e Eva. O assunto da criação, o invocar da substância que emergiu do vazio, está também incluído na elaboração e detalhe como Burne-Jones pinta e descreve estas cenas. A textura rica das suas pinturas, provém da combinação de vários materiais e técnicas que criam uma superfície cintilante, onde se une a precisão do pormenor com a capacidade de atrair e seduzir o espectador. O trabalho de Burne-Jones, frequentemente, realiza este duplo processo; por um lado o detalhe e descrição sugestiva de um mundo imaginário, por outro a concreta realização da imaginação por si mesma na forma de pigmento, cor e traço. Algo similar poderia ser dito acerca de muitos artistas, mas no caso de Burne-Jones, a recorrência e a continuidade deste eixo duplo, ambos em toda a extensão da sua carreira e como tema principal em alguns dos seus mais importantes trabalhos, dá uma particular saliência no compreender da sua arte. A sua pintura de excepcional carácter reflectivo: os trabalhos rodam em círculo à volta deles mesmos, voltando a questionar repetidamente, a razão da sua própria exigência de valor e sentido. O brilho de substâncias raras ou finas, como o ouro e a pérola ou as densas pinturas que Burne-Jones criou em muitos trabalhos, permitiram às suas obras a capacidade de descrever alguma porção da realidade. Eles debatem-se desta forma, com temas que são importantes para todos os pintores e para quem quer que esteja interessado em compreender, como é que funciona a pintura e o que é que esta, pode significar para nós: como isso pode servir à nossa compreensão do mundo. Esta não é uma arte que ignora a realidade separando-a do seu sonho, mas a que se preocupa ela mesma, com os caminhos, nos quais, a arte e especialmente a pintura, podem gerar o envolvimento com a realidade. A original, literalmente extraordinária qualidade da arte de Burne-Jones é produto, não somente do seu foco no acto e poder da criação, mas também, de uma mente arrojada para um pintor: Burne-Jones imaginava a sua arte como significativa em formas, que não são só apenas o produto do impacto das cores, traço e forma. «Ele não viu nada a partir do ponto de vista puramente pictórico», relembra W. Graham Robertson que conhecia bem, Burne-Jones: «Albert Moore chegaria de um passeio preenchido por um deleite quase difícil de Largamente autodidacta como pintor – num processo que continuou e, que de facto, atingiu o seu apogeu depois de ele se estabelecer e ser bem conhecido – as técnicas de Burne-Jones foram sempre consideradas excêntricas e frequentemente provocavam comentários em seus contemporâneos. Robertson parece atribuir esta particularidade a uma fundamental orientação longe da arte visual. A sua é uma interpretação tentadora, porque é verdade que os primeiros trabalhos públicos de Burne-Jones eram literários e porque ele, subsequentemente, recusou oportunidades de escrever ou falar com o fervor que sugerisse alguma significante repressão. Mas, também é verdade que como estudante, ele “estava sempre a desenhar”: desde a idade dos 15 anos, frequentava a Escola Governamental de Desenho em Birmingham, ao mesmo tempo que continuava com os seus estudos. Por mais invulgar que fosse a arte que ele produziu na escala e realização técnica das suas ambições, desde cedo Burne-Jones foi dedicado na sua vida e durante toda a sua carreira, ao potencial visual. O mundo que ele via ao seu redor, desde a perspectiva ligeiramente precária de seu pai, era o mundo da industrialização vitoriana, com as suas fábricas, a infeliz classe trabalhadora e o interminável zumbido das maquinarias. Este foi o período em que a Inglaterra era a “oficina do mundo”, e quando as forças condutoras do capitalismo refizeram as paisagens e as cidades, com moinhos, fábricas e máquinas, as cidades transformaram-se e como expressaram alguns de seus contemporâneos, em desertos de modernidade e o preço ambiental e humano a pagar eram bastante evidentes para o jovem Ned Jones. «Eu lembro-me um sábado à noite», recorda mais tarde, «caminhando cerca de 5 milhas em Black Country, e nas últimas 3 milhas eu contei mais de 30 pessoas quase mortas de bêbadas, caídas no chão, sendo mais de metade mulheres». Julia Cartwright escrevendo acerca da vida e trabalho de Burne-Jones para o anual de arte em1894, começa como depoimento de que, “a arte de Burne-Jones desde o primeiro até ao último trabalho tem sido um silencioso e inconsciente protesto contra as mais chocantes tendências do mundo moderno”. Numa era onde o espírito científico penetrou em cada departamento da vida, este mestre, quase sozinho entre os seus iguais, revelou uma faculdade imaginativa rara. Num período essencialmente prosaico, quando o realismo havia invadido tanto a arte como a ficção, e a prosperidade material parecia ser o fim de todo o esforço, ele manteve-se um poeta e um idealista. A partir de um presente frio e sombrio ele se volta com toda a sua paixão e ardor para o passado esquecido, e lá, nos mitos e contos de fadas do mundo antigo, encontra o alimento ansiado pela sua alma. Lá, o seu amor pela beleza é satisfeito, a sua imaginação encontra-se em casa. A arte promove a substância à vida, cujo materialismo vitoriano falha em oferecer. Este alimento necessário era espiritual; definido como aquelas correntes não comerciais da alma humana, que parecem perder todo o seu valor utilitário em termos económicos: idealismo, invenção e imaginação. Em 1908, o crítico de arte J.E. Phythian, ofereceu a sua própria versão, num livro sobre Burne-Jones, argumentando que todas as histórias contadas ou escritas emergiram de experiências de vida, mas que aquelas com um sentido mais profundo, não são aquelas que somente relatam os factos. Foi o importante crítico francês, Robert de la Sizeranne que no seu livro “Arte contemporânea Inglesa”de 1898, proporcionou a melhor exposição deste ponto de vista: «É perfeitamente verdade, que ele não pinta vestidos de valor ou mobília de lojas, e deveria ser congratulado por isso. Mas é um grande erro, cometido por realistas em busca da moderna superficialidade, pensarem que o seu trabalho sugere menos pintura contemporânea, menos interesse existencial, porque eles estão mais afastados da nossa vida diária que as ilustrações do Graphic ou do Ilustrated London News. Isto é provado pela extraordinária e permanente impressão que eles deixam a quem os tenha visto. Para mim eu nunca olhei para os seus trabalhos sem reviver as ansiedades e realidades da impermanência da vida». Para Sizeranne e Cartwright, a devoção de Burne-Jones aos seus trabalhos imaginários, permite-lhe u Estes assuntos de industrialismo e materialismo já estavam a receber atenção pública nos tempos de escola de Burne-Jones. Os grandes pensadores Vitorianos, Thomas Carlyle, John Ruskin, John Newman e outros já apontavam o materialismo e a imoralidade do mundo moderno, que o capital industrial tinha construído, oferecendo as suas próprias alternativas. Em particular a imaginação de Burne-Jones e o desejo por renovação moral, pureza e valores espirituais foram inspirados pelos ideais do movimento Tractarian. Inaugurado em Oxford por Newman, o movimento tentou uma renovação da Igreja Anglicana, buscando a inspiração no passado católico, dando ênfase aos benefícios espirituais dos rituais e da riqueza dos trajes, da decoração e do aparato, e de todo o visual da Igreja. Lidava também com a importância dos valores espirituais que para Burne-Jones e muitos dos seus contemporâneos, haviam sido omitidos da vida moderna: «no tempo dos sofás e almofadas», escreveu Burne-Jones sobre Newman, «ele ensinou-me a ser indiferente ao conforto e numa época de materialismo, ele ensinou-me a confiar mais no desconhecido». Tractorianism deu a Burne-Jones o caminho para expressar o seu descontentamento com o mundo moderno, e encorajou-o a desenvolver um medievalismo romântico e espiritual como uma alternativa às brutalidades da vida moderna. Compaixão, Amor, Contemplação e uma compreensão meditativa do nosso encontro individual com o mundo, eram aspectos da experiência humana que Burne-Jones procurou na ligação entre o passado medieval e o moderno presente. Foi acima de tudo este intenso compromisso com a recuperação espiritual do passado com a manifestação da bondade humana em oposição a um presente corrupto, mecânico, que Burne-Jones ansiava por descobrir quando, em 1853, foi de Birmingham para o Exeter College em Oxford, com a firme intenção de se tornar padre. O Oxford que Burne-Jones encontrou enquanto estudante no Exeter College não foi o substrato vital para as sementes das novas ideias que o Tractarianism desenvolveu na sua imaginação. O movimento extinguiu-se por si mesmo no seu local original, dando lugar a uma ampla disseminação de outras, talvez menos exigentes, formas de observância e práticas religiosas. Todo este processo induziu um forte impacto em Burne-Jones e a seu colega William Morris, que acabam por abandonar a via monástica e dedicarem-se às novas vias apresentadas pelas alternativas contemporâneas ao movimento Tractarian. É de salientar que ao lerem Thomas Carlyle e John Ruskin, dois dos mais influentes pensadores visionários cujos diagnósticos da vida contemporânea e experiência abarcavam o todo da sua Cultura, foi-lhes fornecido uma secular, apesar de não fora de religiosidade, versão da moralidade que eles haviam tocado no Tractorianism. Estes visionários viram Burne-Jones, o artista ou o escritor como um “herói”e, usando a noção de Carlyle, um mediador sacerdotal da experiência e realidade para os cidadãos do mundo moderno. Estas estruturas morais e em muitas formas esta ética puritana de dever garantiram ao artista, a Burne-Jones e a outros, quer a obrigação, quer o poder de acalmar as depravações da modernidade. Os verdadeiros valores da experiência humana eram expressos vividamente e expostos claramente diante de todos nas suas audiências. A criação imaginativa do artista era um veículo que conduzia directamente ao coração da Realidade, colocando de parte as superficialidades do mundo. Pintar para a iluminação da sua audiência, a transformação da fantasmagoria da “vida real” nas realidades espirituais e valores que subjazem por de trás dela, tornou-se o seu propósito e ambição para o resto de sua carreira. Foi neste momento crítico do seu desenvolvimento que Burne-Jones encontrou pela primeira vez, o trabalho de um grupo de artistas e escritores cujas ambições correspondiam com o seu rápido e crescente senso de propósito, os Pré - Rafaelitas, e acima de todos Dante Gabriel Rossetti. A dedicação de Burne-Jones ao mundo da arte, da contemplação e reflexão como princípios a serem vividos continua a falar às audiências hoje tal como o fez aos seus contemporâneos. A sua arte faz poderosas exigências ao estatuto e autoridade da pintura como um meio de compreender o mundo e de definir e promover valores que o mundo quotidiano raramente tem tempo para reconhecer. É verdade que a sua arte não coage o observador: ele não foi do tipo de artista de querer subir ao pódio: tranquila e persistentemente promoveu os valores que desejava ver estabelecidos na cultura. A Arte é forte se providencia um espelho, um veículo para contemplação e reflexão, no qual Amor, Amizade, Devoção e Dever podem aparecer e serem proclamados e avaliados. Pela sua arte Burne-Jones inspira e restitui, mesmo ainda no nosso século, esta necessidade de buscar uma compreensão meditativa da vida. ![]() |
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