Fundação Maitreya
 
Entrevista com Ajahn Sundara

de Spiritus Site

em 10 Mai 2007

  Ajahn Sundara, Monja no Mosteiro Budista Amarāvati em Inglaterra.
A entrevista foi concedida a Maria em Amarāvati, que a inicia agradecendo a oportunidade disponibilizada por Ajahn Sundara, em partilhar um pouco da sua experiência de vida como monja e dos Ensinamentos do Buddha. Com tradução de Ana Sofia de Carvalho, presentemente em Amarāvati como Anagaricā (noviça).


Ajahn Sundara foi ordenada noviça na Tradição da Floresta de Ajahn Chah, no Mosteiro Chithurst, em Inglaterra, em 1979, com Ajahn Sumedho, sendo a primeira de quatro mulheres a tomar parte na comunidade monástica. Em 1983, tomou os 10 preceitos com a ordenação de monja (Siladhara) e, um ano depois, mudou-se para o Mosteiro Amaravati. Desde então, participou no desenvolvimento e treino da comunidade de monjas e, em 1995, depois de 15 anos de vida em comunidade, foi para a Tailândia continuar a sua prática de meditação nos Mosteiros da Floresta, onde permaneceu até 1998.
Desde o final de 2000 até 2003, esteve no Mosteiro Abhayagiri, na Califórnia, nos EUA. Presentemente, vive no Mosteiro Amaravati. Nos últimos vinte anos, tem orientado retiros de meditação e ensinamentos (Dhamma) na Europa e na América do Norte.

A experiência monástica
Maria inicia a entrevista agradecendo a oportunidade disponibilizada por Ajahn Sundara para partilhar um pouco da sua experiência de vida como monja e dos Ensinamentos do Buddha.

Maria: Qual foi a principal motivação que a impulsionou a ordenar-se como monja e há quanto tempo foi?
Sundara: Em 1979 visitei o Mosteiro Budista de Chithurst. Nesse ano participei num retiro de Ajahn Sumedho, que era o abade superior do Mosteiro e gostei bastante dos seus ensinamentos e do tipo de vida monástica que ele descrevia. Alguns anos antes deste evento, já o meu interesse pela vida espiritual havia começado. Eu estava consciente da possibilidade de um mundo para além da minha mente condicionada e de que esta podia tornar-se livre das suas falsas percepções e ideias. Quando conheci Ajahn Sumedho, eu ainda estava a trabalhar como bailarina (clássica), treinava, ensinava e fazia coreografias e podia perceber e apreciar as similaridades entre o treino da mente e o treino do corpo. Eu sabia como treinar o corpo mas não muito como treinar a mente. Na minha meditação, conforme eu fui começando a explorar mais e a compreender melhor a mente, descobri o quanto o mundo em que eu vivia era uma criação da minha própria mente.
O principal interesse em ir viver para Chithurst e tomar a ordenação como noviça em 1979 foi o de continuar este trabalho de exploração da mente/coração. Eu sabia que isto não poderia acontecer sem haver Disciplina. Contudo, na altura, eu estava mais interessada em manter-me junto do meu professor para que ele me ajudasse a aprender acerca da meditação e para eu poder melhor compreender o caminho da prática do que propriamente ordenar-me como monja.

Maria: Conhecendo os Ensinamentos do Buddha que aspectos deste Ensinamento exerceram em si maior impacto?
Sundara: Um dos aspectos mais apelativos dos Ensinamentos do Buddha foi o seu encorajamento para se ser confiante na própria prática. Não havia qualquer tipo de dogma ao qual eu tivesse que aderir e isso fez-me sentir livre para eu poder investigar sem ter de acreditar em alguma entidade ou divindade. A prática, por si só é dependente do nosso próprio esforço e disciplina pessoal. Como o Buddha disse – cada um deve tornar-se uma “lâmpada para si mesmo”.
O Ensinamento, que no coração da mensagem do Buddha é o ensinamento das quatro nobre verdades sobre o sofrimento, em que aponta para a compreensão da natureza do sofrimento, quer ele seja mental, emocional, físico, psicológico ou espiritual – como ele emerge e cessa e como cada um pode ser livre desse mesmo sofrimento. Isto teve ressonância e impacto em mim pelo facto de tocar tão profundamente na nossa situação e condição humana.
A meditação através da presença desperta conduz à experiência directa da mente/coração, à sua sabedoria, à sua capacidade para penetrar a compreensão da real natureza das coisas. Nesta prática não existe a necessidade de esforçar-se pela perfeição, pode-se aprender com os próprios erros, com a vida tal como ela é, através da própria forma de ser. Não há a necessidade de se tornar um ser espiritualizado ideal. Este foi um aspecto que para mim considerei bastante refrescante, a receptividade e aceitação da vida tal como ela se apresenta e o uso de tudo como uma oportunidade para a liberação do sofrimento. Isto conduz naturalmente à transformação do coração. É um caminho muito claro e directo. O Buddha não procurou explicar os grandes mistérios da vida, ele não tentou preparar um sistema metafísico. Em vez disso – ele disse «pratica e verás o resultado da tua prática»; «pratica e verás o que é a liberação».
Mesmo se ele descreve a experiência da liberação, Nibbana (Nirvāna) usando vários adjectivos, como o refúgio, o radiante, o belo, o pacífico, etc… o Nibbana ainda é uma experiência directa que precisa de ser realizada. Claro que eu também estava ciente, de que para seguir este caminho é necessário ter um bom professor, porque ao mergulhar na mente estamos a viajar por territórios desconhecidos que podem ser por vezes tanto assustadores, como abençoados, belos ou infernais. Sem a ajuda de um bom professor que nos possa guiar e apontar-nos os erros que podem ser cometidos na meditação, facilmente podemos ser induzidos em erro.
Quando lemos os ensinamentos do Buddha, percebemos que ele era um ser humano que gostava de experimentar em vez de acreditar em outros. Ele tinha uma mente corajosa que lhe permitiu examinar a natureza da existência humana e investigar profundamente a natureza da realidade última. E como uma praticante do caminho do Budismo, senti-me encorajada a fazer o mesmo. Aprender da minha experiência de vida, ver claro a conexão entre causa e efeito, entre o que eu penso, sinto, as minhas acções e os seus respectivos resultados, entre o que eu digo e o resultado do meu discurso. Deste modo a vida torna-se um solo experimental. Isto torna-nos muito interessados porque quando experimentamos, cada momento é uma nova descoberta, o desconhecido. Quando eu comecei neste caminho, eu não estava interessada em encher a minha cabeça com mais ideias, mais conceitos, mais histórias, mas aspirava por simplicidade. Encontrar os ensinamentos do Buddha a apontar para a presença da mente no agora, a plena atenção no momento presente, o estar plenamente desperto no agora, foi muito refrescante e poderoso para mim.
Isto fez-me perceber o quanto fora do momento presente somos apanhados, em pensamentos, planos, projecções acerca do futuro ou passado e por aí adiante… A realização de que a qualidade da mente, semelhante a um espelho, podia reflectir o nosso mundo foi uma extraordinária descoberta e libertação. Isto permitiu-me realizar o quanto vivemos fora do momento presente, presos no futuro ou no passado.

Maria: Que aspecto deste Ensinamento, em especial, gostaria de partilhar connosco?
Sundara: O que me pareceu emocionante neste Ensinamento foi a sua forma de fortalecer os praticantes do Dhamma (Dharma) na sua habilidade de compreender e libertar o seu coração do sofrimento. É um aspecto de confiança, uma qualidade de que muitas pessoas no caminho espiritual carecem. O Buddha, aponta de uma forma muito simples, as três características fenoménicas da existência: anicca – impermanência, dukkha – sofrimento e anatta - não eu (desapego); habilita-nos, através da prática da meditação, a reflectirmos nas nossas experiências passadas, para assim podermos começar a perceber como tudo está em constante mudança, como tudo é insatisfatório e como nada nos pertence realmente. Pela observação da impermanência das coisas percebemos que o sofrimento não é realmente nosso, que estados pacíficos de mente não são nossos, que a vida não é nossa, que o corpo e a mente não são nossos, e o resultado desta compreensão é uma paz profunda. Quando se pratica deparamo-nos com pequenas voltas e curvas, obstáculos e dificuldades ao longo do caminho que por vezes nos impedem de ver o que está diante de nós com maior clareza. Contudo, tendo como fundamento a meditação e a ética e, com o auxílio de um bom professor, há a possibilidade de alcançar o ponto de compreensão que é o ponto da transformação. A beleza deste caminho é que, através da simples compreensão e reconhecimento de anicca, dukkha e anatta, começamos a ter uma clareza sobre a vida e sobre nós próprios. Aprendendo a transformar o sofrimento através da plena atenção, a qualidade da compaixão emerge e aprofunda-se porque começamos a compreender que enquanto seres humanos somos impotentes, somos cegos, sofremos muito. Percebemos que não temos meios para compreender a nossa condição humana até que haja um despertar da mente para a sua real natureza, para a sua capacidade de reflectir nas experiências passadas quer da mente quer do corpo. Nesta capacidade de plena atenção, de estar desperto e de reflectir, os factores da sabedoria, da compaixão, energia, esforço, fé e confiança, estão presentes e são os catalizadores que possibilitam emergir a compreensão. Tendo o nosso refúgio na plena atenção, no estado de ser desperto e no sentido de tranquilidade com nós próprios, percebemos que estes factores de despertar estão presentes. O Buddha, forneceu-nos muitas ferramentas para curar as doenças das nossas mentes e é maravilhoso termos esta oportunidade no momento presente, de conhecer este Ensinamento e de o podermos praticar. Pareceu-me muito interessante, o facto de que pela compreensão e pela ajuda a mim mesma de ser livre do sofrimento eu ficaria mais apta para ajudar os outros. Senti-me confiante, de que através da prática deste caminho, seria possível viver uma vida mais feliz e mais livre, pela sabedoria, compaixão e a compreensão manifestadas no caminho do Ensinamento do Buddha.

Maria: Depois de 26 anos como monja, qual a experiência mais intensa que teve que possa partilhar connosco?
Sundara: Existem algumas. Uma das mais importantes para mim aconteceu mesmo antes da minha ordenação como noviça. Eu tinha estado na Jugoslávia a ensinar dança contemporânea por um mês. Estava bastante feliz com o meu estilo de vida, usando roupas extremamente belas e sentindo-me deslumbrante. Quando me encontrava em Inglaterra, fui visitar Ajahn Sumedho a Chithurst. Eu já não o via há alguns meses e o Sangha acabara de se mudar da área de Londres para uma área mais de campo (rural). Enquanto lhe contava sobre a minha vida, dizendo-lhe – «o mundo é bastante louco, mas eu adoro-o, com todos os seus desafios, eu acho-o interessante e um bom teste à nossa prática…» – a certo momento ele diz – «Suponho, Françoise (o meu nome de nascimento), que é uma questão de saber onde está o mundo, não é?». Nesse mesmo momento percebi que eu era o mundo e que eu estava criando o meu mundo. Esta foi uma compreensão profunda, porque tudo nesse momento parou e eu estava totalmente no momento presente sem quaisquer pensamentos. Esta experiência conduziu-me à decisão de ficar no mosteiro em Chithurst. Originalmente eu não tinha planos de me tornar monja; de facto eu não queria particularmente ser monja ou ficar no mosteiro. Eu tinha lido muitos livros sobre este assunto da natureza do mundo e da mente e sabia em algum nível, de que o mundo estava dentro de mim, contudo foi naquele momento que eu senti que realmente sabia o que aquilo significava. Aquela compreensão foi muito poderosa, como se de um sentimento de estar separada e só, de repente eu estava ali no centro do mundo, do “meu mundo”!
É claro que tem havido outras experiências muito ricas na minha vida. Uma das minhas favoritas foi durante o início da comunidade, que foi muito interessante, libertador e cheio de desafios. O Mosteiro estava envolvido num ambiente muito belo, mas era frio e húmido e havia muito trabalho físico para ser feito o que tornava a nossa vida um pouco desconfortável. As pessoas estavam a passar por experiências difíceis. O que foi mais enriquecedor foi o ter diante de mim uma situação na qual podia aprofundar a minha prática. Não havia espaço para descansar em si próprio e eu tinha que estar bastante presente e desperta, em cada momento, porque estava a viver com várias pessoas. A dada altura fui colocada na posição de monja sénior e isso foi realmente difícil pois aí passamos a ser vistas como uma autoridade, com todas as dificuldades e desafios que acompanham essa posição.
Após viver quinze anos na comunidade passei um período maravilhoso de dois anos e meio numa floresta, vivendo na maioria das vezes sozinha. Durante esse período a experiência mais memorável que vivi, foi quando passei um mês entre a fronteira de Burma e Tailândia, numa floresta tropical. Vivia debaixo de uma rede mosquiteira sobre uma plataforma de bambu, com um pequeno riacho que passava por detrás e outro que passava diante de mim. Estava bastante isolada, a cerca de 30 minutos de distância de onde os monges viviam e a 20 minutos da colina onde morava a família que cozinhava para a comunidade. Vivendo e meditando nesta remota floresta intacta foi uma experiência de importante abandono, uma profunda experiência de liberação. De certa forma eu sabia que se por um acaso adoecesse ou algo acontecesse, não haveria maneira de chegar a um hospital. O que eu experienciei nesta situação foi muito diferente do que eu esperara. Antes de eu ir para este lugar foi-me dito que esta floresta era habitada por elefantes, tigres, panteras, ursos, cobras e todo esse tipo de animais selvagens. Eu interrogava-me se eu seria capaz de enfrentar com êxito tudo isto! Eu lembro-me de pedir ao Buddha em mim «por favor que eu não me depare com nada que eu não seja capaz de receber com Metta (amor e serenidade)». Parece que resultou! Tudo o que vi foram algumas cobras aqui ou ali, pequenas criaturas que apareciam ou saltavam à distância e que eu não conseguia reconhecer, mas nada de grandes animais. O local por si só parecia um “lugar mágico”, preenchido de luz e energia positiva, extraordinário. Este foi um dos meus momentos favoritos na Tailândia… Eu estava muito feliz, preenchida e em grande paz e surpreendentemente quase não senti medo. Esta foi uma das experiências mais pacíficas e profundas de desapego. Era costume ir até ao riacho todos os dias para me lavar, percorrer cerca de 20 minutos a descer pela montanha para ir buscar o meu alimento diário que era comido às oito e meia da manhã, retornando para a minha plataforma de bambu para passar o restante do meu dia. Este tempo pareceu como um sonho da vida de uma monja da floresta, mas onde o sonho e a realidade se juntaram!
Gostava de voltar novamente a esta ideia de “experiência rica” que foi mencionado no início. Mesmo havendo estes tempos especiais, cada momento de pleno despertar nesta vida e caminho de prática é um momento especial, um momento mágico, embora nem sempre seja sentido desta forma. Estando atento ao momento presente e descansando nele começa-se a ver o mundo de uma nova perspectiva e uma nova liberdade abre as portas para o Dhamma, o ensinamento e a transformação. É especial e ao mesmo tempo bastante comum, porque a realidade está sempre connosco mas nós continuamente a perdemos. É interessante notar que um dos significados do Dhamma é “regra, comum”, aquilo que é normal. Muitas vezes é a nossa mente, que com as suas ilusões, nos mantém num estado de anormalidade!

Maria: Agora que estão a ser dados os primeiros passos para estabelecer um mosteiro Theravada da linha Tailandesa da Floresta em Portugal, poderia falar-nos um pouco como este sistema de vida mendicante, nesta tradição, funciona sobre a perspectiva dos três votos, pobreza, celibato e obediência?
Sundara: Estes três votos são encontrados na religião católica e em muitas outras formas monásticas. Na nossa tradição budista, eles também existem mas não são expressos exactamente da mesma forma. A vida dos monges e das monjas é baseada na renúncia e obediência mas no contexto do Budismo eles têm um significado diferente.
Por exemplo, no caso da obediência, mesmo que durante o período de treino se esteja sob o que se pode chamar a obediência ao professor e superiores, após o treino que tem de duração normalmente cinco anos, é considerado como alguém que integrou o ensinamento e a disciplina e, está apto para continuar o seu caminho, se desejar, de forma independente. É um pouco diferente da vida monástica católica em que se tem um abade ou uma madre superiora a quem tem de se obedecer, talvez para o resto da vida monástica ou pelo menos, enquanto se viver no mosteiro. Eu não sei se as coisas mudaram, mas no meu entendimento, na vida monástica católica aquele que é a cabeça do mosteiro, pode tomar todas as decisões para toda a comunidade e parece ter um poder quase divino.
Há dois mil e quinhentos anos, na Índia, já existia um modelo de investigadores espirituais aos quais chamavam sadhus. Eles eram mendicantes, viviam de esmolas e não carregavam dinheiro, ainda podemos observar em nossos dias este modelo em certos locais da Índia, onde sadhus vivem uma vida de pobreza e castidade e vagueiam como mendicantes. Eles podem ter um professor, mas não há a obediência a um abade ou madre superiora.
Quando o Buddha começou a ordem monástica há dois mil e quinhentos anos, durante os primeiros vinte anos havia apenas a comunidade de monges (a ordem de monjas surgiu após vinte anos da primeira ordenação de monges) e durante esse tempo, não havia estabelecido o código disciplinar monástico como hoje conhecemos como Vināya. Parece que naquele tempo, aqueles monges eram tão puros nos seus corações, tão altamente desenvolvidos que nenhum deles transgredia a ética. O seu nível elevado era o suficiente para saberem usar ao máximo a sua vida meditativa. Mais tarde, quando o Buddha e a comunidade de monges se tornaram mais conhecidos, outro tipo de pessoas que não tinham a mesma integridade ética vieram juntar-se ao Sangha. Então, o Sangha foi estabelecido numa forma de dependência da comunidade de leigos, para o suprimento das suas necessidades materiais e, os monásticos, cuja vida é devotada ao caminho da prática, à meditação, ao Dhamma, à realização do caminho da transformação, em retorno ofertam ajuda à comunidade leiga, na compreensão de como trazer estes ensinamentos para as suas vidas diárias e ajudam a percorrer o caminho espiritual. Podemos ver aqui uma dependência mútua, entre a comunidade de leigos e a comunidade ordenada. Estes modelos tradicionais podem ainda ser encontrados, em nossos dias, na Ásia.
Quando o Budismo tradicional veio para o ocidente, muitos pensaram que não resultaria. Com a nossa cultura ocidental baseada numa ética de trabalho e de auto-suficiência, como poderia um modelo estrangeiro como este ser por ela integrado? Pessoalmente, acho bastante extraordinário que Ajahn Sumedho tenha arriscado, perto de trinta anos atrás, de trazer esta tradição de uma forma não diluída e pura, para o ocidente na tentativa de ver se funcionava.
Desde que tomei a ordenação há 26 anos, eu tenho sido suportada livre e generosamente pela comunidade leiga, quer na minha refeição diária, quer em qualquer outra necessidade material. Nos últimos vinte e três anos desde que sou uma siladhara (uma monja sob 10 preceitos), não tenho usado dinheiro – eu não recebo dinheiro pessoalmente, embora que seja permitido, que monjas e monges recebam fundos para as suas necessidades, através de um leigo que os queira suportar. O facto de que, monges e monjas sem recursos pessoais monetários, estejam dependentes da comunidade de leigos é algo muito precioso, porque nos torna muito mais desperto para o que é realmente importante nesta vida. Ajuda a lembrar que se está aqui, não para ganhos materiais, mas para a liberação, não para a satisfação ou gratificação pessoal, mas para aprofundar a prática e a compreensão do Dhamma (o ensinamento) e a vida. O propósito da prática é o cultivo das qualidades da mente/coração que nos libertam do sofrimento e para estar ao serviço de uma sociedade mais ampla. Então não é uma prática apenas para nosso próprio benefício, pois na medida em que a nossa própria mente se torna mais liberta, realizámos, que nós e os outros não somos diferentes, monges, monjas ou comunidade leiga não são diferentes, somos todos seres humanos; podemos ter diferentes prioridades e compromissos, diferentes votos, diferentes estilos de vida, mas partilhamos esta natureza comum da condição humana. Este relacionamento interdependente entre a comunidade leiga e a comunidade monástica é muito interessante, porque nem todas as pessoas querem seguir uma vida de renunciante baseada nos preceitos, na ética, na meditação, mas mesmo assim as duas comunidades podem continuar a ajudar-se mutuamente.
Voltando um pouco a contemplar a questão da Obediência, percebemos que esta noção, nesta tradição, é mais no sentido de uma obediência ao Dhamma. Naturalmente na vida diária do mosteiro, existe uma certa forma de obediência à pessoa que está encarregue da comunidade, que é mais uma forma de respeito para com a pessoa que se encontra nesta posição de responsabilidade. Mas o aspecto mais importante desta obediência, emerge da nossa prática de meditação. É o tomar a responsabilidade para integrar em nós mesmos e na nossa vida diária o conhecimento, a compreensão, o discernimento e a compaixão desenvolvidos no caminho da prática.
Num outro ponto, considerando a renúncia, mesmo se os monges e monjas nesta tradição do Budismo renunciam ao uso do dinheiro e às posses no nível material, pode observar-se que a vida neste mosteiro é bastante confortável. Então, a renúncia acontece a níveis mais profundos, o desapego à mente condicionada e aos padrões habituais de pensamentos e emoções. É o renunciar à ganância, à avidez, à ignorância, ao ódio e um desapego à nossa identificação com o ser pessoal, como ego.

Maria: Dado que está em preparação a fundação de um Mosteiro desta linhagem em Portugal, o que gostaríamos de perguntar é se gostaria de fazer parte deste trabalho quando este se iniciar?
Sundara: É claro que eu gostaria de ver um Mosteiro desta linhagem estabelecido em Portugal, quer eu esteja lá ou não. Se eu estiver ainda viva quando acontecer, eu adoraria estar lá para celebrar. Vamos deixar para ver o que o Dhamma tem guardado!
   


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