Fundação Maitreya
 
Necessidades e desejos

de Alexander Smit

em 11 Jun 2008

  O homem é um ser de desejos. Em todos os seres humanos existem, a um nível mais profundo necessidades de ter coisas sem as quais não pode viver, tais como água, alimentos, confortos, abrigo e roupa. Estas classificam-se como “obrigatórias”, sendo a característica duma necessidade. As necessidades são absolutamente fundamentais, e durante toda a nossa vida continuam a exercer a sua força coerciva.


Por outro lado aquele que viveu o amor sabe que o amor não é uma necessidade. O amor não ser pode reduzido a uma força coerciva, exposto à repetição, levando-nos à satisfação.
O amor não pode ser dado ou recebido, porque é a nossa natureza real. Quando muito pode ser reconhecido, quando o outro se reconhece a si próprio, como amor.
A redução do amor a uma necessidade exigente, incluindo a esperança e a expectativa de que, de facto, se possa encontrar nele a satisfação, é um erro nas relações modernas.
As necessidades são físicas. O amor transcende o físico e recorda-nos que somos seres espirituais, desejando a união em amor.

A nossa presença ilimitada

Nem a cabeça nem o coração conseguem abranger o que realmente somos. A verdade não tem forma, seja ela física, emocional ou intelectual. Nem tão pouco se pode encontrar a verdade nas ideias(1) sem forma, porque essas mesmas ideias não são mais do que formas mais subtis.
O corpo – que é na realidade uma percepção – é sem dúvida um fenómeno passageiro. Sempre que consideramos ou experienciamos o nosso corpo, estamos na realidade a considerar a ideia que dele temos. Essa ideia tenta dizer-nos que temos vinte e cinco, cinquenta ou setenta e cinco anos. Contudo, o corpo não é uma ideia nesse sentido. É uma impressão momentânea dum fragmento por nós percepcionado à qual – através de uma ilusão da memória – nos apegamos a uma imagem previamente definida.

De um modo geral, a nossa experiência corporal relaciona-se apenas com uma pequena parcela: os pés no chão ou uma comichão na cabeça. No caso de doença, a atenção é igualmente forçada a focar-se na área de desconforto ou de dor por nós sentida. Embora essas ocorrências sejam por nós referidas como “eu” ou o “meu” corpo, elas são na verdade as percepções ultra rápidas de sensações mais suaves ou mais intensas.
Por outras palavras, estas são sensações de coisas que surgem na consciência. O que se manifesta na consciência é um objecto ou uma ideia. O corpo é percepcionado como uma “coisa”, seja ela uma sensação, uma imagem ou uma ideia, tudo produzido pela memória. O mesmo se aplica a todas as outras formas de percepção sensorial, pois estas são também, formas de ideias. E a história que nós produzimos como resultado destas percepções – uma vez mais, através da memória – referimo-nos a ela como sendo “o mundo”.

Cada ideia, incluindo os fragmentos sensoriais percepcionados, projectados em conjunto, e subsequentemente denominamos por “o mundo” – eu, meu, uma pessoa, tu, uma árvore ou o que quer que seja – é limitada. Quanto mais de perto a observamos, mais limitações encontramos. Uma simples percepção pode durar apenas um milésimo de segundo.
Nós percepcionamos ideias, e nunca um mundo.
Antes de nos depararmos com qualquer experiência, que é resultado de ideias, sendo tu uma Presença consciente, tens de já lá estar antes da ideia, durante a ideia, e depois da ideia. Mesmo que olhemos para uma ideia como sendo limitada pelo tempo, ou pelo tempo e espaço, tal é limitada em qualquer dos casos. Não pode experienciar o ilimitado.

Por outro lado, o Ilimitado não pode limitar-se a si próprio – Não pode descer ao nível de qualquer “coisa” de modo a conhecer essa coisa. Nenhum objecto finito consegue enfrentar o espaço infinito. Do ponto de vista do Ilimitado (se é que se pode chamar “ponto de vista”), não existe ideias, não existe alguém a ter ideias, não existe estado de vigília ou de sonho. Tu, sendo Consciência Ilimitada, tu que existes presente antes, durante e depois de qualquer ideia ou percepção, e portanto sem qualquer limitação, não podes ser limitado por qualquer forma de criação, do mesmo modo que o espaço nunca pode estar limitado pelo vento.

Jamais qualquer pensamento ou ideia, mesmo durante meio segundo que seja, capaz de percepcionar o Ilimitado.

Nós somos Presença ilimitada, e não importa quantos fragmentos apareçam ou desapareçam, não há nada absolutamente nada que seja capaz de deixar a sua marca Naquilo que Somos. Porém, o que podemos fazer imediatamente é tornar-nos conscientes do nosso hábito de espalhar “eus” por toda a nossa volta. É nesse processo que despontará a consciência subjectiva.
Então não falaremos mais na minha libertação, no meu amor, na minha iluminação, ou o meu método, porque estaremos então a integrar toda a criação, apreciando-a como uma expressão da Consciência ilimitada. Com base nisto, desenvolver-se-á uma grande descontracção, e a alegria de Ser.
A libertação ou iluminação é a total e incondicional não-apropriação do que quer que seja.

Tradução de José Carlos Rodrigues
Revisão de Helena Gallis

(Texto cedido amavelmente por André van den Brink)

[Excertos do livro: 'Consciousness: talks about That which never changes' by Alexander Smit (1948-1998), um discípulo holandês de Sri Nisargadatta Maharaj. Epigraph Publishing Service, USA, 2008.]
   


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