Fundação Maitreya
 
Porque é que as mudanças nos assustam?

de Arthur Shaker

em 06 Abr 2010

  Todos nós seres humanos queremos a felicidade, e lutamos para escapar do sofrimento. Temos projetos para nossa vida, compromissos com as nossas famílias, contas a pagar, sonhos a realizar. Tudo isso está dentro do mundo E este mundo vive atualmente um processo de grandes mudanças. E rápidas, e muito exigentes.

“Como seres humanos construímos modelos de felicidade na nossa mente. Por meio destes modelos projectamos nossas existências”.

Os jornais falam em crises e obstáculos para suas superações. A todo momento a globalização redefine o mapa do mundo, dos investimentos, das megafusões. A cada redefinição, o temor da perda de emprego, do status, o rebaixamento de salário, incertezas sobre os novos esquemas e relacionamentos de trabalho. As inseguranças agitam e inquietam a mente humana. Ansiedade, tensão, stres.
No vórtice desse processo, a mídia lança o imperativo que abrange também os trabalhadores de alta qualificação, executivos, gerentes: Atualizar-se, se informar, aprender novos métodos, novas tecnologias, estar a par de tudo.
Mudanças aceleradas, pressões, novas mudanças. Ousar, ser criativo, eficiente. Mudanças, mudanças, mudanças, ou seremos postos à margem da vida social e económica. O desafio está colocado.

Para examiná-lo, precisamos nos fazer algumas perguntas, cujas respostas nos ajudem a direcionar as ações que sejam propícias para suas soluções.
Quais são as mudanças que nos são exigidas? Em que áreas de nossa vida: profissional-financeira? Físico-afetiva? Familiar? Psíquica? E como fazê-las? Quais habilidades são exigidas a cada redefinição? Ainda mais: qual o limite de nossa capacidade humana de mudar nossos padrões nas várias áreas de nossa vida, e numa velocidade cada vez mais acelerada? Qual o custo físico e psíquico desse esforço? Todos suportam esse mesmo esforço exigido? E aqueles que não suportam, carregarão perante seus familiares, ambientes de trabalho e amizade, o estigma de “incapazes, lerdos, fracassados”? E o que é mais dramático, como se verão diante de si mesmos?

E por último: onde fica a nossa condição humana nisso tudo? Essa pergunta nos remete diretamente a outra mais sutil e profunda: o que somos nós seres humanos, quais são nossas necessidades? E esta pergunta nos remete a uma ainda mais profunda: qual o propósito, o significado do viver humano?
Há dois mil e quinhentos anos atrás, na Índia, o príncipe Sidhartha Gautama, aquele que se tornará o Buddha Shakyamuni, fez a si mesmo as mesmas perguntas: onde está a felicidade, de onde vem o sofrimento?
Dois milênios e meio se passaram. Hoje temos mais recursos materiais, maiores comodidades foram conquistadas pelo progresso tecnológico: aviões, automóveis, computadores, celulares, medicina, informação, aumento da expectativa de vida e muitas outras coisas úteis ao nosso conforto, recursos que aliviam em certa medida nosso sofrimento.

Com o avanço dos recursos materiais, poderíamos esperar que o ser humano trabalharia menos, e com isso ganharia mais tempo para seu lazer, sua vida familiar, sua vida criativa. Isto estaria acontecendo? Pois o que se ouve são queixas de que se têm cada vez menos tempo para o lazer, a vida familiar, a vida criativa, e que as pessoas se sentem inseguras, solitárias, com medo de perder o emprego, de se tornarem obsoletas, sob crescente pressão das mudanças para situações desconhecidas. Porque tantas notícias sobre o aumento da depressão, enfarte, divórcios, obesidade, colesterol?

Comecemos com o que nos é mais próximo: a funcionalidade que se espera que tenhamos em nossa área profissional, pois esta área gerencia nossa sobrevivência material.

A funcionalidade profissional é como um braço de um corpo. Sua função é prover nossas necessidades materiais básicas, mas não apenas isto: prover também o desenvolvimento de nossas habilidades, que se ligam ao nosso senso de auto-realização. Mas se entramos numa academia e passamos todo o tempo fortalecendo apenas nossos braços, o que acontecerá? Uma atrofia das outras partes do corpo, e o desequilíbrio geral.

Na analogia da funcionalidade dos membros de um corpo, não é só um corpo físico que está em questão, mas nossa vida psíquica-emocional, os pulmões e cérebro deste corpo complexo que é ser humano. Como podemos, usando os desafios colocados para nossas atualizações profissionais, tomá-los como alavancas para refletirmos sobre nossos projetos e padrões condicionados com que direcionamos as ações de nossas vidas? Isso não nos ajudaria a traçar quais mudanças escolheremos, em que proporções, e quais teremos de aceitar por força das contingências?

Mas há um outro lado que nos envolve: não somos apenas aqueles que sofrem as mudanças. Somos co-responsáveis pelas mudanças cujas consequências caem também sobre nós. Temos de incluir isto também na reflexão de nossas vidas: as escolhas que nós – individualmente e ao nível da sociedade – fazemos, e as consequências dessas escolhas, não só para nós, mas também para muitos. Não podemos ignorar que há uma interdependência essencial entre todos os seres vivos.

Não será que estamos esquecendo o fato de que nossa condição humana não se restringe apenas à nossa dimensão material e psíquica-emocional? Talvez nosso modelo de felicidade tenha uma falha séria: o quanto estamos investindo no centro íntimo da nossa mente humana, a matriz espiritual mais profunda de nossa felicidade? Não precisaríamos rever o modelo de felicidade que cada um de nós está construindo para si mesmo?

Lembremos que um dia, tudo que nos é querido será deixado para trás. E nesse momento, o que teremos ao nosso favor será o que tivermos construído globalmente durante nossa vida. Por isso, não precisaríamos aprofundar nossa compreensão sobre a interdependência entre nossa funcionalidade profissional e as outras funcionalidades que constituem nossa condição humana? Isso não nos ajudaria a pensar em fazer das mudanças uma ocasião para ir além delas, para uma transformação interior gradual que construa um modelo de felicidade mais profundo e inclusive mais hábil diante das mudanças? Pois não será que parte de nossas dificuldades com as mudanças têm a ver com nossos apegos e padrões condicionados com que nos colocamos no mundo?

Para o cultivo de nossas funcionalidades, uma mente mais concentrada e apaziguada não nos ajudaria a lidar com nosso ambiente de trabalho de constante mutação e competição feroz? Nesse sentido, como a meditação da tranquilização e do desenvolvimento da sabedoria, realizada e ensinada pelo Buddha nos ajudaria a lidar com nossas várias dimensões humanas, e a atravessar com harmonia essa vida finita?

Esses são alguns pontos que temos de amadurecer em nossa compreensão e prática. A meditação da tranquilização e do desenvolvimento da sabedoria, que chegou ao Ocidente inicialmente restrita aos grupos de interesse espiritualista, está aos poucos ganhando espaço de reconhecimento pela medicina como um dos mais respeitados recursos terapêuticos: “O que tem se visto, de acordo com as numerosas pesquisas científicas a respeito da técnica, é que a meditação se firma cada vez mais como uma espécie de remédio – acessível e sem efeitos colaterais – indicado para um leque já amplo de enfermidades: da depressão ao controle da dor, da artrite reumatóide aos efeitos colaterais do câncer” (Isto É, p. 70, ano 34, no. 2102. SP: Três Editorial, fev/2010).

Nomes de centros médicos como o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, Clínica Mayo, Centro Médico da Universidade de Massachusetts, (EUA), SUS (Política de Práticas Integrativas e Complementares, Ministério da Saúde), Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos, Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, Hospital Albert Einstein (Brasil), bem como de centros de pesquisa como o Centro de Estudos do Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo, Universidade de Brasília, Universidade da Califórnia, Universidade George Mason, Instituto de Psiquiatria do Columbia-Presbyterian Medical Center, Universidade da Carolina do Norte, Universidade de Wisconsin (EUA), Universidade de Exeter (Inglaterra), têm dedicado pesquisas e implementações da técnica da meditação para o lide de muitos males psíquicos e corporais do mundo contemporâneo. E certamente, esta prática saudável deverá aos poucos ganhar espaço no campo também das empresas e seus funcionários, propiciando o incremento de uma qualidade de sabedoria e harmonia interna, beneficiando a todos.

Se esses benefícios já são reconhecidos no campo científico moderno, é importante frisar que a meditação da tranquilização e do desenvolvimento da sabedoria, realizada e ensinada pelo Buddha, têm um propósito que, incorporando essas melhorias psíquicas e físicas, vai para mais além disto: oferece a elevada possibilidade da total erradicação do sofrimento na mente humana, gerado pela cobiça, ódio e delusão. Libertada a mente pela purificação, realiza-se o Nibbana, a suprema felicidade.

Este texto aqui apresentado é uma reelaboração expandida do texto de apoio da palestra “Mudanças” organizada e realizada em 25 de novembro de 2009 pela Universo Qualidade, no auditório do Hotel Renaissance, São Paulo.
   


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