Fundação Maitreya
 
Doutrina Essencial do Buddha

de Bhikkhu Dhammiko

em 30 Ago 2010

  A doutrina do Buddha, ao invés da maioria das religiões no mundo, não constitui propriamente uma religião teísta. A abordagem doutrinária do Buddha caracterizou-se por não definir a realidade de Deus (Brahman em Sânscrito) nem impor essa realidade como definição ou dogma, sem no entanto a negar, mas antes em expor o Nobre Caminho do Meio que conduz à libertação da escravidão material do homem e sua ignorância na matéria, com a realização da iluminação suprema na Verdade.

Introdução

Esta abordagem pragmática do Buddha em relação à realidade, justifica-se pela situação eclesiástica brâmane da época em que ele nasce (550 a.C.), que se encontrava já num período de corrupção e confusão dentro da própria Religião Hindu, estando o conceito Divino já desvirtuado e mal utilizado por uma inclinação excessiva dos Sacerdotes da época a rituais e sacrifícios religiosos de todo o tipo material, em benefício da honra e do orgulho pessoal eclesiástico, onde a atenção se dispersava já mais para um vasto panteão de divindades e Deuses, ao invés da realização individual Divina.

Mediante tal situação e na urgência de encontrar o caminho interior para a verdade, a iluminação e a libertação espiritual, pelo seu próprio esforço, investigação e prática, o Buddha conseguiu que o seu caminho frutifica-se na experiência e busca directa em si próprio, concentrando-se na realização imediata do próprio despertar e potencial interior, integrando assim a realidade a que ele se referia como ‘O Incondicionado’, onde a morte não existe.
O alvo principal da sua prática e ensinamento, apresenta-se assim como o que ele designava de Nirvāna, a libertação espiritual humana e a realização da incondicional imortalidade, com respectiva cessação de toda a atracção, apego, inclinação ou necessidade de regressar ao mundo, acabando assim de vez com o ciclo das reincarnações e da ilusão material na própria consciência do ser.

Desta forma, curiosamente pode-se constatar que o principal objectivo espiritual do Buddha de morrer interiormente para o apego ao mundo físico e ao corpo, partindo para ‘O Incondicionado’, equipara-se muito ao que Jesus disse “O meu Reino não é deste mundo, existem várias moradas em casa de meu Pai”.

O INCONDICIONADO
(Udana 8:1) “Na verdade, existe uma dimensão, onde nem sequer existe o sólido, nem o fluido, nem calor, nem movimento, nem este mundo, nem qualquer outro, nem sol, nem lua.
A isto eu chamo nem surgir, nem passar, nem permanecer quieto, nem nascer, nem morrer. Não existe um ponto de apoio sequer, nem desenvolvimento, nem qualquer base. Isto é o fim do sofrimento.
Existe o Não-nascido, Não-originado, Não-creado, Não-formado. Se não existisse este Não-nascido, Não-originado, Não-creado, Não-formado, então a evasão para fora do mundo do nascido, do originado, do creado e do formado, não seria possível.

Mas uma vez que existe este Não-nascido, Não-originado, Não-creado, Não-formado, assim a evasão para fora do mundo do nascido, do originado, do creado e do formado, é possível.”
Evitando toda a possível especulação, no entanto, o Buddha encorajou todos os seus discípulos e leigos a realizarem a verdade e o caminho da libertação do sofrimento e condicionalismo humano por si próprios, e nisso se baseia a doutrina chave do seu ensinamento.

A forma sistemática com que o Buddha apresentou o Dhamma (Ensinamento), tem como fundamento basilar ‘AS QUATRO VERDADES NOBRES’ onde ele expõe, respectivamente na Quarta Nobre Verdade, ‘O NOBRE CAMINHO ÓCTUPLO’ como o caminho ou mapa que conduz ao despertar, à iluminação e à libertação espiritual. O seu ensinamento, muito em forma de parábola, é no fundo a ferramenta essencial de treino com que ele próprio realizou o seu caminho até à iluminação e ao Nirvana, método de prática que encorajou a todos os seres humanos para a realização individual do caminho para libertação.

Assim, o Dhamma-Vinaya (o ensinamento da Verdade e o Código de treino da disciplina), funcionam na prática como uma ponte para aquela margem abençoada onde não existe nem morte, nem sofrimento, nem escravidão.

A "DOUTRINA DOS ANCIÃOS"
Theravada ( Pāli: thera "anciãos" + vada "palavra, doutrina" ), a "Doutrina dos Anciãos", é o nome da escola de Budismo que possui as suas escrituras no Cânone Pāli ou Tipitaka, que os académicos em geral aceitam como sendo o registo mais antigo dos ensinamentos do Buddha. No livro “Essence of the Heart Sutra” o Dalai Lama menciona que: «It is very important to understand that the core teachings of the Theravada tradition embodied in the Pāli scriptures are the foundation of the Buddha’s teachings». (É muito importante que se compreenda que os ensinamentos Theravada contêm os ensinamentos fundamentais do Buddha). Por muitos séculos, o Budismo Theravada tem sido a religião predominante no Sri Lanka, Myanmar (antiga Birmânia), e Tailândia; actualmente o número de Budistas Theravada em todo o mundo excede 100 milhões de pessoas. Em décadas recentes o Theravada começou a fincar as suas raízes no Ocidente – principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

OS MUITOS NOMES DO ‘THERAVADA’
O Budismo Theravada é identificado através de muitos nomes. O próprio Buddha chamava a religião que ele criou de dhamma-vināya, "a doutrina e a disciplina," referindo-se aos dois aspectos fundamentais do sistema de treino ético e espiritual que ele ensinava. Devido à sua histórica predominância no sul e sudeste da Ásia (Sri Lanka, Myanmar, Tailândia, Laos, Cambodja), o Theravada também é identificado como o "Budismo do Sul" em contraste com o " Budismo do Norte" que migrou da Índia para o Norte em direcção à China, Tibete, Japão e Coreia. O Budismo Theravada também é frequentemente identificado como "Hināyāna" (o “Veículo menor/inferior”), em contraste com o "Mahāyāna" (o "Veículo maior/superior") onde se insere o Budismo Tibetano, Zen, Ch’an e outras expressões do Budismo do Norte da Ásia. O uso do termo pejorativo "Hināyāna" teve a sua origem nos primeiros cismas que ocorreram na comunidade monástica, por parte do grupo que mais tarde se identificou como Mahāyāna. Muitos académicos utilizam, no entanto, a denominação Hināyāna despojada de qualquer intenção pejorativa.

PĀLI: O IDIOMA DO THERAVADA
O idioma dos textos canónicos do Budismo Theravada é o Pāli, um idioma próximo do Magadhi, que era provavelmente falado na região central da Índia durante o período do Buddha. A maioria dos discursos proferidos pelo Buddha, foram memorizados pelo Venerável Ananda, seu primo e assistente pessoal.
RESUMO DOS ENSINAMENTOS DO BUDDHA
(Sumário dos ensinamentos chave do Budismo Theravada)
Pouco após a sua Iluminação, o Buddha ("O Iluminado") proferiu o seu primeiro discurso definindo a estrutura básica sobre a qual se baseariam todos os seus ensinamentos seguintes. Essa estrutura básica é “As Quatro Verdades Nobres”, quatro princípios fundamentais da natureza (Dhamma) que emergiram da avaliação honesta e profunda que o Buddha fez da condição humana e que servem para delinear a prática Budista em toda a sua abrangência. Essas verdades não são afirmações de fé, são na verdade categorias nas quais podemos enquadrar nossa experiência de tal forma que possamos criar condições para a Iluminação;

AS QUATRO VERDADES NOBRES
1. Dukkha – existe sofrimento, dor, angustia, insatisfação, descontentamento, imperfeição;
2. A causa de dukkha – a causa dessa insatisfação é o anseio (tanha) pela sensualidade, pelo ser/existir e por não ser/existir;
3. A cessação de dukkha – o abandono e superação desse anseio condicional é possível;
4. O caminho que leva à cessação de dukkha – o Nobre Caminho Óctuplo (8 factores): 1 entendimento correcto; 2 pensamento correcto; 3 linguagem correcta, 4 acção correcta, 5 modo de subsistência correcto, 6 esforço correcto, 7 atenção plena correcta e 8 concentração correcta.

Para cada uma dessas Verdades Nobres o Buddha identificou uma tarefa específica que o praticante deve realizar: a primeira Nobre Verdade deve ser compreendida; a segunda deve ser abandonada; a terceira deve ser realizada; a quarta deve ser desenvolvida. A realização completa da terceira Nobre Verdade abre o caminho para a penetração de Nibbāna (Sânscrito: Nirvana), a liberdade transcendente que é o objectivo máximo dos ensinamentos do Buddha.

O NOBRE CAMINHO ÓCTUPLO
(Arya-aṭṭhangikamagga)
O caminho que conduz ao fim do sofrimento é o Nobre Caminho Óctuplo, a citar:
1. Visão Correcta
Sammā-diṭṭhi
2. Pensamento Correcto
Sammā-sankappa III. Sabedoria
Paññā
3. Linguagem Correcta
Sammā-vācā
4. Acção Correcta
Sammā-kammanta
5. Subsistência Correcta
Sammā-ājiva I. Moralidade
Sīla
6. Esforço Correcto
Sammā-vāyāma
7. Atenção Correcta
Sammā-sati
8. Concentração Correcta
Sammā-samādhi II. Concentração
Samādhi

A última das Verdades Nobres – onde o Buddha expõe O Nobre Caminho Óctuplo – contém a prescrição de como aliviar nossa insatisfação e alcançar a eventual libertação, de uma vez por todas, deste ciclo ilusório de vida e morte (samsāra) doloroso e desgastante ao qual – pela própria ignorância (avijja) das Quatro Verdades Nobres – estamos presos por eras incontáveis. O Nobre Caminho Óctuplo oferece um guia prático e completo para o desenvolvimento de qualidades e habilidades benéficas que devem ser cultivadas para o praticante alcançar o objectivo final, a liberdade e felicidade supremas, Nibbana.
[...] Este é o Caminho do Meio que o Ser Perfeito encontrou, que resulta tanto em ver como em saber, que conduz à paz, ao discernimento, à iluminação, ao Nibbāna.

A expressão figurativa "Caminho" ou "Via" tem sido por vezes mal compreendida, no sentido em que os factores singulares desse Caminho deveriam de ser praticados, um após o outro, pela ordem referida. Nesse caso, a Visão Correcta, i.e. a penetração plena na Verdade, teria que se realizar primeiro, antes que se pudesse pensar em desenvolver o Pensamento Correcto, ou de praticar a Linguagem Correcta, etc. Mas na realidade, os três factores (3-5) que constituem a secção da Moralidade (sīla) têm de ser aperfeiçoados primeiro; depois disso, tem de se dar atenção ao treino sistemático da mente praticando os três factores (6-8) que constituem a secção da Concentração (samādhi); só então depois desta preparação do carácter e da mente, o ser humano será capaz de alcançar a perfeição nos dois primeiros factores (1-2) que constituem a secção da Sabedoria (paññā).

No entanto, logo de início, é indispensável, um mínimo de Visão Correcta, uma vez que é fundamental uma certa compreensão dos factos acerca do sofrimento, etc., para oferecer razões convincentes e incentivo para uma prática diligente no Caminho. A Visão Correcta também é necessária para ajudar os outros factores no Caminho, de modo a cumprirem inteligente e eficazmente as suas funções na tarefa comum para a libertação. Por essa razão, e para enfatizar a importância desse factor, foi dado à Visão Correcta o primeiro lugar no Nobre Caminho Óctuplo.

Esta Visão inicial do Dhamma, no entanto, tem de ser desenvolvida gradualmente com a ajuda dos outros factores do Caminho, até atingir finalmente aquela elevada clareza de Introspecção (vipassanā), que é a condição imediata para entrar nos quatro Estágios Sagrados e alcançar o Nibbāna.[...] – in ‘A Palavra do Buddha’ de Nyanatiloka.
Na prática, o Buddha ensinou o Nobre Caminho Óctuplo aos seus discípulos de acordo com um sistema de treino gradual, começando com o desenvolvimento de sila ou virtude (linguagem correcta, acção correcta e subsistência correcta, que na prática estão resumidos nos cinco preceitos), seguido pelo desenvolvimento de samādhi ou concentração (esforço correcto, atenção correcta e concentração correcta), culminando com o pleno desenvolvimento de pañña ou sabedoria (visão correcta e pensamento correcto).

Vendo por outro ângulo, a longa jornada no caminho para a Iluminação tem início a sério com os primeiros sinais de alguma movimentação na questão do entendimento correcto, os primeiros lampejos de sabedoria através dos quais a pessoa reconhece tanto a validade da Primeira Nobre Verdade e a inevitabilidade da lei do kamma (sânscrito karma), a lei universal de causa e efeito. A partir do momento em que a pessoa se dá conta, de que más acções inevitavelmente trazem maus resultados, e que boas acções trazem bons resultados, o desejo de viver uma vida moralmente correcta e íntegra, de adoptar seriamente a prática de sila, cresce. A confiança criada a partir desse entendimento preliminar leva o praticante a ter ainda mais fé nos ensinamentos. O praticante torna-se um "budista" a partir do momento em que expressa uma determinação interior de "tomar o refúgio" na Jóia Tríplice: o Buddha (tanto o Buddha histórico como o potencial de cada um de alcançar a Iluminação), o Dhamma (tanto os ensinamentos do Buddha histórico e a verdade última que eles revelam), e o Sangha (tanto a comunidade monástica que protegeu os ensinamentos e os colocou em prática desde os tempos do Buddha como todos aqueles que alcançaram algum grau de Iluminação). Tendo fincado firmemente os pés no solo através da tomada do refúgio e, com o auxílio de um bom amigo (kalyanamitta) para ajudar a indicar o caminho, a pessoa estará pronta para trilhar o caminho, confiante de que estará seguindo as pegadas deixadas pelo próprio Buddha.

O progresso ao longo do caminho não segue uma trajectória linear simples. Em vez disso, o desenvolvimento de cada aspecto do Nobre Caminho Óctuplo encoraja o refinamento e fortalecimento dos demais, levando o praticante adiante
A um nível mais prático, o monasticismo e a prática budista da meditação, têm um papel fundamental no cultivo da disciplina interior que ajudará a realizar a própria transcendência da personalidade, onde o ser, através de uma perseverança e concentração progressivas, vai alcançando estágios cada vez mais refinados em uma espiral ascendente de maturidade espiritual que eventualmente culminará na Iluminação.
Os últimos factores no referido Nobre Caminho Óctuplo, compreendem o ponto de passagem ou a porta Sati (Consciência pura – Atenção) na meditação, onde o ser transcende a personalidade, “morre” e “ressuscita” para níveis mais subtis da chamada “imortalidade” fora da matéria.

9. Esforço Correcto
Sammā-vāyāma
10. Atenção Correcta
Sammā-sati
11. Concentração Correcta
Sammā-samādhi II. Concentração
Samādhi

Essa Iluminação, esse Poder, essa Consciência Superior, vai-se destilando através de uma disciplina e prática de concentração (Samādhi), passando por estágios graduais de bênção e compreensões (jhānas) até se realizar o Nibbāna ou a Libertação última deste plano condicional de matéria física.
Para isso, é preciso um treino e uma regra que respectivamente ajudem o peregrino e discípulo a conter e a conduzir a sua vida interior no sentido ascendente das elevadas realizações. Esse é o objectivo da vida monástica, intensificar e estreitar o campo de vida humana especificamente no sentido da Libertação e Bênção espiritual, sendo o Código monástico das Regras (Vināya) com sua disciplina e convenções, senão o veículo e a estrada que a par com a sua sinalização, nos impelirá a bom termo. O Vinaya (Código monástico) é no entanto inseparável do Dhamma com a sua doçura e inspiração, daí o ensinamento se chamar Dhamma-Vinaya.

KĀLĀMA SUTTA
Não acredites em tudo
somente porque ouvistes dizer.
Não acredites em tradições só porque elas
foram transmitidas de geração em geração.
Não acredites em seja o que for só porque
é falado e rumorejado por muitos.
Não acredites em seja o que for só porque
está escrito nos teus livros de religião.
Não acredites em seja o que for somente
pela autoridade dos teus professores e anciãos.
Mas com observação e análise,
quando encontrares algo que faça sentido com razão e é
condutivo ao bem e ao benefício do próprio e dos outros,
então, aceita e vive por isso.
Buddha
(Anguttara Nikaya, Vol 1,188-193 P.T.S. Ed.)
   


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Impresso em 28/3/2024 às 19:39

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