Fundação Maitreya
 
Jesus na tradição Sufi

de Faouzi Skali

em 12 Nov 2010

  Há algumas décadas que o sufismo é considerado em França uma importante via espiritual, fascinante sobretudo pela riqueza e esplendor da sua literatura.
Eva de Vitray-Meyerovitch e Faouzi Skali, (autor do livro) serão dois dos principais artesãos deste emergir do sufismo, actualmente até mais acessível no Ocidente que em muitos dos países de cultura muçulmana, onde esta dimensão interior do islamismo foi muitas vezes ocultada ou até mesmo completamente esquecida. Pelos ensinamentos que veicula, o sufismo é sobretudo uma tradição de sabedoria e uma ponte entre culturas e religiões. O lugar que Jesus nele ocupa é, de resto, bem ilustrativo: através do testemunho e da vivência dos sufis mais ilustres, os ensinamentos de Jesus adquirem uma cor e um vigor insuspeitos. Os ditos, as parábolas e os actos do Messias, filho de Maria, inscrevem-se numa pedagogia iniciática que não deixa de lembrar os métodos utilizados no interior das vias sufis.


“E naquela que se manteve virgem insuflámos o nosso Espírito. Fizemos dela e do seu filho um sinal para os mundos”
Alcorão XXI, 91
As relações de Jesus com os apóstolos são do mesmo teor que as mantidas por Maomé com os seus Companheiros ou até mesmo das que se geram à volta de um mestre sufi vivo. Isto porque, em qualquer dos casos, o que está em jogo é o mesmo: encontrar a dimensão interior que não vislumbrámos devido ao poder ilusório do ego.
Como é dito no prefácio:”...Eva de Vitray e Faouzi Skali reúnem as qualidades que lhes permitem ser, para os ocidentais, testemunhas de envergadura ao serviço desse islamismo interior. Os seus caminhos cruzaram-se nas ruas de Fez, nas salas de conferências de França ou em casa de Sidi Hamza, seu guia espiritual comum. No entanto, apesar dos seus abundantes projectos de escrita comum, os acasos do destino fizeram com que só colaborassem num único tema: O lugar de Jesus no sufismo. Isto confere ainda um interesse maior a esta obra, que por outro lado, nos lembra o sentido profundo do ciclo das Revelações: todos os profetas têm por missão lembrar e adaptar às condições da época uma única mensagem, proveniente de uma só Fonte e que toque o coração da humanidade”.
Assim, em “Jesus na tradição Sufi”, Faouzi Skali, ele próprio um sufi e membro de uma confraria, dá continuidade ao trabalho iniciado com Eva de Vitray, também ela uma conhecida islamóloga.

Apoiando-se no Evangelhos, no Alcorão ou ainda em outros textos místicos das tradições cristã e islâmica, o autor traça um retrato de Jesus que, muito para além das barreiras confessionais, nos convida a uma religião do coração.
Faouzi Skali Nasceu em Fez em 1953. É doutor em Antropologia, Etnologia e Ciência das Religiões. Ensinou durante vários anos na École Normale Supérieure da sua cidade natal. Fundou em 1994, o Festival de fez de Músicas Sagradas do Mundo e em 2001 criou os colóquios internacionais “Uma alma para a mundialização”. Em 2007 deu início ao “Festival da Cultura Sufi”, que acontece todos os anos. Tem dedicado grande parte da sua vida ao diálogo de culturas, razão pela qual as Nações Unidas o apontaram como ”uma das sete personalidades que mais contribuíram para o diálogo entre as civilizações”. Faz também parte do Grupo de Sábios nomeado pela União Europeia para uma reflexão sobre “Diálogo entre os Povos e as Culturas no Espaço Euromediterrânico”.

O livro “Jesus da tradição Sufi” aborda de uma forma quase singela os paralelismos encontrados pelo autor e outros estudiosos entre a vida de Jesus e a do profeta Maomé, ou entre textos sagrados evocando, comparando e recorrendo a outros mestres.
“No que se refere à representação de Jesus no seio do Islamismo, temos de invocar as duas noções essenciais: as de dhâhir e de bâtin a exterioridade e a interioridade. Esta dupla abordagem que integra dois níveis de ser e de conhecimento, pode permitir-nos abordar a forma como o Islamismo respondeu à interrogação: “E vós que dizeis? Quem sou eu?” (Marcos VIII, 29). No plano do dhâhir Jesus apresenta-se como profeta, portador de uma mensagem divina destinada à humanidade num preciso momento da história do mundo; no plano do bâtin, surge como “Selo da santidade”, manifestação do Espírito, arquétipo do Homem perfeito, Mediador. Segundo Ibn Arabi,é o próprio Alcorão que anuncia o regresso de Jesus no fim dos tempos; já não como profeta “legislador”, mas enquanto Selo da santidade universal. E acrescenta: “Ele é o Espírito e é o Filho do Espírito e da Virgem Maria (...) Descerá para o meio de nós como árbitro justo”.

Para exemplo da beleza das comparações encontradas por Faouzi Skali, aqui de deixam algumas passagens e citações:
“...os sufis seguem a realidade suprema – “a Lei revelada é como uma candeia iluminando o caminho. Enquanto não pegares na candeia não podes viajar; e depois de chegares ao fim da viagem, é a Realidade suprema” – Rûmi.
“ Na perspectiva islâmica há afinidades particulares entre Maomé e Jesus. É assim que o Profeta Maomé declara: “Os Profetas são irmãos pela sua origem: nasceram de mães diferentes, mas a sua religião é a mesma. Mais do que qualquer outro, reclamo-me de Jesus, filho de Maria, pois entre nós dois não há mais nenhum Profeta.” Para os muçulmanos, o profeta Maomé não é mais que o Paracleto anunciado por Jesus no Evangelho de João: “Se me amais, dedicar-vos-eis a observar os meus mandamentos, eu rezarei ao Pai: ele dar-vos-á um outro Paracleto que ficará convosco para sempre”( JoãoXIV,15-16).
Esta passagem do Evangelho pode aproximar-se do versículo seguinte do Alcorão: “Jesus, filho de Maria, disse: ”Ó filhos de Israel! Eu sou verdadeiramente o Profeta de Deus enviado para junto de vós para confirmar a Tora anterior a mim e para vos anunciar a boa-nova de um Profeta que virá depois de mim e que terá o nome de Ahmad”. (Alcorão LXI, 6). A palavra árabe Ahmad tem a mesma raiz da palavra Muhammad e tem um significado muito próximo: “o louvado”. Ora, a palavra grega pericletos – que traduzimos para “Paracleto” – significa precisamente “aquele que é digno de louvores”. De resto, o evangelista João precisa mais adiante que este enviado que há-de vir, não falará de si mesmo, mas irá repetir o que ouvir. “Quando chegar o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à Verdade toda. Pois não falará de si mesmo, mas dirá o que ouvir e comunicar-vos-á tudo o que está para vir. Glorificar-me-á pois receberá do que é meu e vo-lo comunicará” (João XVI, 13-14). Isto faz evidentemente pensar no processo da Revelação corânica, durante a qual Maomé ”recebia” os versículos e os comunicava fielmente.

Entre as teorias e comparações, muito interessante será também verificar passagens do Alcorão que para nós de cultura judaico-cristã serão muito pouco conhecidas, e assim vermos as inúmeras semelhanças como:
“Os anjos disseram a Maria: “Ó Maria! Deus escolheu-te e tornou-te isenta de toda a nódoa, elegeu-te entre todas as mulheres do universo. Ó Maria! Sê piedosa perante o teu Senhor, prostra-te e inclina-te perante Ele, juntamente com aqueles que se inclinam” (Alcorão III, 42-43). Ou: “Deus ensinar-lhe-á o Livro, a Sabedoria, a Tora e o Evangelho e ei-lo Profeta enviado aos filhos de Israel: “Vim até vós com um Sinal do vosso Senhor! Irei por vós criar da argila uma forma como que de um pássaro. Sopro-lhe e torna-se “pássaro”, como Consentimento de Deus. Curo o cego e o leproso, ressuscito os mortos, com o Consentimento de Deus. Informo-vos sobre o que comeis e sobre o que escondeis na vossa casa. Há verdadeiramente nisso um Sinal para vós se fordes crentes!” (Alcorão III, 48-49).

“Jesus na tradição sufi” parece-nos enfim uma obra importante embora muito simples para quem queira aprofundar conhecimentos sobre o paralelismo das religiões. Está editada em Português a partir da versão Francesa por João Tinoco, numa 1ª edição Hamsa, datada de Outubro de 2009.
   


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