Fundação Maitreya
 
Emoções maduras

de Ajahn Vajiro

em 11 Jun 2012

  O Buddha fala nos seus ensinamentos acerca dos Brahma Viharas. Estes são normalmente traduzidos como o divino ou reinos celestiais, sendo esta uma interpretação baseada na tradução literal: Brahma – Deus; Vihara – habitat, habitação. Os Brahma Viharas podem ser trazidos dos céus à terra se considerarmos que enquanto emoções eles impelem e encorajam a transcendência das limitações da existência humana. Esta “transcendência da limitação” é uma definição de crescimento. Posso agradecer a semente desta ideia a um amigo que mencionou que os Brahma Viharas (metta, karuna, mudita e upekkha) poderiam ser considerados emoções maduras. O que se segue são algumas reflexões adicionais e não uma análise detalhada e abrangente dos Brahma Viharas, a qual poder ser encontrada em livros sobre Budismo.

Parece-me claro que emoções são algo que nos move. Penso nelas como algo que produz, alimenta ou nos dirige ao movimento. Elas providenciam o combustível que catalisa o movimento ou a acção, em direcção a um determinado objecto ou situação, ou ao afastamento deste. Movemo-nos e agimos através do corpo, da fala e a da mente e esse movimento é uma resposta a um estímulo dos sentidos. É nesta resposta que podemos observar o surgir de emoções. Antes do movimento ocorre o estímulo dos sentidos – a isto chama-se contacto. Um sentimento surge e depois uma percepção – é aqui que entram as emoções maduras. Em Pali não existe uma tradução directa para a palavra emoção. Uma emoção é uma mistura de percepção e de sankhara (padrão de hábito), ambos os quais podem ser conscientemente treinados e educados. Emoções maduras são aquelas emoções que constituem a resposta de uma pessoa desenvolvida às situações da vida.

Por vezes, o objectivo do Budismo pode ser descrito de uma forma que me leva a pensar que se procura ter um coração frio, sem emoção ou paixão: onde não há resposta, sentimento, desejo ou motivação. Isto entra em conflito com a imagem que temos do Buddha, como alguém com uma forte motivação, com uma compaixão tão forte que o levou a viver uma vida em benefício dos outros seres humanos.

Emoções maduras também são aquelas emoções que permitem que os outros amadureçam. Assim, quando alguém age ou responde com uma emoção madura, os outros seres humanos são levados a transcenderem-se, a crescer para além das suas próprias limitações. Isto parece abstracto, mas quando reflectimos de que forma os pais podem permitir que os seus filhos amadureçam da melhor maneira possível, vemos que é através da expressão de emoções maduras.

As quatro “emoções maduras”, tal como são aqui explicadas, podem ser compreendidas, na prática, como estando interligadas. Elas são divididas apenas por conveniência, para que as possamos analisar e explicar. São como diferentes aspectos do mesmo sítio, diferentes formas de descrevermos o céu. Descrevemos os seus diferentes aspectos para que isso nos ajude a encontrar uma maneira de nos apercebermos delas, de forma a expressá-las na nossa vida.

Metta – amabilidade/bondade – quando estabelecida em nós, encoraja-nos a aceitarmos a nós e aos outros, sendo assim possível compreendermo-nos. Compreensão implica sabedoria e é a sabedoria que nos permite encontrar o caminho, irmos mais além e abrirmos mão daquilo que limita e obstrui o coração. A bondade, quando expressa aos outros, permite-lhes que se aceitem a si próprios. Esta é uma aceitação emocional instintiva ou do coração, que permite que as acções do corpo, da fala e da mente (que são uma resposta ao que é visto como “os outros”) sejam amáveis – e não motivadas pelo não gostar, pela aversão ou pelo medo. O efeito é Metta sem limites, radiante e atraente, aquecendo o coração daqueles que são frios e refrescando o coração daqueles que são demasiado fervorosos.

Karuna – compaixão – funciona permitindo que nos apercebamos da dor, angústia, aflição, agonia, tormento e nervosismo dos outros, de uma forma clara, pois deixamos que essas emoções sejam também parte da nossa experiência, passando estas assim a ser algo que se moveu para além do universo do ignorado e inconsciente, passando a fazer parte do universo do incluso, aceite e consciente. A compaixão tem a característica de “espaço”, permitindo que as coisas existam tal como são, que se transformem e que cessem. Permite particularmente que a dor cesse. Isto significa que deve-se ser paciente, sem a pressa de querer forçar o fim da dor ou de tentar livrar-se desta de uma forma intrusiva.

Karuna é o lado activo da Sabedoria e o supremo purificador. A compaixão do Buddha permitiu-lhe perceber que ainda existem coisas que um ser iluminado pode fazer. Foi a compaixão que o motivou a ensinar “para o benefício daqueles que tem apenas um pouco de poeira nos olhos”. Misericórdia pode ser visto como uma forma de compaixão. É uma palavra não muito usada porém evocativa da qualidade do coração que está disposta a suportar os fardos dos outros, sempre disposta a ajudar da melhor maneira possível, estando atenta aos pedidos de ajuda e agindo. Os “pedidos” por vezes não são muito óbvios. Podem ser tão simples como ajudar a preparar um evento ou ajudar a arrumar e limpar o espaço depois deste. Sempre que reparamos que alguma assistência é necessária e estamos dispostos a prestá-la, estamos a praticar karuna.

Mudita é normalmente traduzida como alegria empática. Apreço, alegria e “trazer alegria” são palavras que evocam em mim as qualidades do coração que são o oposto de inveja e ciúmes, são o oposto das características que tencionam deitar alguém a baixo, subjugado a um nível inferior.

Mudita implica a total consciência. Precisamos de descriminar, de ser conscientes, de nos abrirmos à possibilidade de apreciação. Algo que é particularmente encorajado é sermos conscientes do bem, das virtudes e da sabedoria nos outros e em nós. O que mudita permite é o surgir de uma aspiração de sermos ou praticarmos as características positivas que observamos nos outros. Luang Por Sumedho disse que quando podemos apreciar a beleza de uma rosa em plena abertura, podemos ser movidos por mudita. A sugestão é a de praticarmos a todos os níveis. Por vezes, quando olhamos para uma rosa, podemos ser apanhados no chamado “realismo” e apenas observar uma flor que irá murchar. Podemos ser um pouco como “Scrooge” com “bah humbug” (humbug – embuste), uma resposta amarga a qualquer sugestão de que beleza pode ser apreciada sem cair no desejo de possuir ou de nos apegarmos. O equilíbrio surge quando upekkha está presente.

Upekkha – novamente aqui vai primeiro a tradução mais comum – equanimidade. Prefiro “serenidade”, com a sugestão implícita de aceitar a limitação e de nos erguermos acima dela. A frase “sê sereno na unidade do todo” sempre me impressionou como uma bela sugestão para o meu coração, quando existe frustração com a cadência da vida, com as limitações do universo, com as minhas próprias limitações ou com as dos outros. Tem de haver uma aceitação consciente das coisas tal como elas são, para permitirmos que o coração se treine de forma a transcender essa limitação.

Ao nível mundano, se eu quiser treinar-me a dactilografar com os dez dedos, primeiro tenho de aceitar que neste momento não tenho essa habilidade. Só então é que posso honestamente fazer um esforço para aprender a treinar os dedos e os olhos a trabalhar em conjunto de uma forma automática. Se eu não estiver disposto a aceitar o facto de que de momento não tenho essa habilidade e se ainda assim eu quiser dactilografar com os dez dedos então posso fingir, mas a única pessoa que eu estaria a enganar seria a mim próprio. Fazemos isto em grande escala quando gostaríamos de ser tidos como maduros e realizados, mas somos incapazes de aceitar as nossas limitações. Podemos fingir ser maduros quando de facto não estamos seguros quanto às nossas emoções ou intenções e nos permitirmos ser conduzidos por emoções imaturas e prejudiciais. No caso de dactilografar com dez dedos não existe nenhum mal real consequente. No caso da pessoa que finge para si e para os outros que é crescida, é mais perigoso quer para a própria pessoa quer para os outros.

Os quatro Brahma Viharas funcionam em conjunto. Ajahn Buddhadasa descrevia upekkha como aquele que supervisiona os outros três. Em situações benéficas e harmoniosas mudita é a motivação madura do coração. Se for possível aliviar uma situação onde exista dor ou desconforto devermos invocar a compaixão (karuna). Uma situação feia e desagradável necessita de metta. Aceitação, um dos aspectos de metta, ressoa com a aceitação da limitação que está implicada em upekkha e é por isso que metta é um princípio tão importante.

Para a maioria dos seres humanos, e até mesmo para os animais, metta (tal como podemos encontrar na aceitação que uma mãe tem pelos filhos) é a primeira emoção que nos possibilita crescer e começar a amadurecer. Se não houver uma expressão de metta para com os nossos descendentes, particularmente para com uma criança humana, essa prole irá morrer rapidamente ou tornar-se-á imatura e pervertida. É esta a motivação primordial que permite aos jovens amadurecerem. Os jovens expressam-no através da maneira como abordam e aprendem acerca do estado no qual se encontram. As crianças pequenas apanham coisas do chão sem qualquer sentido discriminatório e para grande horror dos adultos, põe-nas na boca. Nesta acção da criança existe um nível de aceitação muito grosseiro e uma ausência de descriminação que opera quando a criança começa a almejar algo para além dela própria.

A compaixão permite-nos reconhecer as mudanças e desenvolvimentos que são parte das transformações naturais que ocorrem enquanto somos bebés, crianças, adolescentes, adultos e idosos. Ela reconhece também a dor da separação daquilo que nos é conhecido e que faz parte deste processo, lidando com as mudanças de uma maneira sensível.
Mudita permite que desfrutemos da vida: a beleza e as maravilhas desta estranha experiência de sermos uma vida individual sensível, de alguma forma misteriosamente ligada ao todo. E quando permitimos que todo o medo do desconhecido caia por terra, a maravilha do desconhecido passa a ser apreciada e desfrutada.

O que nos move na vida, a meio de incertezas e mudanças, é aquilo que nos trás liberdade. As nossas intenções movem-nos e são o campo da nossa maior liberdade. Usar e estimular esta liberdade com sabedoria é o desafio.
   


® http://www.fundacaomaitreya.com

Impresso em 29/3/2024 às 11:04

© 2004-2024, Todos os direitos reservados