Fundação Maitreya
 
O Yoga Vāsiṣṭha - 4ª Palestra

de Alejandro Corniero

em 15 Jul 2012

  O Yoga Vāsiṣṭha conhecido também como Mahārāmāyaṇa (O Grande Rāmāyaṇa) constitui um apêndice do Rāmāyaṇa, o grande poema épico hindu, atribuído ao sábio Vālmīki, e é composto por 32.000 versos (ślokas). Utilizando a forma de um diálogo entre Rāma e o Ṛṣi Vasiṣṭha, o livro expõe a doutrina do Advaita Vedānta em toda a sua pureza, e os seus ensinamentos contêm o que de mais profundo existe na sabedoria hindu. O Yoga Vasiṣṭha era o livro preferido dos yogīs e ermitãos que viviam retirados no Himālaya, mas também era uma obra considerada fundamental para os reis e homens de estado da Índia.Os sábios antigos eram da opinião de que, quem estuda com atenção esta obra, e vive os seus ensinamentos, se eleva acima das limitações da matéria e, experimentando uma beatitude imutável no seu ser, leva os seus semelhantes a participar da sua própria exaltação espiritual, através da bondade e da verdadeira filantropia. Nestes extractos seleccionados que passaremos a apresentar por capítulos encontram-se ensinamentos do Yoga tradicionais como são ensinados e postos em prática pelas mais altas autoridades espirituais da Índia. Trata-se de uma jóia de espiritualidade e sabedoria que apresenta as noções fundamentais do Vedānta numa forma mais exequível do que os tratados de estilo mais filosófico, sem perder, contudo, o que tem de elevado e de profundo.

Rāma disse:
«Senhor, como podemos deter a roda da ilusão 1, que, com a sua rápida rotação, mói cada pedaço do nosso corpo?»

Vasiṣṭha disse:
«Sabe, Rāma, que o mundo, com seu percurso circular, é a grande roda; e o coração humano é o seu eixo, o qual, devido à contínua rotação, produz toda esta ilusão dentro da sua circunferência. Se, com o teu esforço valente fores capaz de parar esse movimento no teu coração, deterás ao mesmo tempo a rotação da órbita da ilusão.

A alma que descuida este conselho expõe-se a uma miséria infindável, enquanto se o mantiver sempre presente no seu espírito, evitará todas as dificuldades deste mundo.
O mundo está na alma como o ar contido num recipiente, e tu és o prisioneiro contínuo desse mundo mental imaginário que é o teu; tal como uma mosca encerrada dentro do recipiente, não conseguirás libertar-te, se não te escapares desse cárcere, tal como a mosca só voando para o ar livre.

O meio para te desembaraçares dessa ilusão da alma, será de fixares a atenção no momento presente e evitar que os teus pensamentos se dirijam para actos passados, ou futuros. A alma encontra-se toldada enquanto a névoa dos desejos e caprichos a envolva, como o céu coberto de nuvens.

Quando se produz uma actividade na alma, ela vê-se inevitavelmente acompanhada por um cortejo de desejos, assim como do sentido do prazer e do sofrimento; sentimentos e paixões formam a sua escolta, tal como os corvos rodopiam à volta de um vulcão extinto.
As almas dos sábios não sentem falta da actividade, mas, como conhecem a vaidade das coisas terrenas, carecem sim, desses sentimentos que enganam.

Adquiriram o conhecimento da irrealidade e da inexistência dos objectos e acontecimentos terrenos, e tal provem do conhecimento da natureza das coisas e do estudo dos ensinamentos do yoga Adhyātma que se partilha nos Satsanga e noutros lugares, e também graças à sua assiduidade com o Mestre, à sua prática meditativa e à sua vida livre do egoísmo.
Deixa de lado o que seja tangível, ou que possas alcançar com a tua actividade pessoal; permanece impassível e indiferente perante tudo o que pertença ao mundo, remetendo-te exclusivamente à consciência do Infinito. Pensa para ti, que dormes, enquanto estás desperto; pensa que és todo e uno com o Espírito supremo.

Reverenciamos os yogīs que conheceram a natureza do Eu, e alcançaram o estado espiritual.
À vista de Ātman, as luzes dos corpos celestes extinguem-se como velas, e o resplendor do sol nada mais é que um débil reflexo da Luz das luzes.

Quem conhece a verdade de Deus, ocupa uma categoria superior dentro da humanidade pelo seu auto-sacrifício e pela grandeza de sua alma; e conseguiu-o graças à prática do Yoga.
Quem ignora a verdade, é mais vil que os asnos e demais criaturas bestiais que vivem à face da terra; são inferiores aos insectos mais baixos, escondidos nas cavidades subterrâneas.
O homem espiritual dá tombos nesta terra, e deixa-se consumir com preocupações, como um cadáver ao ser devorado pelas chamas na sua pira funerária; mas o yogī é consciente da sua imortalidade.

Não esperes para podar, com o machado afiado da razão, o grosso tronco da árvore envenenada pela cupidez que se ergue como uma montanha na cavidade do teu coração; corta a rama das esperanças e apressa-te a limpar as folhas dos desejos.

Rāma, escuta o que teu senhor diz aos futuros yogīs! Afugenta a alma voraz que, como um corvo, aninha no teu coração; ela gosta de frequentar lugares hediondos, como o fazem os corvos sobre os campos reservados a ritos funerários, e as gralhas elegem a sua morada aí, onde reina a sujeira e se lambuzam comendo a carne que apodrece nos ossos. A alma voraz utiliza seus lábios, como a gralha o seu bico, somente para atacar os outros.
Sabe que a cupidez é uma serpente venenosa que, com o seu mortal alento, mata a quem lhe obedeça. Essa serpente é a causa da ruína da humanidade.
Uma vez que o Todo único está na alma, não há lugar para o lamento de ter perdido o que quer que seja.

Aquele de intenção pura, que se consagrou a Deus, e que tem como única companhia os que difundem à sua volta o conhecimento do Yoga, é tão belo como o cisne branco por entre os graciosos pássaros num lago de ondas prateadas.

As almas que, nesta vida, depositam a sua confiança em objectos mundanos, não podem saborear a verdadeira felicidade. Os desejos e pensamentos da alma determinam o seu nascimento numa próxima encarnação. Daí o motivo pelo qual o recém-nascido se veja obsequiado com uma grande quantidade de sonhos porque crê estar morto, e repousa na noite de sua morte.

A busca da bondade e da grandeza faz com que um homem seja bom ou grandioso, da mesma maneira que, quem queira ser um Indra 2, ao dormir, sonha com o seu senhorio.
Uma busca da Verdade, sem reservas, extinguirá imediatamente os teus desejos, e a extinção dos desejos restabelece a paz na alma.

O objectivo da sabedoria é o conhecimento de que, no mundo, não há nada real.
Os verdadeiros yogīs, que colocam o seu progresso espiritual acima de todo o apego, que respeitam tanto a Verdade, como o Instrutor, que vivem para a Verdade divina, têm o poder de submeter o seu destino às suas ordens; podem mudar todo o mal em bem, e tornar perpétua a sua prosperidade.

Quem, dentro de si, percebe a omnipotência do Espírito infinito e nele faz a sua morada, tem a justa percepção. Quem vê a sua alma como um fio no qual todas as coisas estão enfiadas, como as contas de um colar, tem a justa compreensão.

Quem considera que o que se chamam “ os três mundos” 3 não são mais que os fragmentos do seu próprio Eu, envolvendo-o, como as ondas do mar, tem razão.

Quem observa o frágil mundo com comiseração, e sente para com a terra a mesma compaixão que experimentaria se se tratasse da sua irmã mais pequena, é sábio.»
Ao chegar à hora das orações da noite, o Bem-aventurado Sábio terminou o seu discurso; toda a assembleia se levantou e derramou flores sobre o trono de Vyāsa 4 , exclamando:
«Jai!Jai!Jai!»

Notas
1. O ciclo recorrente do nascimento e da morte
2. O governador das deidades inferiores
3. Os mundos dos estados de vigília, sonho e sonho profundo.
4. Ilustre Sábio que compilou a epopeia clássica Mahābhārata e deu à literatura védica a sua forma actual. O “Trono de Vyāsa” é o assento de honra tradicionalmente reservado ao Instrutor
Tradução de Helena Gallis
   


® http://www.fundacaomaitreya.com

Impresso em 29/3/2024 às 13:23

© 2004-2024, Todos os direitos reservados