Fundação Maitreya
 
Shimla - Um cartão de Natal

de John Dayal

em 10 Dez 2014

  A nostalgia sempre pode fazer nevar nas Colinas de Simla na véspera de Natal. É assim que eu me lembro de Simla, muito antes que seu nome tenha sido mudado para Shimla e perdeu a cobertura na manhã mais importante do ano, 25 de Dezembro. Meu pai foi recolocado para lá no início do ano de 1950 directo de Srinagar. Era um país novo, usufruindo da sua recente liberdade, e ainda desesperado para esquecer o trauma da Partição, que não havia poupado nem o vale de Cachemira, nem os vales da Nova Shimla, cheios de refugiados à procura de novas pátrias e novas vidas. Este foi um tempo nobre para os pioneiros do exército dos homens da Agência de Pesquisa da Índia. A estrutura das Forças foi feita na forma que os homens do mar e dos rios largos viam as regiões montanhosas pela primeira vez em suas vidas. E, para os mais novos, ainda em lua-de-mel tardia, seus primogénitos podiam legitimamente reivindicar a herança dos Himalayas, da mesma forma que aqueles nascidos em suas alturas.

Shimla - Um cartão de Natal

John Dayal

Não era tão fácil para as jovens mães, carregando seu primeiro ou primeiros filhos numa terra estranha, sem família próxima para se apoiar, nem sequer o conforto de línguas comuns. A máquina da fusão e de mistura das Forças garantiu a vizinhança, apertando-se nos quartos e choupanas alugadas na encosta fora do Mall Road, com uma mistura heterogenia de línguas e de culturas, travessas de alimentos e contos da avó sobre como educar uma família. Foi divertido e o clima e a companhia ajudaram muito com isso.
A mistura garantiu que nós não teríamos um Natal à semelhança do Natal ocidental, como, talvez, fosse comemorado em Bombaim (agora Mumbai) e Goa, se eles pudessem comprar a neve com seu dinheiro. Também não foi apenas o appam (panqueca feita de arroz) rotineiramente festiva, ensopado e doces do sul, ou os gujiyas (folhados fritos em forma de crescente) e shakkar-paras (biscoitos doces fritos) das planícies do norte. Um bolo poderia ser comprado nas poucas e excelentes lojas na Mall Road como um equilibrador universal, mas a variedade vinha da mistura cultural. É aí que a minha mãe aprendeu a fazer kheer (sobremesa à base de leite), o pulão (um prato de arroz), e o frango ensopado acima mencionado.
Os shakkar-paras podiam ser mantidos na caixa de estanho muito tempo depois que o bolo tinha sido consumido, e o caril era apenas uma memória. Mas é claro que eu estou indo além da minha história. As memórias das comidas irão sempre alterar essas memórias.
Como toda a criança sabe, o Natal começa muito antes da data do Natal, talvez um mês antes, e não tem nada a ver com o tempo da Quaresma do Advento ou outra coisa tão religiosa. Tem a ver com a antecipação.
Há um frio acentuado no ar, há manhãs e noites de nevoeiro, ou melhor, nuvens baixas que emergem a qualquer aumento dos vales ou descem dos picos para se esparramarem sobre os altos abetos e arbustos com brilhantes cachos vermelhos de flores num bom jogo do esconde-esconde.
As inclinações acentuadas descendo a Mall nos dois lados, uma levando à escola de St. Thomas, onde alguns meninos foram aceites num estabelecimento só para garotas como concessão para as famílias das Forças e Agência de Pesquisa da Índia, sempre forneciam deliciosas, talvez perigosas, aventuras com placas de rodas improvisadas, e os jovens rapazes ficavam ansiosos para fazer a corrida sem rodas quando o declive ficava branco.
Havia algum canto de Natal sendo emitido, ou ouvido, e em vários idiomas, mas agora eu não me lembro totalmente se nossa mãe nos levou alguma vez à missa da meia-noite.
A missa da manhã mais que compensava isso. Como sempre durante o inverno e, mesmo no verão, nossa mãe nos dava banho de três vezes por semana de noite já tarde, pouco antes de nos aconchegar na cama. Não havia tempo suficiente, ou água quente suficiente no período da manhã para um banho antes da escola ou antes da igreja.
As calças de flanela e camisetas fortemente apertadas, o suéter de meia manga e o blazer azul-verde da escola – nós éramos muito pobres ou muito sensatos para ter mais do que um terno de lã em qualquer inverno, e mesmo assim fomos crescendo tão rápido que nada duraria para nós durante mais do que seis meses – eram cuidadosamente dobrados ao lado da cama, prontos para a manhã.
O Dia de Natal sempre amanhecia claro, tão fresco como nossas camisas. Aleluia! Tinha nevado na noite anterior e clareado a tempo para a missa. Os caminhões do Exército de três toneladas ou, talvez mais, iriam passar, parando apenas para pegar a pequena família de quatro pessoas fora do quartel ou da casa, em rodízio. Misturado com os aromas dos valiosos bolos e gujiyas, para mim, esta sempre o cheiro de gasolina recentemente derramada, vazando da tampa do tanque de combustível de uma tonelada no alto do caminhão. Eu posso imaginar porque algumas pessoas cheiram gasolina para ficarem alteradas.
A missa, suponho, não mudou ao longo dos séculos, e talvez nunca venha a mudar. É tempo de alegria e de arrependimento, para sermos gratos ao Senhor por nos dar o seu Filho. É o tempo e ocasião de ver Cristo como um ser humano vulnerável, um bebé pequeno assim como o seu próprio irmão pequeno, talvez soluçando em seu sono ou balbuciando de alegria, como fazíamos à vista das ovelhas e cordeiros que os pastores pastoravam na encosta da montanha. Pastores para nós eram coisas reais, muito reais. E se o leitor vivesse em Shimla, nesta época, também o eram anjos e coros nos céus.
Quando eu fecho os olhos no Advento deste ano, comemorando meus 65 anos, ainda posso sentir o cheiro da neve, do bolo e da gasolina. E imagino os pastores e os anjos na encosta branca, brincando de esconde-esconde com as nuvens.
   


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