Fundação Maitreya
 
O Buda Compassivo

de Amit Ray

em 02 Jun 2014

  Pessoas importantes, como os sábios, os valentes, os políticos, etc. submetem os outros à sua vontade. Moldam a História de acordo com os seus desígnios. Durante o período em que o Buda nasceu, não lhe teria sido difícil ocupar um pequeno lugar num canto da História, como rei de um dos inumeráveis pequenos reinos da Índia. Poderia vir a ser um valente, poderia tornar-se um vitorioso, os estudantes poderiam memorizar a sua história de vida registada num capítulo da História moderna do currículo escolar, e depois talvez o tivessem esquecido a seguir. Mas aqueles que se comprometem com esforços austeros trabalhando para a salvação da humanidade, com a finalidade de completarem a perfeição inacabada da natureza humana e do seu espírito, trabalhando para o desenvolvimento da mente, trazendo clareza à obscurecida consciência humana oculta pelo denso véu da imperfeição enredada pelo ego, sentam-se na primeira fila de todos os tempos no grande trono dos corações humanos. Não somos capazes de compreender a nossa incompletude, de abarcar os factos da nossa própria natureza, e manifesta-se a nossa incapacidade de alcançar a vida de uma qualidade melhor até que alguém, totalmente iluminado, apareça na nossa presença.

O Senhor Buda é o que vai à frente entre todos os iluminados pela sua verdadeira profundidade, apresentando-se ao longo dos séculos como guia dos desalentados, depravados e dos destroçados.

Sarvepalli Radhakrishnan faz a seguinte observação:
Encontramos em Gautama, o Buda, a perfeita combinação do poder com a profundidade espiritual, força moral de ordem superior e uma discreta reserva intelectual. É um desses raros espíritos que trazem aos homens uma realização da sua própria divindade e fazem com que a vida espiritual pareça aventurosa e atractiva para que eles possam seguir no mundo com um interesse novo e uma nova alegria em seus corações.

A característica principal da mensagem de Buda foi que não falou apenas de benevolência, mas também de compaixão. Quando, terminadas as austeridades, após um longo período de meditação, desistiu do asceticismo, os seus companheiros deixaram-no, porque estavam habituados a pensar que o asceticismo era o único critério para se procurar a verdade transcendental.
Mas o Buda, após atingir Sambodhi, a iluminação perfeita, voltou-se para o seu trabalho, e incansavelmente o fez até ao fim de sua vida. Ele sentia uma compaixão universal por todas as criaturas vivas, humanas ou animais. Dizia: “Tal como uma mãe arriscando a sua vida protege o seu filho único, assim devemos cultivar um amor ilimitado por todos os seres. Deveríamos amar sempre todos os seres sencientes e nunca deveríamos desviar-nos deste caminho”.

O conceito de Nirvāna


Muitos pânditas explicaram o conceito do Nirvāna de Buda como sendo shunyata, i.e., nada ou vazio. O Senhor Buda pregou a prática da bondade amorosa para com todas as criaturas. Não somos capazes de compreender com a nossa inteligência vulgar, como é que esta bondade amorosa pode ser manifestada através de Nirvāna. De forma a alcançar a compaixão universal é absolutamente necessária a extinção do ego, o que não equivale a auto-aniquilação. Só de se falar em auto-aniquilação as pessoas não se juntariam para o ouvir.

Por isso Hiriyanna afirma: “ Nirvana não é a aniquilação de si, mas apenas a extinção do ego na aceitação normal do termo”.

“E que multidões! A maioria dos indianos tornou-se seu seguidor ao longo do primeiro milhar de anos. Só o grande imperador Ashoka ( 304AC- 232 AC) construiu 84.00 stupas (monumento em forma de sino para oferta de devoção). A Índia tornou-se um local de peregrinação: pessoas de outras terras sentiam-se atraídas pelas palavras do Buda. Ao longo do trajecto que Huen Chang usou para viajar da Índia para a China, reis poderosos prestavam-lhe honrarias e apoiavam-no só porque ele era budista; e isto só nos diz da extensão da influência da mensagem de Buda nos países cercanos. A mensagem de Verdade passou montes e mares até ao Sri Lanka, China, Japão, Tibete, Mongólia, Burma/Myanmar, Indonésia, Afeganistão, Pérsia e Egipto. A serenidade e doçura de sua face, a beleza e dignidade de sua vida, a honestidade e entusiasmo de seu amor, a sabedoria e eloquência de sua mensagem conquistou igualmente o coração, tanto dos homens como das mulheres”, afirma Radhakrishnan.

Pintaram frescos dele nas cavernas escuras em montanhas inacessíveis, construíram stupas carregando enormes blocos de pedra para o topo de íngremes montanhas cobertas de neve, esculpiram centenas de imagens à volta dos stupas, cada uma espécime perfeito da arte do escultor, cinzelada com cuidadoso amor e com dores infinitas para lhe poderem prestar homenagem. Não chega saudá-lo uma vez por dia, ao salvador de todos os tempos de toda a humanidade. O chamamento irresistível, o vitorioso chamado da verdade pelo Homem Supremo, que sacrificou a sua vida para diminuir as dificuldades no caminho da humanidade, que rasgou o véu da escuridão, foi assim anunciado nas planícies desertas, no cume de montanhas escarpadas, em cavernas isoladas, nos stupas.

Radhakrishnan afirma: “ O Budismo alcançou tal sucesso, porque foi uma religião de amor que deu voz a todas as forças inarticuladas que trabalhavam contra a ordem estabelecida e a religião cerimonial, dirigindo-se aos pobres, aos inferiores e aos deserdados”. Assinalou que “ o Budismo é essencialmente psicológico, lógico e ético, e não metafísico.”

O Sacrifício não é apenas renunciar, ou dar por caridade; para alcançar o maior é preciso sacrificar o menor. Na Índia, durante a expansão do Budismo e nos tempos subsequentes, nunca houve, em tempo algum, tanto progresso como houve nas artes, na ciência, no comércio, e no poder imperial. Isto porque quando a religião dos homens se torna viva, o progresso não se limita a especulações de escatologia. Essa religião revigorada liga-se a todo o tipo de esforços grandiosos.

Compaixão Universal

Não se pode falar de compaixão universal por todas as criaturas, de forma ligeira. No mundo humano encontramos vulgarmente cada vez menos exemplos desta compaixão. O sacrifício pelo bem-estar das crias no mundo animal, não é raro. A mesma forma de sacrifício encontra-se em grupos de seres humanos, bem como em abelhas, por exemplo. Inigualável bondade amorosa flui através do amor, da compaixão, em pequenos incidentes, como os publicados num jornal, onde uma cadela alimentou a cria de uma cabra.

As histórias Jataka tentaram ilustrar a virtude da compaixão universal. O sentimento de amizade também está presente em certas áreas do mundo animal. Quando este sentimento de compaixão não tem limites, só então se torna auto-sacrifício; pequenos sacrifícios tocando desejos materiais atingem este fim nessa altura. O esforço, amor, cuidado pelo nosso grupo biológico só é transcendido nesse momento. Na abundância da compaixão universal encontramos a imparcialidade entre o meritório e o não meritório; a espontaneidade, a renúncia auto comprometida é que faz a pessoa adequada ao Nirvāna.

A compaixão é o Budismo. Onde há compaixão há a força de Buda. Buda disse que buscar a única verdade, válida para todos os tempos, todos os países, todos os povos independentemente da casta, do credo, pobreza ou influência, é o dever de todos nós. O amor infinito flui no mundo, convidem-no para o vosso coração, cultivem incomensurável amor e boa vontade para com todas as criaturas, isento de obstáculos, ódio, contendas!

Buda aconselhou-nos, os leigos, a não desistir do mundo, mas antes, a levar uma vida virtuosa em família e a promover o bem-estar na comunidade.

Buda aconselhou os seus discípulos a plantarem uma árvore a cada cinco anos, pela sua própria mão, e a cuidar dela para que cresça devidamente. E que belo exercício para praticar a bondade! Se este conselho fosse praticado hoje, em todo o mundo, teríamos evitado a desflorestação e, através deste esforço, teríamos alcançado prosperidade económica igualmente; além disso teria sido mantida uma ecologia mais adequada.

A sua verdadeira grandiosidade torna-se mais clara e luminosa com o passar do tempo, e até mesmo os mais cépticos voltam-se para ele com um apreço mais real, uma reverência mais profunda, e uma verdadeira adoração. Radhakrishnan afirma: “ Ele é um dos poucos heróis da humanidade que ultrapassou épocas na história da nossa raça, com a mensagem para tempos futuros, bem como foi para o seu tempo.” “Para o Buda, o Dhamma, ou a rectidão, é o princípio que rege o universo.” Diz mais adiante:” quando purificamos o coração através do treino ético, quando focamos a energia da nossa consciência no mais profundo de nós, despertamos as possibilidades divinas inerentes, e de repente, ocorre uma experiência nova com a clareza do insight e a liberdade da alegria!”

Nirvana significa aniquilação da paixão, do ódio e da ilusão (raga, dosha e moha). É a redução de todos os males – diminuição dos vícios e das fraquezas no homem, sendo o aspecto negativo do seu avanço positivo na transformação. No aspecto negativo significa remover a ganância, má vontade, e a preguiça. No seu aspecto positivo, significa iluminação mental concebida em termos de luz, insight, estado de felicidade, calma, contentamento sereno (sitibhava, nibbuti, upasama), paz, segurança, e auto-aperfeiçoamento. Objectivamente significa a verdade, o mais alto bem, uma oportunidade suprema, uma vida regulada, comunhão com os melhores.

Actualmente, neste mundo egoísta, eivado de ambição, inveja, oremos ao excelso Buda da compaixão que nos conceda um pedacinho de bondade amorosa para que possamos ser mais fortes em espírito, e que a nossa força se estabeleça na misericórdia e na compaixão.

* Amit Ray é um admirador de Buda.
Bulletin of the Ramakrishna Mission Institute of Culture ,
   


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Impresso em 19/4/2024 às 12:14

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