Fundação Maitreya
 
Graça Divina - 2ª Parte

de Debabrata Sen Sharma

em 20 Out 2014

  A Graça Divina é o primeiro ramo na filosofia de prática espiritual de Shiva. Foquemos a nossa atenção, então, na natureza da Graça divina e no modo da sua transmissão aos adeptos espirituais, como é visto por os Shaivācārias de Cachemira, a título de pano de fundo de algumas das projecções dos pensamentos metafísicos relevantes já apresentados. Ao descreverem a natureza da Graça Divina, os Shaivācārias de Cachemira dizem que tal simboliza a vontade da parte do Senhor Supremo de se “reformar” da representação do drama cósmico que ele dirige, como Natarāja, e onde participa activamente. Tal como um actor que, depois de se vestir como rei, se diz ser Ajātashatru, desempenhando este papel sucessivamente, e que depois de satisfazer o público que assiste ao drama no teatro, se retira do palco com satisfação, o Senhor Supremo faz o mesmo, actuando no drama cósmico no palco do mundo, e por fim retira-se de vez.

Graça Divina, Guru e o Rito da Iniciação à Luz do Shivaísmo de Kachemira


Os escritores Shivaítas de Cachemira usam outra metáfora para descrever o modo de infusão da Graça Divina, pelo Senhor Supremo, nos aspirantes espirituais. Usam o termo shaktipāta, para descrever este aspecto de concessão de Graça. É tal como a água na estação das chuvas, que se derrama na terra de forma uniforme, porque o Senhor Supremo não é parcial, para nenhum aspirante em especial. Afinal, todas são formas Suas auto condensadas. Tal como uma determinada quantidade de água, recolhida em recipientes ao ar livre, depende da forma e do tamanho dos mesmos, da mesma maneira, a quantidade de Graça Divina, difundida nas estruturas psicofisiológicas dos aspirantes espirituais, é determinada pela sua capacidade de receber. Quanto maior for o tamanho do receptáculo disposto para receber, tanto mais água é nele acumulada. De forma idêntica, quanto mais pura for a estrutura psicofisiológica, mais se recebe da Graça Divina, derramada pelo Senhor Supremo. É sempre proporcional à capacidade de cada um.

De novo, embora não haja qualquer diferença na quantidade de Graça Divina que desce do Supremo Senhor, não se recolhe água alguma caso se ponha o recipiente de boca para baixo. Toda a água vinda das nuvens, se verterá para fora. De forma semelhante, caso o adepto espiritual não aspire a receber a Graça do Senhor Supremo, ou se alheie d’Ele, também ficará desprovido da Graça. Por consequência, os Shaivācārias pedem aos aspirantes que se purifiquem psicofisiologicamente tanto quanto possível. A razão que existe por detrás deste aviso, é o facto da intensidade de Graça Divina depender da capacidade de recepção de cada um, e daí se determinar o modo de prática que lhes será requerido para cumprir, de forma a alcançar o fim espiritual último.

O Shivaísmo de Cachemira postula três tipos de Graça Divina, (shaktipāta), baseados na sua intensidade, que, por sua vez, estão conectados com três alternativas de disciplina espiritual, nomeadamente, sambhava upāya, shākta upāya, e ānava upāya. Por exemplo, os destinatários de Graça Divina sob a forma mais intensa (tivra tivra shaktipāta) são elegíveis para seguir sambhava upāya, onde icchā shakti (o poder da vontade) do Senhor Supremo prevalece. Por isso se chama de icchopāya (o modo de disciplina espiritual baseada no poder da vontade do Supremo Senhor). A estes sādhaka-s que seguem este caminho não se lhes é pedido que realizem qualquer esforço para realizarem a sua natureza de Shiva, tudo é praticamente alcançado de forma instantânea e sem esforço. Ramakrishna Paramahansadeva pode ser citado como o típico exemplo deste tipo de sādhaka, que alcançou o estado de nirvikalpa samādhi em um dia, enquanto seu guru Totapuri teve de passar 40 anos de prática rigorosa de sādhanā, para alcançar este estado.

Aos receptáculos de Graça divina de forma menos intensa (madhya shaktipāta), é requerido que se siga um diferente modo de disciplina chamada shāktopāya, em que jñāna shakti é dominante. É uma disciplina espiritual baseada no uso do poder do conhecimento. Uma vez que o volume de Graça Divina recebida é de relativa menor intensidade, a demanda dos sādhaka-s neste caminho têm de compensar, por assim dizer, a dimensão de Graça por eles recebida fazendo algum esforço, sob a forma de bhāvanā (imaginação intensa), estudando shāstra-s, ou reflectindo em palavras de sabedoria espiritual, transmitidas pelo professor espiritual (guru), ou em casos raros, a Verdade espiritual pode revelar-se-lhes.

Os receptáculos de Graça Divina de forma fraca (manda shaktipāta) não são tão afortunados na persecução dos caminhos acima mencionados de sādhanā. Pede-se-lhes que desempenhem certas formas de kriyā (ritos), tal como lhes são ensinados pelos mestres espirituais de forma a alcançarem o Fim Supremo. São prescritos um número de alternativas de apoios (ālamvana-s), começando com o uso de força vital (prāna shakti) que neles existe, ou na sua forma densamente manifesta, i.e. respiração vital, (prāna vāyu), ou no desempenho de kriyā, usando apenas um suporte (ālamvana) de um grupo de seis objectos externos concêntricos, especificados nos textos, de acordo com a capacidade do aspirante espiritual. Como todos estes modos de disciplina espiritual estabelecidos sob o ānavopāya, envolvem o desempenho de práticas espirituais específicas (kriyā), este modo específico é chamado tecnicamente de kriyopāya.

Há que mencionar, neste contexto, que, embora os Shivaítas de Cachemira falem de diferentes tipos de shaktipāta recebidos individualmente pelos aspirantes espirituais, falando de forma qualitativa, shaktipāta é apenas uma e sempre a mesma, simbolizando, tal como faz a “vontade”, sob a faceta do Senhor Supremo, na restauração da natureza divina nas Suas formas voluntariamente auto contraídas ou densificadas (i.e., pashurupa). Diz-se que shaktipāta, numa forma muito fraca, até é capaz de ‘rachar a casca dura’ de ānavamala, causando contracções nos aspirantes espirituais, semelhante ao que acontece com as amêndoas. A casca dura exterior não pode ser partida só por pressão, são precisos esforços especiais. Da mesma forma, são necessários esforços rigorosos pessoais da parte dos sādhaka-s, para remover a casca já rachada de ānavamala, responsável pela sua contracção.

Por vezes, os sādhaka-s não se apercebem do fluxo de Graça Divina que recebem, caso seja muito suave, e se não passar pessoalmente pelo guru. O tantra Málini-Vijayottara, um dos textos Ágamicos, onde se baseia a filosofia do Shivaísmo de Cachemira, menciona um número de sinais de shaktipāta, tecnicamente chamados de Rudra Shakti Samāvesha. São os seguintes:

1. Súbito desenvolvimento do sentimento de devoção para com Rudra ou Shiva, que impele o sādhaka a adorá-lo. Tal indica ser infundido com a Graça Divina.

2. Repetição de mantras sagrados tais como “Om namah Sivāya”, bem como o seu uso no desenrolar do dia de trabalho, o que parece alcançar resultados benéficos. Os sādhaka-s começam a sentir paz e felicidade na realização da sua devoção diária rotineira.

3. O sādhaka descobre que os animais selvagens ferozes, que andem perto de si, de repente se tornam amistosos para com ele.

4. Percebem que qualquer trabalho que executem, pertencendo à sua existência mundana, ou relacionado com sua sādhanā, produz bons resultados. Além disso, todos os obstáculos na realização do trabalho, desaparecem automaticamente, por assim dizer.

5. Alguns sādhaka-s vêm-se, subitamente, com capacidade de compor poemas ou canções, sem terem que fazer quaisquer esforços conscientes. Tornam-se poetas de um dia para o outro. Tal aconteceu no caso do sādhaka Ramprasad ou Kamalakanta, que espontaneamente exprimiram a sua realização espiritual através de canções. Mais uma vez, alguns sādhaka-s desenvolveram no seu interior o poder de compreensão do verdadeiro propósito das escrituras, sem qualquer esforço.

Diz-se que, quando um determinado adepto espiritual atinge o desenvolvimento de qualquer de um destes sinais (acima mencionados), sem ter feito qualquer esforço, pode ficar completamente seguro, que o influxo da Divina Graça aconteceu nele, sem que o seu ser se tenha apercebido de tal.
Deve-se mencionar também, que a infusão de Graça Divina nos sādhaka-s, de acordo com os Shivaítas de Cachemira, pode dar-se de forma gradual. De princípio pode acontecer com uma intensidade suave. De cada vez que recebem uma ‘dose’ de graça no decurso de suas práticas de sādhanā, a graça impele-os em seus percursos espirituais, até atingirem o seu objectivo final – a realização de sua verdadeira natureza de Shiva.
O princípio de guru(1):

Tomemos agora o conceito de guru (guru tattva), que constitui o segundo ramo na filosofia Shivaísta de Cachemira da disciplina espiritual. De acordo com os seus textos, Param Shiva ou Paramesvara pode ser visto como o Supremo Guru (Param Guru), porque Ele é a derradeira fonte de onde jorra a Graça. Como já foi mencionado, a infusão de Graça é uma das funções eternas do Senhor Supremo. Deparamo-nos com diferentes tipos de gurus (mestres, professores) na nossa vida quotidiana, tais como kula guru (mestres que aconselham os elementos de famílias na realização dos seus deveres religiosos), brahmacārya (os que transmitem a educação formal no primeiro estádio da vida), pais que tentam colocar os seus filhos nos caminhos da vida com piedade e justiça, etc.; mas os escritores Shivaítas dizem que esses gurus pertencem ao grupo dos asad guru-s, i.e., gurus que não são competentes para orientar no caminho espiritual. Tal é feito pelos sadguru-s, ou verdadeiros professores, que são ordenados por Param Guru (Shiva) que serve para mediar a corrente de Sua Graça aos sādhaka-s, e também como guia espiritual. Aqueles são sādhaka-s auto-realizados, de outra forma não poderiam ajudar os discípulos na realização de sādhanā.

Geralmente um sādhaka recebe iniciação só de um guru, que lhe dá orientação ao longo da sua vida espiritual. Mas Gadadhar, que mais tarde ficou famoso como Sri Ramakrishna, foi iniciado por uma série de gurus, que o iniciaram de acordo com cada uma das suas tradições especiais. Ele não pediu nada a nenhum deles, mas todos eles se aproximaram por ordem de sua deusa amada Bhavatārin. O que justifica isto, parece ter sido por vontade da Deusa Bhavatārin Kāli, que quis que Ramakrishna fosse o sādhaka mais perfeito. Ela quis projectar em Ramakrishna a verdade que todos os caminhos espirituais conduzem à realização do mesmo fim, e também afirmar, através dele, a harmonia das religiões, apesar das diferenças que os modos de disciplinas espirituais estabelecem neles.

Uma vez que os sadguru-s representam o Senhor Supremo ao nível mundano, é Ele que os escolhe de acordo com a personalidade de cada sādhaka. Assim, não é deixado ao critério do sādhaka a escolha de seu guru. Já aconteceu na vida de muitos sādhaka-s terem abordado alguns mestres renomados, a quem lhes foi dito: ”Eu não sou o teu guru, o teu verdadeiro guru está algures à tua espera.” Tal aconteceu no caso de Swāmi Muktānanda vindo de Gurudev Siddha Peeth de Ganeshpuri. A mim foi dito por um swāmi americano, como ele pediu que o iniciassem a muitos homens santos, inclusive Ma Anandamoyee, a quem ele respondeu o mesmo. O sábio famoso Gopinath Kaviraj ficou muito impressionado por Sivarāma Kinkar Yogatrayānanda, a quem pediu iniciação; mas o yogī respondeu que o Parama Guru não o tinha autorizado a iniciá-lo.

Também há casos em que alguns sādhaka-s, não tendo competência para receber iniciação de forma a embarcarem na sua jornada espiritual, conheceram pela primeira vez grandes mestres e foram iniciados por eles. Podemos citar o exemplo do famoso yogī Shri Charan Lahiri, que estava em Dehradun e caminhava sozinho pelo vale próximo, quando ouviu alguém chamar pelo seu nome alto. Sentiu-se tão atraído pela voz, que procurou nas cercanias de onde vinha, e encontrou o seu guru, que o iniciou. Shri Satish Chandra Mukhopadhyaya recebeu a sua iniciação, sem querer, de Bijoy Krishna Giswāmi em Calcutá. Há também o caso de Professor Janaki Ballabh Bhattachārya, um famoso Naiyāyika (N.T. Nyāya (Sanskrit ny-āyá, usado no sentido de "syllogism, inferência") é o nome a uma das seis escolas ortodoxas ou escolas astika da Filosofia Hindu, especificamente a escola de lógica. A Escola Nyāya de especulação filosófica baseia-se nos textos conhecidos como Nyāya Sutras, que foram escritos por Aksapada Gautama no séc. II A.C. ), recebeu iniciação do famoso Haruhar Baba, que conheceu em Varanasi, pela primeira vez. O Professor Jadunath Sinha recebeu iniciação do famoso Vamadeva de Tarapith. E por fim o caso de Narendranath Dutta, tão bem conhecido como Swāmi Vivekānanda.

Alguns textos shivaítas mencionam três tipos de mestres espirituais (sadguru-s): há os mestres celestiais (daiva guru), os mestres que alcançaram a perfeição (siddha guru) e os mestres existindo sob forma humana (mānavaguru). Diz-se que existem seres divinos em diferentes níveis de criação, tais como Rudra, Brahmā, Vishnu, etc. São eleitos por Parama Guru, o Senhor Supremo, para agirem como elementos de transmissão de Sua Graça aos praticantes espirituais, que alcançaram a purificação no instrumento corporal psicofísico, através de esforços pessoais. Estes professores espirituais pertencem à classe chamada de daiva guru-s (mestres divinos). Os Shivaítas de Cachemira defendem que o Senhor Supremo infunde a Sua Graça a partir do plano Sadāshivatattva, representando a Sua primeira manifestação no decurso da Seu desdobramento em forma de universo. Diz-se que alguns praticantes espirituais recebem o mantra sagrado durante o sono.

Esses raros afortunados, na verdade, recebem a iniciação de professores espirituais, que se apresentam perante seus discípulos sob formas subtis, nos sonhos.
Os mestres espirituais pertencentes à segunda categoria são chamados de siddha guru-s e iniciam classes superiores de sādhaka-s, que por sua vez purificaram seus ādhāra-s através de esforços pessoais. Os siddha yogin-s apresentam exteriormente corpos humanos, mas interiormente são seres perfeitos, que não só já realizaram a verdadeira natureza de Shiva, mas também permanecem nesse estado de realização espiritual para sempre.

Contudo, a vasta maioria de professores espirituais pertencem à classe que existem sob a forma humana, os mānava guru-s. Embora exteriormente aparentem ser seres humanos comuns, pertencem a um estado elevado comparados com os seres vulgares, pelo facto de terem realizado a sua natureza de Shiva. Parama Guru escolhe um desses seres auto realizados para servir de meio de transmissão de Sua Graça aos sādhaka-s humanos, por lhes ser de mais fácil acesso.
Poder-se-á perguntar: será que qualquer ser humano auto realizado pode ser escolhido pelo Senhor Supremo a fim de servir de mānava guru, ou será que existe algum critério para a selecção de mānava guru, escolhido de entre tantos sādhaka-s auto realizados? Claro que os Shivaítas de Cachemira não são a favor de ser restringida a escolha de mestres espirituais pelo Senhor Supremo, uma vez que tal iria contra a sua doutrina de liberdade sem restrições (svāntantrya vāda) do Supremo Senhor. Mencionam, todavia, que existem duas classes distintas de sādhaka-s, tecnicamente chamadas de: mumukshu sādhaka-s, i.e., aqueles que se interessam apenas em obterem a libertação pessoal, e os bubhukshu sādhaka-s, que não estão tão centrados em si, têm um grande coração, possuindo as qualidades da compaixão (karuna), amor (prema), e amor solidário pelos outros (maitri). Pretendem ajudar outros seres sofredores neste mundo, mostrando-lhes o caminho para a realização de sua natureza de Shiva. O Senhor Supremo escolhe um entre estes sādhaka-s para O representar. Desta forma, o Supremo Senhor concretiza, por meio deles, a tarefa dupla de transmitir a Sua Graça, e saciar a sede deles de ajuda ao próximo.

Outro tipo de classificação de mestres espirituais revela-se noutros textos. São mencionados quatro tipos de professores: akalpita guru, akalpita-kalpaka guru, kalpita guru e kalpita-kalpa guru.
Os gurus akalpita são classificados como sendo os superiores. Nascem já gurus. Por tal, não precisam de passar pelo processo de iniciação e de desempenho de qualquer sādhanā. O conhecimento supremo chega-lhes espontaneamente. Tais gurus são extremamente raros, mas não deixam de existir. O meu professor (mais tarde Mahāmahopādhyāya Gopinath Kaviraj) disse-me da existência de muitos desses gurus. Os Yoga Sutra-s de Patãnjali mencionam Ishvara, como o único tipo de Purusha (purushavishesha), que está sempre livre de klesha (aflições), karma (acções), vipákáshaya (fruição de actos), e impressões latentes que daí advêm, etc. Chamam-se samsiddhika guru-s, cuja função é dispensar Graça e ajuda às pessoas em escravidão no caminho para a libertação.

Os gurus Akalpita-kalpaka ocupam uma posição ligeiramente inferior, comparados com os anteriores, porque lhes é requerido que cumpram sādhanā a fim de removerem traços de manchas (mala) ainda existentes em seus aparelhos psicofísicos. Embora lhes seja inerente o brilho espiritual, não resplandece sem esforço. Para tal têm de praticar sādhanā, que consiste em focar a atenção no seu interior, na sua verdadeira natureza de Shiva, sob a forma de bhāvanā, ou imaginação intensa.

A posição dos gurus kalpita é ligeiramente inferior aos gurus acima mencionados, porque têm de ser sujeitos à iniciação, desempenhar um rigoroso sādhanā para alcançarem a sua verdadeira natureza de Shiva, tal como qualquer outro ser humano normal. Ocupam uma posição inferior na hierarquia dos professores espirituais, por estarem dependentes de factores externos, tais como de outro guru ou de dikshā, para obterem a iluminação suprema.

Os gurus kalpita-kalpaka, tais como os gurus kalpita, são professores espirituais que dependem de factores exteriores, de gurus para a sua iniciação, realização de ritos de purificação, como os de unção (abhisheka), etc., mas geralmente alcançam a sua natureza de Shiva e sua plenitude, embora nunca no mesmo tempo dos gurus akalpika. Pode-se dizer que estes são muito raros de encontrar.
(1) N.T. o significado etimológico de gu é ‘escuridão’ ou ’ignorância’, e ru significa ‘destruidor’, assim, guru significa ‘ o que destrói a ignorância, a escuridão; a ignorância é do discípulo, refere-se ao véu que obscurece o domínio espiritual. O guru exerce o papel duplo de mãe amorosa e de pai castigador, que tudo faz parapara treinar espiritualmente para o desvelar da Verdade da iluminação
Dikshā

Este é o rito de iniciação descrito nos textos Shivaítas de Cachemira. Consideram shaktipāta (descida da Graça divina) como a abertura do portal para os sādhaka-s entrarem no reino da consciência, enquanto o rito de iniciação (dikshā) é assinalado como a sua verdadeira entrada nesse reino. É por esse motivo que shaktipāta e dikshā são vistos como actos inseparáveis por parte do Senhor Supremo. E também acontecem numa rápida sucessão na vida espiritual do sādhaka – na verdade, não existe qualquer espaço de tempo entre os dois actos.
Abhinavagupta, o célebre exponente da filosofia do Shivaísmo de Cachemira, explicou o significado literal do termo dikshā, baseado no seu significado derivado. Diz que dikshā simboliza aquele passo no qual o supremo conhecimento espiritual, i.e., o conhecimento da natureza de Shiva, é ‘partilhado’, e os grilhões (o ser corporizado) são partidos.

Todos os seres humanos corporizados têm a sua verdadeira natureza de Shiva coberta por um véu de māyā e karmamala. Durante o dikshā o guru remove de seus discípulos os véus temporários, usando mantras (palavras sagradas). Poder-se-á perguntar: como é que ele o faz? Como é que o mantra dado ao discípulo cumpre a tarefa de remover os véus parcialmente e revelar a sua natureza de Shiva? Os Shivaítas respondem que os mantras representam a divina Shakti, que existe enjaulada na forma densa de vāk. Quando o guru ‘implanta’ o mantra no aparelho psicofísico do discípulo, primeiro ele revigora-o “destrancando a Shakti potencialmente existente” no mantra vaikhari, apenas por o murmurar. Só depois de ter concedido o mantra ao discípulo sob a forma densa de vaikhari vāk é que se transmuta no que é chamado de caitanya mantra. Este tipo de mantra é capaz de remover os véus e revelar ao discípulo a verdadeira natureza de Shiva – nem todos os mantras o conseguem. Abhivanagupta no seu Tantraloka assinalou que se pode deparar com livros com muitos mantras parecidos com aquele, mas que tais não são potentes, pelo que não servem de nada ao sādhaka. Só os mantras “escutados” directamente dos lábios do guru estão “vivos”, por serem potenciados pelo próprio guru.

(Boletim do Instituto de Cultura da Missão de Ramakrishna – Dez 2009)

Tradução de Helena Gallis





   


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