Fundação Maitreya
 
Plantas, comida, fitoterapia e a saúde

de Miguel Ledro Henriques

em 26 Dez 2019

  Alimentação. As plantas existem neste planeta desde muito antes de nós, e os organismos animais evoluíram para utilizar as substâncias que elas produzem e utilizam para nosso próprio benefício. Aliás, o consumo de plantas é uma necessidade, já que são elas que nos dão a maior parte das vitaminas, sais minerais e enzimas de que necessitamos, não só para o que nosso organismo funcione na plenitude das suas capacidades, mas para sobreviver a um nível fundamental. É de facto uma demonstração enorme das capacidades do organismo humano que, com o estilo de vida actual que leva, sobretudo no que concerne à alimentação – alicerçada em produtos de origem animal, com açúcares adicionados e tão processada – viva durante tanto tempo sem doenças, ou que sobreviva a estas tanto tempo. Felizmente, há soluções. Há poucas coisas tão estudadas pela nossa ciência e com resultados tão homogéneos como o facto de que uma alimentação baseada em vegetais, fruta, sementes, frutos secos, algas, ervas aromáticas e cogumelos é protectora e sanadora para com todos os grupos de doenças – para além de aumentar a longevidade --, enquanto que uma dieta à base de produtos de origem animal, com açúcares adicionados e produtos processados está associada a um aumento do risco e gravidade de todos os grupos de doenças conhecidas, assim como a uma diminuição da longevidade.

O que vai ser dito…

• Muitos constituintes das plantas foram integrados no funcionamento do organismo humano ao longo da evolução;
• As substâncias das plantas que têm efeitos benéficos para a saúde, tanto através da prevenção de doenças como do seu tratamento directo, denominam-se fitoterapêuticos;
• Há uma vasta gama de estudos científicos in vitro, em animais e em humanos que demonstram o poder terapêutico destas substâncias das espécies vegetais;
• Os fitoterapêuticos encontram-se em todas as espécies vegetais – ervas aromáticas e especiarias, bagas e frutos, folhosos, leguminosas, cereais, cogumelos e sementes;
• Para atingir concentrações ideais no organismo devem ser ou não cozinhados consoante o grupo e devem ser consumidos diariamente;

Fitoterapia

A sabedoria antiga sempre contou que assim era, que a dieta mediterrânica, que se centra exactamente em produtos de origem vegetal, dotava os seus seguidores de uma saúde longa e férrea. Mas hoje, para os cépticos, existem já também milhares de estudos científicos que o provam para além de qualquer dúvida.

Já há muitas décadas que os bioquímicos e biólogos descobriram que as plantas têm determinadas substâncias, que foram denominadas de fitoquímicos, que elas próprias – não tendo pernas para fugir dos seus predadores e atacantes – utilizam para se defenderem dos raios UV solares, dos insectos, dos fungos, transformam em hormonas para crescer e comunicar, etc. Ora, estas substâncias, de que fazem parte o que é vulgarmente conhecido como vitaminas, enzimas, antioxidantes, existiram ao longo de todo o tempo em que os animais e os seres humanos, evoluíram na Terra, tendo sido integradas nos mecanismos de funcionamento das células, dos tecidos, dos órgãos. Algumas são absolutamente essenciais para as funções normais do corpo, aquelas a que chamamos vitaminas, minerais e enzimas. Outras são importantíssimas para a defesa, regulação e manutenção do organismo, e por isso são chamadas de fitoterapêuticos.

Todos os vegetais, fruta, sementes, frutos secos, cogumelos, plantas aromáticas, especiarias e plantas medicinais, para além da fibra, proteína, glúcidos, lípidos e minerais têm fitoterapêuticos, e são estes os responsáveis pelas suas propriedades tão benéficas para a saúde humana. Os estudos in vitro (em laboratório com culturas de células e tecidos), em animais e em humanos demonstraram que estas substâncias têm a capacidade de regular todo e qualquer mecanismo molecular interno e externo das nossas células, quando há algum disfuncional!

Os principais grandes grupos destes fitoquímicos são:

• Terpenos/terpenóides – são os responsáveis pela fixação de carbono das plantas e são também as suas hormonas de crescimento. Deste grupo fazem parte
✗ Tocoferóis/ tocotrienos – vitamina E e outros. Principalmente presentes em grãos. São potentes antioxidantes e anti-cancerígenos;
✗ Carotenóides – provitamina A, luteína, licopeno, astaxantina, etc. São os responsáveis pela pigmentação amarela, laranja e vermelha de vegetais como os pimentos, o tomate e de algas. São poderosos antioxidantes e anti-cancerígenos;
✗ Limonóides – D-limoneno, etc. Existem sobretudo nas cascas dos citrinos, como o limão e a laranja. São potentes desintoxicadores hepáticos, e portanto quimioterapêuticos (estimulam a limpeza de químicos do organismo);
✗ Fitoesteróis – presentes sobretudo em frutos secos. Diminuem a absorção de colesterol, são antioxidantes, anti-inflamatórios e anti-cancerígenos;
• Polifenóis – são os antioxidantes, anti-microbianos e protectores UV das plantas. Todos eles são antioxidantes e anti-cancerígenos.
✗ Ácidos fenólicos – taninos, ácidos cafeico e clorogénico, curcuma, etc. Estão presentes sobretudo em bagas e frutas: amoras, framboesas, mirtilos azuis, groselha preta, morangos, café, kiwis,cerejas e maçãs.
✗ Flavonóides;
✗ Flavonols – quercetina e kaempferol. As melhores fontes são cebolas e alhos, mas existem em muitas frutas e legumes;
✗ Flavonas – luteolina, apigenina, etc. As melhores fontes são salsa, aipo e as cascas dos citrinos;
✗ Flavanonas – naringerina, hesperitina, eriodictiol. As melhores fontes são, respectivamente, as romãs, laranjas e limões. Também existem em tomates e ervas aromáticas;
✗ Isoflavonas – genisteína e daidzeína. A melhor fonte é a soja. São antioxidantes e anti-cancerígenos;
✗ Flavonóis – epigalocatequina-3-galato (EGCG) e outras catequinas. O primeiro está presente em grandes quantidades no chá verde, e as outras no cacau, vinho tino, pêssego e outras frutas;
✗ Proantocianidas – são polímeros de catequinas. As maiores fontes são as uvas, pêssegos, diospiros, maçãs, peras, cidra e chá;
✗ Antocianidas – pigmentos de frutas e flores. Em maiores quantidades no vinho tinto, beringela, amoras e groselha preta;
✗ Linhanos – maior fonte são as sementes de linhaça;
✗ Estilbenos – resveratrol, etc. As maiores fontes são a casca e graínha da uva tinta, o cacau e os pistácios;

• Alcalóides. Estes são os mais conhecidos pela população em geral, tendo efeitos sobretudo no sistema neurosensorial. Exemplos são a berberina, cafeína, cocaína e morfina;

A agricultura biológica produz alimentos com muito maiores concentrações de fitoterapêuticos, pois estão expostas a mais stress, o que induz a produção das substâncias que constituem os seus mecanismos de defesa naturais.


O seu papel na saúde

Milhares de estudos epidemiológicos (observação estatística de factos que já aconteceram) e clínicos (nos quais se sujeita um conjunto de pessoas a determinado tratamento para verificar os resultados) concluíram que hábitos alimentares centrados em vegetais, fruta, bagas, frutos secos, sementes e ervas aromáticas e especiarias protegem de, e têm a capacidade de sanar doenças cardiovasculares, metabólicas (diabetes, obesidade, síndrome metabólico, etc), neurodegenerativas (incluindo demências), infecciosas e oncológicas, para além de que aumentam a longevidade.

Há um recente estudo com grupo placebo que mostra resultados fenomenais: um grupo de homens com placas ateroscleróticas na artéria carótida (placas de gordura oxidadas que se acumulam nas artérias e as entopem, e no pescoço são particularmente perigosas) bebeu, durante três anos, sumo natural de romã todos os dias, enquanto o grupo controlo manteve a sua alimentação normal. Ao final do primeiro ano, enquanto a placa dos homens do grupo controlo tinha aumentado, nalguns casos 9%, no grupo a beber o sumo de romã as placas diminuíram, e nalguns caso até 30%! A tensão do grupo do sumo também desceu em média 12% e o estado antioxidante do corpo melhorou 130% em média!

A única barreira para quem não tem o hábito de seguir este tipo de alimentação, é que os fitoterapêuticos têm um tempo de vida muito curto no nosso organismo – depois de serem absorvidos, só estão disponíveis até 24 h, dependendo da substância. Assim, para conseguir resultados perceptíveis e sustentáceis é necessário que alimentos vegetais sejam consumidos todos os dias, preferencialmente tomando o papel central da nossa dieta.

De todos os grupos de alimentos, as ervas aromáticas, especiarias e as normalmente denominadas plantas medicinais são os que apresentam maior concentração de fitoterapêuticos, o que vem confirmar a sabedoria da medicinas herbais.

Há que adicionar ainda que muitas destas substâncias são absorvidas e funcionam melhor de forma sinérgica, isto é, em conjunto com todas as outras substâncias dos alimentos de onde proveem. Assim, os suplementos podem ser benéficos em situações particulares, mas na grande maioria dos casos é preferível e mais eficaz consumir directamente o alimento completo.

Os alimentos mais ricos em fitoterapêuticos até agora testados são (dentro de cada grupo estão por ordem decrescente de concentração):

• Ervas aromáticas e especiarias – cravinho, cacau (deve ser consumido com parcimónia porque é um estimulador do sistema nervoso), hortelã-pimenta, anis-estrelado, oregãos, semente de aipo, sálvia, alecrim, hortelã-menta, tomilho, chá verde (deve ser consumido com parcimónia por causa da teína, que é um estimulador do sistema nervoso), manjericão, curcuma (caril), gengibre, canela, coentros, salsa, etc;
• Frutos e bagas – arônia, baga do sabugueiro, groselha preta, ameixa, amora, mirtilo azul, morango, framboesa, uva tinta, maçã, pêssego, romã, laranja, limão, pera, groselha vermelha, nectarina, uva branca, cerejas, tomates, etc;
• Vegetais – azeitona preta, azeitona verde, cabeça de alcachofra, chicória vermelha, cebola vermelha, chicória verde, espinafre, chalota, cebola amarela, brócolos, espargo, batata, endívia, alface vermelha, cenoura, feijão verde, abóbora, tomate, pimento, etc;
• Sementes e frutos secos – semente de linhaça, castanha, avelã, noz-pecã, grão de soja, amêndoa, feijão preto, noz, feijão branco, etc;
• Óleos – azeite virgem extra, óleo de colza;

Cozinha

Os fitoterapêuticos e outros nutrientes dos alimentos são muito sensíveis, pelo que as diversas formas de cozinhar alteram a sua disponibilidade para o organismo (biodisponibilidade):

• Os vegetais e a fruta cozinhados perdem progressivamente os seus nutrientes. A melhor forma de os consumir é, em casos como os folhosos, pepino, aipo, cenoura, e outros, a cru; a segunda melhor forma é ligeiramente cozidos a vapor, depois salteados, assados e cozidos. Muitos alimentos crus têm enzimas que facilitam o processamento de nutrientes dentro do organismo através da auto-digestão;
•Os frutos secos e as sementes contêm alguns anti-nutrientes (servem para os defender dos insectos e animais na natureza, e poderem ser transportados nos tubos digestivos destes para longas distâncias), pelo que demolhá-los ou assá-los ligeiramente aumenta a biodisponibilidade de nutrientes.

Miguel Ledro Henriques
Médico - Mestrado em Medicina |NOVA Medical School
Auto-regulação emocional, meditação, raja yoga - Swami Center
Especialista em desenvolvimento transpessoal - Escola Transpessoal
Instrutor de coerência cardíaca - Heartmath Institute

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