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Tudo o que há para saber
de Miguel Ledro Henriques
em 08 Mai 2023
O mundo sempre pareceu naturalmente tão belo, tão divertido, tão espantoso. O momento maravilhava-nos, o que tinha de ser feito simplesmente surgia, fazíamos intensamente, totalmente, absolutamente, e passávamos à próxima alegre brincadeira. As nuvens de passagem, as pedras no chão, os reflexos na água, estavam vivos, falavam connosco. Era fácil desaparecer no infinito e pontilhado céu nocturno. Cada um dos nossos dedos era uma personagem diferente numa história fantástica, agradecíamos à chuva turbulenta pelas poças que nos deixava enquanto saltávamos felizes por nos salpicarmos, a curiosidade insaciável trazia surpresas constantes. Em crianças, vivíamos num mundo mágico.
Sem nos apercebermos, lenta e insidiosamente, tornamo-nos adolescentes rebeldes, adultos ocupados, ansiosos e raivosos, envelhecemos medrosos, caquéticos e tristes, e a magia desvanece-se, lembramo-nos dela apenas vagamente, em fugazes momentos de saudade melancólica. Que aconteceu? Como pode a alegria de viver diminuir com o crescimento do corpo, em lugar de aumentar? Que espécie de magia negra é esta que nos leva a tornar-nos escravos de leis, crenças e desejos invisíveis? Como podemos tornar-nos de tal forma condicionados que pensamos, sentimos e agimos, não apenas contra o próximo, mas até contra nós mesmos? Uma vida humana, com a capacidade de ver miríades de cores e formas, inspirar os mais intensos perfumes, escutar vibrantes canções, perder-se no mundo suave e áspero do toque, deleitar-se com um universo de sabores... com a possibilidade de emoções que são inteiras obras de arte, de pensamentos com uma energia tão enorme que incendeiam multidões, de sonhos que transformam a história do mundo. E o potencial humano vai tão mais além, tão para além do que se possa até sonhar, que não é possível sequer tocar com a mente a explosão de luz e êxtase e invulnerabilidade, infinidade e eternidade e o calor do amor, que espera os seres que tenham a coragem de procurar, de se libertar, de voar...
Ao chegar à idade adulta, é um choque compreender que, afinal, as sociedades humanas não foram pensadas de raiz, criadas inteligentemente, construídas sustentavelmente. É doloroso descobrir que os nossos pais e professores não são perfeitos, que o ambiente que o próprio ser humano transformou não o nutre, que os condicionamentos a que somos sujeitos são tão profundos e por vezes tão subtis, que a maior parte de nós não sabe e nega que é prisioneiro, ou se submete “voluntariamente” com medo da mudança, ou se junta ao movimento de egocentrismo com sede de algum tipo de poder.
Mas se for escutada, investigada, e compreendida, esta dor é maravilhosa, poderosa, amorosa até, é o primeiro guardião da porta para todos os segredos da Existência.
Eu quis saber porquê, o quê, para quê. Quis compreender porque me sentia insatisfeito, como me tinha tornado insatisfeito, quão profundamente estava insatisfeito. Quis deixar-me de passividade relativamente à minha própria existência, ter autonomia de consciência, conquistar a liberdade para a alegria. E o que me encontrou é indescritível, incompreensível, inimaginável.... Experiencia-se como Luz Vibrante Intensa e Subtilíssima, como Êxtase Risonho Invulnerável e Levíssimo, como Chama Infinita de Transparência Cristalina. Outras vezes, é um Silêncio Vivo Testemunha, um Espaço Infinito de Presença Subtil, por debaixo de tudo, segurando tudo, sabendo tudo. Sabe a chegar finalmente a casa depois da mais longa das viagens, gera incredulidade por alguma vez se ter achado que de casa se tinha saído, e reverbera com a única certeza do Universo “Ahhh, é Isto que eu sou, e é só Isto que há.”
Todos os tipos e direcções de empenho humano alguma vez tomados, quer no domínio da ciência, arte ou religião , em qualquer momento da história e em qualquer lugar e cultura, dentro de uma casa, família ou nação, foram sempre tomados com o propósito de obter satisfação. Há um burburinho interior incessante, um impulso invisível, uma insatisfação permanente que propele o ser humano a procurar, a saber, a aprender. E sempre que esta busca é levada até ao fim, se – seja qual for a acção ou direcção – for seguida até às últimas consequências, o resultado é sempre o mesmo, ainda que possa ser codificado através de diferentes simbologias, línguas e conceitos, adaptados ao momento, lugar e seres em questão – são os princípios de funcionamento do ser humano, os princípios de funcionamento da Existência, e como os harmonizar e pôr em prática com vista à absoluta satisfação. Não é isto que todos nós, fundamentalmente, sejamos quem formos, fizermos o que fizermos, estejamos onde estivermos, procuramos?
(... continua) 
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