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Graça Divina
de Debabrata Sen Sharma
em 06 Fev 2023
(...anterior) Os Shivaítas de Cachemira postulam dois tipos de dissolução cósmica que acontecem a dois níveis, existindo um dentro do outro, nomeadamente a dissolução cósmica parcial (khanda pralaya) e a total, ou grande dissolução cósmica (mahā pralaya). Deve ser relembrado que das cinco funções que se atribuem ao Senhor Supremo em actuação perene, as três funções, nomeadamente, criação, conservação, e dissolução, diz-se que tomam lugar sucessivamente por ordem cíclica, na sequência da decisão do Senhor Supremo de Se manifestar como universo. Tal acontece porque os actos da criação, sustentação e dissolução do mundo diz-se residirem num plano diferente das Suas primeira e última funções (nigraha e anugraha). O acto de auto-limitação marca o início do processo de Sua auto-manifestação como mundo, simbolizando, por assim dizer, a actualização da Sua determinação (sankalpa) de ser muitos, enquanto o Seu acto de anugraha (conferindo graça à sua forma auto-limitada) simbolizando o fim de Sua auto-manifestação do mundo. A tal pode-se chamar a Grandiosa Dissolução Cósmica.
A concepção dos Shivaítas de Cachemira da função de anugraha pelo Senhor Supremo pode ser vista como algo honroso à sua função de nigraha (acto de auto-limitação). Isto suporta a razão de que, uma vez que o Senhor Supremo, ao exercer o Seu poder de liberdade Divina impôs voluntariamente a Si próprio limitação para poder ser múltiplo, e só Ele tem o poder de desfazer esta Sua auto imposta limitação, e por consequência restaurar em Si próprio a natureza divina perdida através do respectivo acto de anugraha ( a dispensação de graça à Sua forma monádica).
É por esta razão que os Shivaítas de Cachemira defendem que a infusão de graça divina aos renunciantes (sādhakas) é crucial no seu desempenho da disciplina espiritual ou sādhana. Explicam isto ao dizer que os sādhakas são incapazes de destruir o ānavamala que cobre a sua natureza verdadeira de Shiva, tal como é criada pelo Senhor Supremo a Si próprio através do acto de nigraha. Só Ele é capaz de destruir esse mala usando a Sua graça (anugraha) neles. Os iniciados espirituais conseguem progredir algo na sua jornada espiritual até ao objectivo último através dos seus esforços rigorosos e persistentes, mas a existência neles de ānavamala transforma-se num pedra de tropeço, a qual se torna impossível de removerem. Terão, assim, de esperar pela infusão neles da graça Divina através do Senhor Supremo. Esta infusão pode ser vista como o primeiro passo na sua jornada espiritual, culminando no “reconhecimento” ou realização da sua natureza de Shiva.
Tradução de Helena Gallis
Centro Cultural Ramakrishna de Calcutá
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